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A era do autor

Renato Sabbatini

As estatísticas são impressionantes: cerca de 25 milhões de americanos já publicaram alguma coisa na Internet. A grande maioria colocou apenas uma "home page", que é uma espécie de "cartão de visita" eletrônico, contendo dados pessoais e profissionais, hobbies, fotos, etc. Mas uma multidão até agora recorde na história da humanidade fez mais do que isso: escreveu artigos, resenhas de livros, respostas a questões de outras pessoas, trabalhos escolares. Em casos mais raros, mas mesmo assim com números assustadores, editores amadores editam e disponibilizam revistas inteiras, livros, sites especializados em algum assunto. Existe de tudo: o fã da Madonna que constrói uma página glorificando a sua heroína, com centenas de fotografias, letras de música, biografia e fofocas, até professores universitários que criam verdadeiras enciclopédias eletrônicas, com um enorme e detalhadissimo volume de informação (vi recentemente um que me deixou boquiaberto: uma história do Egito Antigo absolutamente maravilhosa).

A última moda é representada por sites de perguntas e respostas. A coisa funciona assim: alguém envia uma pergunta ou dúvida sobre um assunto qualquer, para o site. A pergunta fica então disponível, classificada dentro de uma determinada categoria, até que alguma alma boa se disponha a respondê-la. A resposta é colocada também na Internet. O surpreendente é que muitas perguntas têm mais de duas respostas, algumas vezes cinco ou mais respostas. E quase todas são excelentes, muito informativas, e claramente escrita por especialistas no assunto.

Outro exemplo curiosissimo na Internet são os recursos interativos, que permitem que as pessoas dialoguem em grupo sobre um determinado tema. Os tipos mais comuns são as lista de discussão, os grupos de notícias e os murais eletrônicos. Qualquer pessoa que participe de uma dessas listas ou grupos pode contribuir com as discussões correntes, enviando textos que são lidos por todos os demais participantes, usualmente através de mensagens recebidas através do correio eletrônico. É comum algumas dessas listas contarem com milhares de assinates (eu participo de uma sobre doenças infecciosas emergentes, que tem mais de 18 mil assinantes!), e o número de mensagens emitidas diariamente pode facilmente atingir a centena. O que me impressiona é a dedicação de alguns participantes, que em resposta ou comentário costumam escrever textos extensos, do tamanho de um editorial de jornal, sem receber absolutamente nada em troca. Isso deve exigir um tempo enorme dessas pessoas.

De onde elas tiram a motivação para escrever tanto?

Raramente essas contribuições são pagas ou o autor consegue obter algum rendimento. O mecanismo que motiva essas pessoas a se dedicarem tanto a escrever parece ser de outra natureza. Quem sabe é o desejo de reconhecimento que todo ser humano acalenta (aliás, esse é o motivo principal das publicações feitas pelos cientistas, que também nunca são pagos pela editora da revista para onde mandam os trabalhos...). Outras vezes o mecanismo que parece estar em jogo é uma necessidade real de se expressar ou de ajudar os outros. Rarissimamente o motivo é o lucro: isso parece estar restrito aos jornalistas e escritores profissionais, que tiram seu sustento do trabalho de criação de textos.

A facilidade que a Internet proporciona para quem deseja autopublicar-se também é um fator muito importante. Basta saber lidar com um programa simples de edição de textos, e, eventualmente saber produzir material apropriado para colocação na Internet. É um conhecimento cada vez mais generalizado, que está sendo ensinado até nas escolas secundárias. Basta ver o interessante diferencial que surge quanto à idade destes novos ciber-autores. Minha impressão é que a idade média ronda por volta dos 16-17 anos. Para um jovem dessa idade, praticamente um adolescente, a Internet fornece um meio absolutamente irresistível e poderoso de auto-expressão, que é um forte impulso característico do jovem. O resultado é uma quantidade brutal de coisas tão úteis quanto um grafite em um muro, e, ademais, com uma qualidade muito baixa. Isso tende a "contaminar" a Internet com muito lixo, mas a vida é assim mesmo. Vai ser impossível impor qualquer tipo de limitação agora. A solução vai ser a implantação de algum mecanismo de avaliação pública da qualidade da informação publicada na Internet. Não devemos ser esnobes ou excessivamente seletivos. Existem páginas feitas por amadores que são fantásticas. De outro lado, existem sites ditos acadêmicos que não valem o fósforo da tela de vídeo onde são exibidos.

Tudo isso vai virar de cabeça para baixo o "establishment" tradicional das editoras. Novos paradigmas terão que ser procurados. O modelo econômico em evolução na Internet é tremendamente ruinoso para as empresas e autores que vivem do trabalho criativo e da disseminação paga de conteúdos. O negócio das empresas da "Nova Economia" é tentar descobrir maneiras de lucrar com ssa nova onda. Até agora, pelo menos, a grande maioria dos sites de conteúdo não tem conseguido gerar caixas positivos. E duvida-se que algum dia consigam, pois a quantidade gigantesca de conteúdo totalmente gratuito existente na Internet impede, na prática, que muitos poucos sites consigam ser valorizados o suficiente pelos usuários para convencê-los a abrir a carteira.

Para Saber Mais

Mostrando-se na Internet. Correio Popular, Caderno de Economia. Informática, 22/2/2001.

Egoboo. Correio Popular, Caderno Cosmo, 14/7/2000.
Acesso à informação. Correio Popular, 28/8/98.
Direitos autorais e a Internet. Correio Popular, Caderno de Informática, 4/6/96.
Publicando na Web. Correio Popular, Caderno de Informática, 26/09/1995.


Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor associado do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 6/4/2001.
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