MEDICINA


MEDICINA ALTERNATIVA

  • Heraldo Curti
  • Especialmente nestes últimos vinte anos, os chamados tratamentos alternativos têm encontrado grande acolhida não só entre leigos, como até entre profissionais ligados à área da Saúde (a demanda gera novas "especialidades").
    Este fenômeno, que parece ser mundial, reflete uma certa nostalgia pelos "bons tempos", em que as coisas - inclusive as patologias - pareciam ser muito mais simples. Representa um maldisfarçada oposição à Medicina Científica, tal como hoje a conhecemos. Na verdade, há um verdadeiro movimento mundial anticiência, em que se contestam algumas das suas características basilares, como a previsibilidade de resultados (e, portanto, a repetição dos resultados esperados) e o controle ou a compreensão dos mecanismos envolvidos nos fenômenos científicos.
    A ciência médica não nos teria dado os antibióticos, vacinas, transplantes e outras tantas conquistas que temos desfrutado neste último século, se não fosse a sua disciplina na construção de um corpo de conhecimentos que se sedimentou pelo acúmulo de experiências de um incontável número de pesquisadores. Para o sucessso das descobertas médicas foi, também, imprescindível a utilização de duas metodologias do estudo científico, uma chamada uso de grupos-contrôle e outra, estudo duplo cego.
    Sem estes procedimentos, hoje corriqueiros, não é possível provar-se que este ou aquele tratamento realmente funciona. Dispensá-los ou voltar-se contra eles é contribuir para que a medicina volte aos tempos primitivos dos miasmas, das possessões, magias ou de outros misticismos.
    No grupo controle os pacientes são submetidos a um tratamento sabidamente inócuo, administrando-lhes um placebo (por exemplo, pílulas de açúcar), enquanto que ao segundo grupo, constituído por pacientes com a mesma doença, administra-se a droga que se quer testar a eficácia (as pílulas-placebo e as com a droga ativa devem ter, externamente, mesma aparência, o mesmo sabor e nenhum paciente pode saber - estão "cegos" - a que grupo pertencem). Além disto, somente parte dos elementos do grupo de pesquisadores sabe qual indivíduo esta recebendo o quê, enquanto que os outros seus colegas, que avaliarão preliminarmente os resultados, também devem desconhecer (igualmente "cegos") quem recebeu o placebo.
    No final, os pesquisadores têm condição de aferir se aquele tratamento realmente funciona, pois mesmo no grupo sem qualquer intervenção medicamentosa sempre é esperado que uma porcentagem de pacientes venha a apresentar melhoras subjetivas ou objetivas de seus sintomas/sinais, ou até mesmo cura.
    Este percentual deve ser, entretanto, muito menor que no grupo sob a droga ativa, para esta ser, finalmente, científicamente aprovada. Por que isto é feito assim? Pacientes, de um modo geral, são muito suscetíveis a querer perceber melhoras quando iniciam um tratamento (re-interpretação da realidade, negando os sintomas que lhe causam estresse). O mesmo acontece com o pesquisador, que, também, inconscientemente, procura resultados positivos na sua intervenção.
    Podem-se citar, ainda, inumeras razões para justificar o rigor científico necessário para validar ou contestar um tratamento proposto:
    1- Doenças podem ser curadas espontânemamente. Mesmo casos de cânceres malignos (raros ) em que a perspectiva de cura era extremamente remota, involuíram sem um tratamento especial por razões ainda hoje não compreendidas;
    2- Doenças têm curso cíclico, com melhoras e pioras espontâneas: a coincidência de certo tratamento com o período de melhora pode levar, erradamente, a se estabelecer uma relação de causa-e-efeito entre eles;
    3- Placebos, através do seu poder de sugestão, expectativa de melhora do paciente, ou o poder de desviar a atenção do doente de seus sintomas, podem, sabidamente, induzir surpreendente bem-estar. A doença, entretanto, ainda pode estar lá e progredindo; O próprio cérebro, através da produção de hormônios, é capaz de melhorar a resposta imunologica contra um agressor biológico (reduzindo o crescimento de um tumor, por exemplo), ou, então, pela sua semelhança química com a morfina, certos neuro-hormônios (endorfinas) podem mitigar o sintoma doloroso;
    4- Sintoma é uma precaríssima "bússola" para encontrarem-se doenças, qualificá-las e, pior ainda, quantificá- las. Além disso, dores, mal-estar, disfunções, em certo contexto social, familiar ou no trabalho podem conferir um privilegiado status ao doente a ponto de perpetuar os sintomas ou até criá-los nesmo na ausência de um mal;
    5- Associação de cura a uma determinada intervenção pode se dar, puramente, pelo acaso. Mesmo, entre os médicos, não se aceita mais o chavão antigo "na minha experiência clínica funciona". Os resultados devem ser repetidos por qualquer profissional tecnicamente preparado, em qualquer lugar do planeta. Os mesmos foram publicados em revistas técnicas confiáveis e foram confirmados não só por uns poucos, mas por diversos grupos de pesquisadores (sim, também há erros em publicações científicas, e mesmo fraude entre cientistas);
    6- Desaparecimento ou melhora dos sintomas não significa, necessariamente, cura de uma patologia bem diagnosticada, podendo, até, significar em piora; dor que não devemos esquecer é sempre um mecanismo de defesa, pode ser atenuada, por exemplo, por acunpuntura, sem qualquer ação na doença que a produz;
    7- Erros diagnósticos não são infreqüentes mesmo entre bons médicos: lembremos a verdadeira "epidemia de prolapso da valva mitral nos anos 70 e 80, que hoje, chegou-se a conclusão", ocorreu por engano na interpretação do exame ultrasônico do coração. Melhora de diversos sintomas presentes nesta patologia em indivíduos que, realmente, não tinham prolapso mitral, atribuída a certos medicamentos, causou grande confusão entre os médicos em todo o mundo;
    8- O carisma de certo terapeuta é capaz de provocar otimismo nos seus pacientes, fazendo-os comer, ou dormir melhor e a cooperarem com o tratamento, o que tem sigficativa importancia no resultado na recuperação dos doentes. Este aspecto, que é até claramente desejável em qualquer esquema terapêutico convencional, entretanto, deve ser sempre levado em conta na avaliação da eficácia do tratamento proposto e, quase sempre, não pode ser o unico fator envolvido na recuperação de um paciente com uma doença orgânica bem diagnosticada;
    9- Sintomas podem originar-se de estresse psicológico. Os terapeutas alternativos que não esclarecem a base psíquica deste mal-estar, convencem o paciente de que há uma disfunção de outra natureza, levando-o a um tratamento impregnado de ritualismos (tomar o remédio X com a mão direita, às 14,33 horas, após 3 "pancadinhas" no frasco que o contém) e convencendo-o que é a insensibilidade da incompetente comunidade médica, apressada em suas consultas, que a impe de reconhecer o mal real do paciente.
    Aromaterapia, cromoterapia, cristais, florais de Back, toque terapêutico, quelação, homeopatia, medicina chinesa, acunpuntura, iridologia, entre tantos outros métodos heterodoxos, não se submetem ao escrutínio dos grupos contrôle e dos estudos duplo-cego.
    Não podem, portanto, reinvindicar status de conhecimento científico e têm que se sustentar, exclusivamente, na fé do paciente que a eles apelam. (são verdadeiras religiões, com seus dogmas, pastores carismáticos e necessidade de milagres). Quando, entretanto, métodos alternativos de tratamento tentam enfrentar o desafio da medicina-baseada em evidências, acontece o que aconteceu, por exemplo, com Jacques Benveniste e doze outros homeopatas que, em 1988, publicaram na prestigiosa revista Nature os seus resultados. Eles nunca foram confirmados por quaisquer outros pesquisadores e nunca mais foram abordados nem mesmo pelo grupo original de homeopatas franceses, nesta ou em outros periódicos de divulgação científica.
  • Heraldo Curti é professor universitário

  • Publicado no jornal  "Correio Popular", Campinas, 28/11/97

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