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O computador químico

 

Renato Sabbatini

Há tempos atrás, as pessoas falavam das "gerações" de computadores, que podiam ser claramente identificadas através das suas tecnologias básicas de fabricação. A primeira geração, iniciada em 1945-47, era baseada em válvulas termiônicas. A segunda, que tornou-se possível a partir do início dos anos 60, foi baseada em transistores discretos (eletrônica de estado sólido). A terceira e a quarta geração foram baseadas nos circuitos integrados de baixa e alta escala de miniaturização, respectivamente, e culminaram, por volta de 1974-75, na criação dos microcomputadores.

A partir daí a contagem se perdeu. A quinta geração foi anunciada como a dos "computadores inteligentes" (estações de trabalho capazes de executar diretamente softwares de Inteligência Artificial, como Prolog e LISP), iniciada por um famoso projeto no Japão, e que se revelou um estrepitoso fracasso; e a sexta geração seria a dos computadores inteligentes baseados em redes neurais artificiais ("cérebros artificiais"), que também não se concretizou até hoje.

Portanto a quarta geração domina até hoje, tendo progredindo apenas quantitativamente (chips e sistemas cada vez mais velozes, com maior capacidade de memória, etc.). Uma das únicas novidades tecnológicas tem sido o uso de processadores em paralelo, ou seja, a divisão da tarefa de cômputo por múltiplas unidades de processamento operando simultaneamente. São os supercomputadores, raros e carissimos, mas cuja filosofia está chegando muito lentamente à informática de consumo, através dos Pentiums com 2 a 4 microprocessadores, utilizados principalmente para computação gráfica e como servidores de redes. A outra novidade é a incorporação no chip de processadores especializados como o MMX (para aceleração das tarefas de exibição em vídeo e som), que servem, em última análise, para aumentar a velocidade geral de computação ("throughput") de um processador.

A mania de numerar as gerações de computadores parece ter se perdido, então, não fazendo mais sentido. Não acontece mais, como ocorreu com as quatro primeiras gerações, a substituição de uma geração de computadores pelas seguintes. Muitas tecnologias vão coexistir, cada uma com seu nicho especializado de mercado e de aplicações, os quais são determinados pela relação custo/benefício, mais do que pela necessidade do usuário.

Embora seja altamente justificável um saudável ceticismo com relação a anúncios de novas gerações de computadores, recentemente cientistas americanos revelaram aquilo que pode ser o "chip" do futuro, super-miniaturizados, e super-rápidos: os computadores moleculares (será a quinta ou a sétima geração?).

Eles são baseados em estruturas moleculares cristalinas, diferentemente dos chips atuais, baseados em semicondutores elétricos fabricados em lâminas de silício. Eles precisarão muito menos energia do que os atuais, e poderão armazenar vastas quantidades de dados, permanentemente. Segundo o químico James Heath, professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles, um dos responsáveis pela nova linha de pesquisa, um computador molecular desse tipo "pode ser aproximadamente 100 bilhões de vezes mais econômico em termos de uso de energia do que um chip do Pentium. Poderemos ter o poder computacional de 100 estações de trabalho em um chip do tamanho de um grão de areia.".

Como funciona um computador molecular? O elemento básico dos chips de memória e de processamento é chamado de "porta lógica". Ela é usada para controlar uma corrente elétrica, exatamente como uma porta, deixando-a passar ou não ("fechada" e "aberta"). Isso cria a capacidade de armazenar números binários (os "bits" de informação, 0 e 1) e também de realizar operações matemáticas (soma, subtração, multiplicação, etc.) e lógicas (AND, OR, NOT, etc.) com os valores armazenados. Por utilizar apenas valores discretos (não fracionários), são também chamados de portas digitais.

O grupo de pesquisadores da UCLA, em cooperação com a empresa Hewlett-Packard, conseguiu criar uma porta lógica molecular, usando uma molécula orgânica chamada rotaxane, colocada entre dois eletrodos de metal. O próximo passo é criar um chip completo contendo alguns bilhões de portas lógicas desse tipo, mas antes será necessário criar "nanotubos" ou fios elétricos extremamente finos, com algumas moléculas de espessura, e que conectarão entre si as moléculas de rotaxane. Esses nanotubos são feitos de carbono cristalino, chamado de "tubos Bucky", pois utilizam uma estrutura cristalina recentemente descoberta, chamada de buckyminsterfullerenos (em homenagem ao arquiteto americano Buckminster Fuller, inventor do domo geodésico, com o qual essas moléculas de carbono se parecem).

Existem muitos problemas a serem resolvidos, mas um dos mais importantes é que um computador químico é necessariamente imperfeito, com muitos circuitos defeituosos, devido à própria natureza instável das moléculas orgânicas. Um computador desses precisa operar eficientemente e sem erros, mesmo contendo esses defeitos. O grupo da UCLA e da Hewlett-Packard deu um grande passo adiante nesse sentido, desenvolvendo uma nova arquitetura para computadores tolerantes a falhas, chamado Teramac. Atualmente ele tem 220 mil defeitos em seus circuitos, mas funciona sem problemas!

Ainda falta muito para produzir um chip molecular tão eficiente e fácil de controlar como a tecnologia baseada em silício. Mas, quando ela chegar, as possibilidades abertas serão absolutamente espetaculares. Para se ter uma idéia, poderão ser criados discos rígidos recobertos de substâncias quimicas cristalinas, ao invés de películas magnéticas. A densidade de armazenamento desses discos será dezenas de milhares de vezes maior do que as dos discos magnéticos atuais. Descobrindo-se uma maneira adequada de ler, escrever e preservar essa informação nas estruturas moleculares, poderá levar a discos muito baratos, do tamanho de uma moeda de 10 centavos, com 1 bilhão de bilhão de bytes de capacidade de armazenamento!
 

Para Saber Mais

Sites interessantes:

NanoCentral: notícias sobre tudo o que se refere à nanotecnologia (ultraminiaturização eletrônica e mecânica): www.nanocentral.com
 



Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 10/9/99 .
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