Informática Médica

Diretrizes Clínicas na Internet

Renato M.E. Sabbatini


Revista Médico Repórter
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 O Que É Uma Diretriz Clínica?

Diretriz é a tradução consagrada (segundo a AMB), do termo em inglês guideline. Também é traduzido às vezes como guia ou protocolo clínico, embora esses sejam coisas um pouco diferentes das diretrizes. Existem também os termos algoritmos clínicos e consensos.

Para usar uma definição curta e ao ponto, diretriz clínica é um documento que contém a melhor prática médica para uma determinada doença ou procedimento. Melhor no sentido de que é a mais aceita pelos mais respeitados especialistas naquela área, ou é a que é mais baseada em evidências cientificas as mais recentes possíveis. Uma diretriz pode ser escrita por uma pessoa só, ou por um grupo de pessoas. Quando ela é elaborada por um comitê de especialistas, geralmente indicado por uma sociedade médica científica, ela recebe o nome de consenso. Quando a publicação assume a forma de uma seqüência padronizada de decisões, em forma publicada ou em um software interativo, ela é chamada de algoritmo clínico. E protocolo, por sua vez, pode ser reservado para as diretrizes que assumem um papel mais formal, estruturado, relativamente rígido, a ser seguido pelo médico como a forma até um pouco imposta de tratar ou diagnosticar. Nos EUA, outro nome dado aos algoritmos ou protocolos é clinical pathway, ou caminho clinico.

Como é organizada uma diretriz clinica? Peguei um exemplo da diretriz para angina instável, publicada em um sistema do governo americano chamado HSTAT. Tipicamente uma diretriz contém as seguintes seções: visão geral, avaliação e tratamento inicial, atenção ambulatorial, manejo de pacientes críticos, seguimento pós-tratamento, testes diagnósticos e exames usados, alta hospitalar e cuidados pós-alta, referências bibliográficas, glossário e acrônimos, e lista de autores. Outro exemplo é a organização de uma diretriz clinica publicada pela Associação Americana de Médicos de Família: no tópico referente à avaliação de risco e diagnóstico de síndrome de Down, o documento tem os seguintes tópicos: definição, epidemiologia, etiologia e manifestações clínicas, incidência e prevalência de sinais e sintomas, testes diagnósticos, procedimentos de avaliação de riscos, algoritmo de decisão (uma espécie de gráfico na forma de árvore de decisão, com as várias perguntas e achados que devem ser feitos passo a passo ao longo do protocolo, e quais os resultados esperados), diagnóstico prenatal, aconselhamento, fontes de informação e referências bibliográficas, autor.

Como se vê, são bem completas, e podem ser consideradas um tratado resumido sobre a doença ou procedimento, contendo em geral muitas sinopses, tabelas e alguns diagramas. A diferença em relação a um capítulo de livro convencional ou artigo de revista de revisão, é que as diretrizes são bastante práticas e concretas, envolvendo uma espécie de roteiro para uso direto no dia-a-dia clínico. Não deixam de lado, porém, o embasamento científico das regras de decisão e conselhos, citando a literatura médica e permitindo que o usuário se aprofunde no tema, se assim o desejar. Outra característica importante é a atualidade da diretriz ou protocolo, pois as coisas mudam muito depressa em medicina. Uma diretriz pode ficar rapidamente inútil, se não for atualizada periodicamente. Para isso, a Internet é uma enorme vantagem, pois a publicação eletrônica on-line permite a modificação ou até a substituição completa de uma diretriz com grande facilidade, ficando imediatamente disponível.

Onde Achar Diretrizes?

Para começar, é bom dispor de um site de buscas, que permita localizar rapidamente todas as diretrizes já publicadas. O melhor do mundo é o National Guideline Clearinghouse (Repositório Nacional de Diretrizes), que é um grande catálogo de diretrizes clínicas baseadas em evidência, mantido por uma agência do governo americano, a Agency for Healthcare Research and Quality (Agência para Pesquisa e Qualidade em Atenção em Saúde), em associação com a Associação Médica Americana e a Associação Americana de Planos de Saúde.

Existem diretrizes para852 doenças e 853 procedimentos e medicamentos. Pode-se procurar por palavras-chave ou navegar em um catálogo muito bem organizado por categorias. O usuário pode selecionar quais diretrizes deseja adicionar a sua "coleção particular", que fica armazenada no computador. Todas as diretrizes têm referência bibliográfica completa e a maioria tem um resumo extenso ou texto completo.

Depois, é bom conhecer e colocar na sua lista de favoritos (marcadores), alguns sites que ofereçam uma ampla seleção de diretrizes. Evidentemente, aqui o país mais rico nesse tipo de recursos é os EUA. Assim, dos sites comerciais americanos, um dos melhores é o Medscape Multispecialty Practice Guidelines (Diretrizes Práticas Multiespecialidades), que contém diretrizes para 26 especialidades médicas. Não são diretrizes próprias, mas sim uma lista das que já existem disponíveis através de outras fontes, com um breve comentário. O site exige cadastramento, mas é gratuito. Outra boa fonte comercial, com um catálogo de cerca de 600 diretrizes é o MDConsult, que tem o inconveniente de exigir assinatura paga. Funciona também como o NGC, acima, mas tem uma vantagem: contém artigos em texto completo que normalmente você teria que pagar para ler, pois sairam apenas em revistas impressas que só podem ser achadas em bibliotecas ou através de assinatura. Infelizmente, muitas diretrizes não oferecem essa facilidade, mas o MDConsult permite que você faça um pedido de separata pela Internet (sistema InfoTrieve). O preço varia de 10 a 50 dólares, dependendo do tamanho do artigo e do método de envio. Outra vantagem do MDConsult é que ele dá acesso à coleção Mosby Yearbooks, sem necessidade de pagar um adicional. No Brasil, quem assinar o serviço Bibliomed recebe um desconto na assinatura do MDConsult. No Reino Unido existe uma boa fonte de revisões periódicas de diretrizes, mantido por uma editora médica, que é o eGuidelines.

Outra fonte espetacular de diretrizes clínicas na Internet é o site da American Academy of Family Physicians (Academia Americana de Médicos de Família), que tem centenas de diretrizes extremamente bem escritas, completas e atualizadas, com a diferenciação em relação a outras por conter algoritmos gráficos (diagramas de decisão), que facilitam muito o entendimento dos passos a serem percorridos para o diagnóstico ou tratamento, protocolos clínicos, etc. As diretrizes foram todas publicadas na revista da associação, o American Family Physician. Um projeto semelhante no Reino Unido, voltado para o clínico geral, é o Prodigy Guidance, que é sempre atualizado e contém também cerca de uma centena de diretrizes sobre as doenças mais comuns, todas disponíveis em texto integral na Internet. Tem a chancela de credibilidade de ser produzido pelo Ministério de Saúde britânico.

Evidentemente, uma fonte muito rica de consensos, diretrizes, protocolos e algoritmos são as associações médicas científicas. Algumas, como a Canadian Medical Association (CMA), centralizam em um serviço on-line, chamado CMA Infobase Clinical Practice Guidelines as referências aos documentos de 51 organizações médicas canadenses. Como no caso do NGC, o acesso é gratuito para todas as diretrizes. Algumas sociedades famosas como a American College of Cardiology (ACC) e a American Heart Association (AHA) mantêm sites riquíssimos de informações, que abrangem também muitos consensos e diretrizes específicos das suas áreas de especialidade. Isso tem sido um serviço muito oferecido pelas grandes sociedades profissionais, de modo que seria altamente recomendável você dar uma olhada no site americano da sua especialidade para ver se ele já contempla a publicação de diretrizes e consensos.

O site mais diferenciado e "inteligente", no entanto é o Clineguide, publicado pela conhecida editora internacional Wolters Kluwer. O sistema é diferente dos demais porque interage com o usuário, ou seja, você vai colocando as características do seu paciente, em resposta a uma seqüência de perguntas, e o Clineguide vai abrindo telas e mais telas interligadas contendo orientações, recomendações, referências, etc. Vale a pena tentar, embora seja por assinatura anual (existe a possibilidade de testar o sistema por 10 dias, gratuitamente.

E No Brasil?

Bem, como o leitor pode imaginar, no Brasil ainda estamos muito defasados em relação ao progresso norte-americano, canadense e europeu, não só da disponibilização eletrônica das diretrizes, como na própria elaboração das mesmas. Publicar uma diretriz é relativamente fácil, difícil é ter recursos para atualizá-la freqüentemente. A Associação Médica Brasileira (AMB) montou um grupo para elaborar diretrizes para nosso país, e tem trabalhado muito nesse sentido, tendo uma meta de cerca de 120 diretrizes. Algumas sociedades especializadas, como a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), já avançaram muito em relação às outras, e tem publicado periodicamente um número relativamente grande de diretrizes em cardiologia, na revista Arquivos Brasileiros de Cardiologia, e que agora estão disponiveis on-line no site da SBC.

Como Usar as Diretrizes?

Uma diretriz ou consenso tem muitas aplicações. A primeira delas é educacional, ou seja, você poderá usá-las para se manter atualizado e para ter uma visão geral do manejo prático e consensual de uma doença ou de um procedimento diagnóstico ou terapêutico, de uma avaliação de risco ou prognóstico, etc. A segunda é eminentemente prática: para o médico individual, tem o mérito de servir de guia ou orientação (daí o nome em inglês ser muito apropriado: guideline) para uma prática clínica de qualidade e atualizada. Evidentemente, nesse caso é recomendável que o médico procure adaptar a diretriz às suas condições particulares e/ou à sua experiência clínica, nào a tomando literalmente como a "bíblia" do assunto.

O terceiro uso, cada vez mais comum, é de natureza impositiva. Muitos hospitais, centros de diagnóstico e tratamento, e empresas de planos de saúde ou de medicina de grupo estão adotando as diretrizes como uma forma de regulamentar e padronizar a atenção médica em suas instituições, de modo a aumentar a qualidade, conter custos, ou uma mistura de ambos. Nos EUA, que como sempre, é onde acontecem as inovações mais radicais, existem até punições para quem se desvia de uma diretriz ou protocolo, e as auditorias médicas muitas vezes usam-nas para avaliar prontuários médicos, casos de infração ética, etc.

Qualquer que seja a forma de uso, parece que as diretrizes vieram para ficar na medicina, e se tornam cada vez mais necessárias frente à complexidade crescente da medicina científica.

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Renato M.E. Sabbatini é doutor em ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, e diretor associado doNúcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, em Campinas, SP. É também editor científico das revistas Informática Médica e Intermedic.
Email: renato@sabbatini.com

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