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A grande teia de comunicação

 

 

Renato Sabbatini


No século passado aconteceu uma revolução tecnológica “oculta”. Ela é relativamente prosaica, e poucas prestam atenção nela, mas tem uma enorme importância para a civilização moderna: trata-se da enorme  “teia” de fios elétricos e cabos que se estende por todo o mundo, interligando locais e pessoas. Parem um momento só para imaginar quantas centenas de milhões de quilômetros dessa fiação se estendem de forma visível e invisível pelas cidades e entre elas, e qual foi o tempo e custo necessários para colocá-los em funcionamento e mantê-los em operação!

Atualmente esses fios carregam três tipos distintos de energia eletromagnética: eletricidade para consumo, comunicações telefônicas e TV por assinatura. Até recentemente, esses serviços não se misturavam e eram fornecidos por diferentes empresas, cada uma com seus próprios custos de instalação, manutenção e uso. Comunicações telefônicas não podiam ser transportadas pelos fios de eletricidade de consumo e nem pela TV a cabo. Programas de TV a cabo, por sua vez, não podiam ser transmitidos por telefone. Em conseqüência, foi necessário realizar um enorme investimento, que levou à multiplicidade da infraestrutura de fios, Dou como exemplo minha própria casa, onde chegam dois cabos de telefonia, um de eletricidade e um de TV por assinatura, quando tudo poderia ser feito por um número bem mais reduzido.

Acontece que, no futuro, dois fenômenos vão se unir para tornar essa separação entre os serviços cada vez menos nítida. O primeiro deles diz respeito à privatização dos monopólios estatais na área de energia elétrica e de comunicações, e a desregulamentação que os governos de muitos países estão fazendo na área de serviços públicos. Empresas de distribuição de eletricidade, como a Furnas, poderão alugar sua imensa infraestrutura de torres, postes, galerias subterrâneas, fios e cabos, para quem quiser fornecer acesso à Internet, telefonia fixa digital, etc. Já existe tecnologia disponível para utilizar os fios comuns de eletricidade para essa finalidade. As empresas de telecomunicação, por sua vez, aumentaram seu leque de ofertas de serviços domésticos e empresariais, e estão já há bastante tempo oferecendo comunicação digital para redes de computadores, e serviços integrados de voz, imagem e dados (como a ISDN), comunicação por modem de alta velocidade (DSL), e muitos outros, aproveitando a atual infraestrutura de telefonia de voz  E as TVs a cabo também estão sendo autorizadas pelo governo a oferecerem acesso à Internet, e, possivelmente, telefonia digital.

O segundo fenômeno é um processo de fusão tecnológica que está acontecendo, baseado principalmente na Internet, que permite transmitir rádio e TV, telefonia, correio, fax, texto e imagens, etc., tudo através de uma mesma conexão e usando uma mesma “linguagem” de comunicação entre aparelhos dos mais diversos tipos. Como isso é possível? Como poderei enviar um fax pela linha elétrica, receber TV pela linha telefônica, fazer um telefonema pela TV a cabo, e navegar na Internet por todos esses meios? Parece uma loucura, mas na realidade é muito simples. Leia a explicação a seguir:

A voz transmitida pelo fio telefônico, os sinais de vídeo transmitidos pelo cabo da TV, e a própria energia elétrica, têm a forma de vibrações, ou ondas eletromagnéticas. Normalmente, elas são conduzidas pelos fios com diferentes níveis de energia elétrica, ou voltagem, que variam continuamente com uma freqüência que depende do tipo de serviço. As ondas de freqüência mais baixa são as da energia alternada: 60 vibrações por segundo (uma unidade denominada de Herz, em homenagem ao físico alemão que as estudou). Com freqüências sucessivamente mais altas são feitas a transmissão de voz (milhares de Hz) e a de vídeo (milhões de Hz). Portanto, todas têm isso em comum. Para transportá-las pelo mesmo meio, a solução é digitalizá-las, ou seja, transformá-las em pulsos elétricos de intensidade e duração padronizadas. Esses pulsos codificam a informação contida nas ondas eletromagnéticas e permitem transmití-la na forma de uma seqüência de números. Por isso, são menos sujeitos à interferência (é a diferença de pureza de som, por exemplo, entre um disco de vinil e um disco CD), podem ser transmitidas à maiores distâncias sem perder a informação, e, o principal, podem ser armazenadas e manipuladas por computadores, que utilizam o mesmo sistema digital.

Um exemplo do poder dessa tecnologia é a TV pela Internet. Os sinais de vídeos captados por uma câmara VHS comum podem ser convertidos para o formato digital e enviados para um computador, que os armazena. O computador, por sua vez, se conecta a outro por qualquer meio e envia o vídeo digitalizado, que o recebe e exibe na mesma tela usada para digitar textos, dar comandos, etc. O meio usado para conectar os dois computadores entre si pode ser qualquer um: fios de eletricidade, fios da TV a cabo, fios telefônicos, telefone celular, satélite, micro-ondas, etc.

Uma das conseqüências interessantes dessa evolução é que também começarão a desaparecer as diferenças entre os diferentes equipamentos especializados: telefone, fax, aparelho de TV, etc.; e até entre as tomadas que temos em casa! As TVs poderão ser usadas na Internet e para falar ao telefone, os aparelhos de telefone poderão ser usados para navegar na Internet, os computadores poderão ser usados para ouvir rádio, ver TV, falar pelo telefone, mandar faxes, e tudo o mais. Haverá uma grande integração (e, ao mesmo tempo uma grande confusão) entre todas essas funções em um mesmo aparelho.

Vai ser divertido: considerando que a maioria das pessoas mal consegue utilizar todos os recursos de um simples videocassete, imaginem só a “indigestão tecnológica” com tamanho leque de funções e com tal complexidade.



Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 31/7/99.
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