Informática Médica

Os Congressos Médicos Virtuais Estão Chegando

Renato M.E. Sabbatini



Revista Check-Up No. 15
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Os congressos fazem parte integrante da vida do médico. Pelo menos daquele que se preocupa em se atualizar e manter um relacionamento com a comunidade de colegas da especialidade da qual faz parte. Com o progresso científico cada vez mais acelerado da medicina, eles passaram a ser uma atividade essencial, e o que acontece é que as atividades voltadas à educação médica continuada gradativamente têm se deslocado das universidades para os congressos, simpósios, jornadas, workshops, etc., que ocorrem às centenas durante o ano.
Com tudo isso, a maioria dos médicos gasta muito tempo e dinheiro para conseguir acompanhar o número mínimo de congressos e cursos que a especialidade exige. Aprende-se pouco, pois tudo é muito corrido, comprimido em poucos dias. As chances de conversar mais longamente com os colegas são pequenas, e as de falar com aquele professor importante que veio do exterior, então, são praticamente nulas! Volta-se frustrado e exausto, mas com a convicção de que é uma coisa que vai ter que ser repetida o ano que vem…
 
Mas a Internet está aí para começar a solucionar muitos desses problemas. Trata-se dos congressos virtuais, que virão substituir muitas (ou todas) as atividades de um congresso real. Para a maioria, é coisa que parece ficção científica. Mas eles já existem desde 1994 e são um grande sucesso. O I Congresso Virtual de Cardiologia, por exemplo, teve mais de 7.500 participantes, "vindos" de 92 paises, e reuniu 52 sociedades médicas, sem que qualquer participante se encontrasse fisicamente uma vez sequer com outro. Como este, ocorreram congressos virtuais nas áreas de Anatomia Patológica, Oncologia, Neurologia, Neuropsicologia, Medicina Intensiva, Nefrologia, Farmácia, Cirurgia Torácica, e outras especialidades. O primeiro congresso virtual do mundo foi o World Congress for Biomedical Sciences (INABI), de iniciativa de pesquisadores do Japão, e já foi repetido sete vezes, sempre com grande afluência de participantes. O próximo será coordenado por canadenses.

 

Como Funciona

Um congresso virtual tem quase todas as atividades de um congresso real: conferências, mesas redondas, simopósios, apresentação de casos clínicos, comunicações livres, cursos e até exposição técnica. Só não tem os jantares, o cafezinho junto com os colegas e o bate-papo de corredor. Mas, do ponto de vista científico e educacional, pode oferecer uma experiência tão realística quanto a de um congresso "em carne e osso".
E quais são essas tecnologias?
As mais simples ocorrem através da Internet, usando principalmente o correio eletrônico (email) e a Web (WWW). Para acessar e participar dessas atividades, inclusive de forma interativa, basta ter acesso à um provedor de Internet, através de uma linha telefônica, e um computador com o software adequado (Netscape ou Internet Explorer). Uma palestra virtual, por exemplo, consiste da apresentação de slides do apresentador, acompanhados ou não de comentários em forma de texto ou de voz, colocada na Web. Com a vantagem de que você pode assistir na sua própria velocidade, parar no momento em que quiser, voltar mais tarde, ou retroceder a palestra para tentar entender melhor um trecho. Outra possibilidade de transmitir uma palestra em tempo real é chamada de "webcasting". Uma câmara de vídeo captura as imagens do professor e dos seus slides no auditório e as transmite em tempo real para um "site" na Web, que pode ser assistido por qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo, com som e tudo, utilizando uma tecnologia chamada RealVideo.

A indefectível sessão de perguntas e respostas é realizada por email, ou então através da Web, com um recurso chamado "mural eletrônico". Neste, as perguntas e respostas ficam disponíveis permanentemente. Outra possibilidade é utilizar o "chat", ou sala de bate-papo virtual, que funciona muito bem quando se tem hora e dia marcado para a atividade. Geralmente eles são programados logo em seguida a uma transmissão.

Outra atividade interessante é a sessão de comunicações livres. Os participantes enviam suas contribuições em forma eletrônica para os membros do comitê científico. Após aprovadas, elas são colocadas na Web, no "site" do congresso, na forma de "pôsteres eletrônicos", que ficam exibidos por um período determinado. Um mural ou um endereço de email, colocados junto ao pôster, permite que os "visitantes" possam fazer perguntas e discutir com o seu apresentador. O mesmo vale para os "estandes virtuais" das empresas expositoras, que podem conter fotos e descrições de produtos, bem como "links" para o "site" da empresa.
 

Vantagens

Um congresso virtual tem grandes vantagens em relação aos congressos reais. Uma delas é que, abolida as barreiras de tempo e distância, muitas coisas se tornam possíveis. O tempo de acesso e o espaço disponível não sofrem as mesmas restrições: o Congresso Virtual de Cardiologia, por exemplo, durou de outubro de 1999 a março de 2000. Participaram médicos de praticamente todos os continentes, e os próprios organizadores confessaram ter dificuldade até de saber de onde eram os participantes. Embora tenha sido iniciado por médicos argentinos e uruguaios, a maior participação veio de outros países de língua castelhana e portuguesa, como a pópria Argentina, Espanha, México e Brasil. Mas o congresso também tinha tudo traduzido para o inglês, de modo que médicos de muitos outros países se sentiram à vontade de participar.
 
Com tanto tempo para participar, os médicos podiam se inscrever a qualquer momento e mesmo assim "assistir" a tudo o que quisessem. As discussões são longas, e a quantidade de material exposta por trabalho pode ser muito maior. Aliás, o congresso está "aberto" até hoje, mas sem a parte interativa, que tinha data para terminar.
 
Outra grande vantagem, sem dúvida, é o baixissimo custo de participação. Muitos congressos são gratuitos, ou cobram taxas muito baixas, pois as doações dos patrocinadores são suficientes para cobrir os custos de realização do congresso, que geralmente também são muito inferiores a de um congresso real. Nào é preciso alugar centros de convenções, contratar coffee-break e sistemas audiovisuais, recepcionistas, empresas de montagem de estandes, pagar viagem e estadia para os palestrantes convidados, e muitos outros custos mais. Para os médicos que moram muito longe dos grandes centros, e que têm recursos financeiros e tempo limitados, os congressos virtuais serão a invenção do século.

 

Videoconferência e Congressos Virtuais

Outro recurso tecnológico poderoso e sofisticado que tem ficado na moda nos congressos presenciais é a videoconferência. Este é um recurso muito vantajoso para "trazer" virtualmente palestrantes estrangeiros, muito caros ou muito ocupados, a um congresso nacional. Normalmente, funciona assim: através de uma ligação telefônica digital via satélite, um equipamento de videoconferência recebe a voz e a imagem do palestrante, esteja ele onde estiver. A imagem é projetada em grande formato em um auditório, que pode receber centenas de participantes simultaneamente. Os slides passados pelo professor são transmitidos pelo mesmo equipamento. Em seguida, os microfones são abertos no auditório, e as pessoas presentes podem fazer perguntas em tempo real para o professor, que as enxerga, e responde, tudo através da videoconferência bidirecional. A experiência em tudo é similar à de um congresso presencial, mas o custo é bem elevado, tanto do equipamento quanto do uso das linhas digitais, principalmente se o palestrante estiver no exterior.
 
Mas a tendência do uso desse recurso tecnológico é irreversível. À medida em que os custos diminuem, a videoconferência passará a ser muito comum, principalmente com transmissão através da Internet de alta velocidade (também chamada de Internet 2, ou Internet de banda larga). Uma das soluções tecnológicas mais modernas é o acesso à Internet através da TV a cabo. Com ela, ocorrerá a chamada, e tão esperada, "convergência das mídias", ou seja, você não precisará sair de casa para assistir a um congresso pela TV a cabo, e depois poderá interagir com os palestrantes através da Internet. No entanto, devido às dificuldades logísticas de se coordenar a participação de milhares de pessoas dotadas de computadores com microfones e microcâmaras de vídeo, dificilmente essa parte interativa será bidirecional. O mais comum será sempre utilizar um moderador, que receberá as perguntas através da Internet e passará as mais interessantes para o palestrante responder.

Conclusões

Os congressos presenciais estão com fim contado?
 
Segundo os médicos uruguaios Silvia Lecueder e Dante E. Manyari, que estavam entre os organizadores do I Congresso Virtual de Cardiologia, a resposta é não. "Os congressos virtuais vão complementar, enriquecer e recriar as relações pessoais entre colegas e cientistas. Entretanto, todos os ramos da medicina que organizam congressos tradicionais devem se preparar para aceitar os desafios envolvidos na realização dos seus próprios congressos virtuais. As pessoas que se posicionam contra este uso da tecnologia são mal informadas ou nunca experimentaram os benefícios dos novos meios de comunicação."
 
A questão da qualidade, sem dúvida, é central nessa polêmica. O medo de perder o controle está por trás da resistência. No entanto, os congressos virtuais não precisam ser diferentes nesse sentido: um rigoroso controle da qualidade dos trabalhos, feitos por comissões científicas, pode ser até mais facilitado e agilizado pela tecnologia do que sem ela.

 

Recursos na Internet

  • Congresso Virtual de Cardiologia: http://www.fac.com.ar/cvirtual/index.htm
  • Lecueder, S e Manyari, D.E.: Virtual Congresses. Journal of the American Medical Informatics Association 7:21-27 (2000). http://www.jamia.org/cgi/content/full/7/1/21
  • Virtual Congresses and Other Links: http://www.uclm.es/inabis2000/links.htm


  • Renato M.E. Sabbatini é doutor em ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, em Campinas, SP. É também diretor de informática médica da AMB, e editor científico das revistas Informática Médica e Intermedic.
    Email: renato@sabbatini.com

    Copyright 1999 Renato M.E. Sabbatini
    Todos os direitos reservados. Proibida a cópia para fins comerciais.

    Publicação na Web: 23/10/1999.

    URL: http://www.sabbatini.com/renato/papers/checkup-12.htm