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Educando os adolescentes para o sexo

Renato Sabbatini

A tremenda onda de erotização das crianças e adolescentes em nossa sociedade está levando a cada vez mais problemas na área do comportamento sexual e da reprodução. A conseqüência é que o Brasil já está com um índice muito alto de adolescentes grávidas, causando tragédias pessoais e familiares sem fim. A prevalência de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), inclusive a AIDS, também está começando a atingir os muito jovens.
Na UNICAMP, tenho tido pessoalmente um termômetro do grau espantoso de ignorância dos jovens nessa área, e como, apesar disso, eles estão se arriscando a fazer sexo sem segurança e sem medir conseqüências. Nós operamos desde 1996 um serviço de perguntas e respostas sobre temas de saúde para leigos, pela Internet, denominado "Pergunte ao Doutor" (www.nib.unicamp.br/svol/correio.htm). Uma equipe de médicos e outros profissionais de saúde responde às perguntas enviadas por correio eletrônico, e as respostas mais interessantes são publicadas permanentemente no "site". É um serviço de utilidade pública prestado pelo Hospital Virtual Brasileiro, de forma totalmente gratuita.

Pois bem, nos últimos meses tenho notado um enorme aumento de perguntas vindas de adolescentes e adultos jovens sobre problemas pessoais de sexo. De longe, a pergunta mais comum diz respeito a uma das seguintes variações sobre o mesmo tema:

1) Transei com o(a) namorado(a) e a camisinha estourou. Será que a menina ficou grávida?

2) Transei com uma menina enquanto ela estava menstruada. É possível engravidar durante a menstruação?

3) Transei com uma menina sem camisinha. Ela tomou a "pílula do dia seguinte", e agora a menstruação atrasou. Será que ela ficou grávida?

Algumas das perguntas expressam uma ignorância absurda sobre os fatos básicos da reprodução humana. Numa delas, por exemplo, o menino e a menina deram uns "amassos", totalmente vestidos. Não houve penetração, o menino não ejaculou, e ela era virgem e estava menstruada. Mesmo assim, os dois estão apavorados e pedem ajuda: querem saber se existe alguma probabilidade da menina ter ficado grávida nessas condições…Em outra pergunta, uma adolescente que tinha ido sozinha para os EUA em um programa de intercâmbio, tinha transado em julho com um coleguinha, depois ficou menstruada em agosto e setembro, mas a menstruação atrasou em outubro. Desesperada, e sem ter coragem de falar com a família que a abrigava, sobre a suspeita de estar grávida, tomou 26 pílulas anticoncepcionais de uma só vez para "tentar abortar". Em uma terceira pergunta, um garoto queria saber se era verdade que depois de se masturbar "os esperminhas morriam", e portanto não havia perigo em transar com a namorada… A lista é infindável.

E notem que esses adolescentes têm acesso à Internet, portanto, teoricamente, uma boa educação, e recursos para se protegerem melhor da gravidez indesejada. Imaginem então o que rola entre os adolescentes que não têm esses privilégios.

Por outro lado, a sexualidade precoce entre os jovens oferece uma oportunidade para ampliar o leque educacional. Um estudo recente feito nos EUA comparou cerca de 73 estudos controlados de 250 programas de educação sexual e prevenção de gravidez entre adolescentes naquele país. Os pesquisadores dividiram os programas em dois grupos: aqueles em que a abordagem era incentivar a abstinência sexual total entre os jovens, e aqueles em que se procurava educar melhor os jovens sobre a fisiologia e o comportamento sexual, o uso de contraceptivos, o sexo seguro e a prevenção de DSTs. Nos EUA existe uma batalha feroz entre os proponentes das duas linhas. A linha da abstinência sexual responsável geralmente é promovida por grupos religiosos ou moralistas, que acham que dar educação sexual até piora o problema, pois ela "incentivaria a experimentação sexual". A linha educacional aberta defende que conhecimento é o melhor caminho, e que o menino e a menina mais bem informados terão menos problemas com gravidez e DSTs.

O estudo comparativo mostrou que a linha educacional aberta é amplamente vitoriosa. Os programas de abstinência geralmente não funcionam, pois é muito difícil para os jovens conterem a natureza, em uma sociedade cada vez mais permissiva e tolerante. Os programas educacionais, por sua vez, demonstraram dois efeitos: não aumentam a atividade sexual precoce entre os jovens, e reduzem de dois terços à metade a incidência de gravidez indesejada, aborto ilegal e DSTs.

Nos EUA, são gastos US$ 300 milhões por ano de incentivos federais a programas nas duas linhas de ação. Cerca de US$ 85 milhões foram aprovados especificamente para programas que incentivam a abstinência, mas parece que esse dinheiro está sendo mal gasto. Só funcionam quando o programa também oferece alternativas (uso de contraceptivos) quando a abstinência não é mantida. Por isso, os educadores estão achando melhor até acabar com programas de abstinência pura, sem educação sexual, pois o dinheiro seria melhor gasto com programas de educação sexual nas escolas, igrejas, etc. Mesmo que haja objeção moral da maioria dos contribuintes a essa abordagem.

E no Brasil? Evidentemente, falta muito ainda para atingirmos uma educação sexual efetiva universal nos programas escolares. A maioria dos pais se abstêm, ou não sabem como ensinar. Mas as crianças estão ai, cantando "inocentemente" letras de músicas lascivas, dançando axê com gestos sexuais explícitos (já vi criancinhas de quatro anos de idade dançando a "garrafinha" e simulando coito), vendo e ouvindo sobre AIDS e camisinha na tevê sem saber o que é sexo, assistindo programas erotizados no horário diurno, e outras barbaridades. Não sou puritano, mas as crianças, por não por não terem ainda capacidade de discriminar e entender o que é certo e errado na área sexual, precisam ser protegidas. Todas as sociedades civilizadas fazem isso. Mas o sinal está sendo transmitido em aberto, para qualquer um ver. Portanto, a única saída é aumentar cada vez mais a educação sexual dos mais jovens.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 1/6/2001 .
Autor: Email: renato@sabbatini.com

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