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Coisas que Pensam

Renato Sabbatini

No começo de julho esteve no Brasil pela primeira vez o Prof. Michael Hawley, um genial pesquisador do famoso MediaLab, do não menos famoso MIT (Massachusetts Institute of Technology). Ele veio dar uma palestra em um evento que eu ajudei a organizar, o Inet'99 (http://www.relacon.com/inet99), um simpósio internacional sobre tecnologias inteligentes e o futuro das telecomunicações e das redes de computadores, em São Paulo. A palestra, muito esperada (e muito assistida, com mais de 700 pessoas na sala) versou sobre uma série de projetos revolucionários de interface homem/computador, gestados nesse fabuloso "útero" de idéias malucas e lucrativas que é o MediaLab.

O Prof. Hawley (http://www.media.mit.edu/~mike) é o Dreyfoos Professor of Media Technology e o coordenador do Personal Information Architecture Group (PIA), cujo objetivo principal é pesquisar as novas maneiras com que as pessoas usarão computadores no futuro, em um mundo que será inteiramente digital. Entre as invenções do grupo estão os Wearable Computers (computadores que podem ser vestidos), a BodyNet (uma espécie de rede local de computadores baseada no próprio corpo das pessoas), Toys of Tomorrow (brinquedos inteligentes) e Things That Think (coisas que pensam, ou seja, objetos "inteligentes").

Na palestra, o Prof. Hawley mostrou filmes divertidissimos, que fizeram a platéia rir muito, de seus estudantes de pós-graduação usando os computadores pessoais no corpo. O monitor de vídeo é pequeno e preso aos óculos, o computador é carregado em uma pochete com baterias, o teclado é pequeno e amarrado ao pulso, sendo usado por uma mão apenas, e no chapéu há uma câmara de vídeo e uma antena em comunicação com a Internet!. Em um dos filmes, o estudante sai do laboratório e vai até um carrinho de lanches na rua. Ali ele transmite para os colegas que ficaram a imagem do menu do dia, e em comunicação através da Internet, recebe os pedidos de compra de lanches para o almoço…

Embora possa parecer hilariante, com certeza é um aplicação séria, com muito potencial. Pensei imediatamente em uma aplicação em telemedicina: um enfermeiro pode usar um sistema desse, por exemplo, para rapidamente percorrer uma zona de catástrofe ou campo de batalha e transmitir dados dos feridos para um hospital de retaguarda, recebendo orientação de médicos mais experimentados. Outro uso interessante seria para repórteres de jornais ou da TV, fazendo reportagens em campo, redigindo as matérias e as documentando em fotos digitais e vídeos, à medida que os fatos acontecem, e transmitindo-os em tempo real por telefone celular ou satélite para a redação. Pode ser bem possível, inclusive, que no futuro estaremos todos usando computadores desse tipo, embutidos na gola do paletó, ou em um broche na gola da camisa, com conexão via rede corporal ao celular na cintura, ao relógio de pulso.

Entre os diversos projetos em desenvolvimento no MIT, estão um identificador pessoal digital por rádio, transmissores portáteis de sinais orgânicos e sapatos com sensores digitais embutidos. O identificador digital pode assumir diversas formas: um relógio de pulso, por exemplo (o MidiaLab tem um projeto com a fábrica de relógios suíça Swatch), um crachá ou um broche usado no peito. Embutido nesses objetos de uso cotidiano e aparência insuspeita, existem "chips" de microprocessadores, que armazenam a identidade digital da pessoa e seu perfil pessoal, tais como preferências, hobbies, etc. Esses chips se comunicam por meio de rádio com outros chips usados por pessoas presentes no mesmo espaço e trocam informações entre si. Por exemplo, se duas pessoas se aproximarem, em uma festa, e forem compatíveis entre si, luzes verdes começam a piscar no crachá inteligente. Se forem incompatível, piscam luzes vermelhas! Outra idéia maluca é uma pasta que também tem um chip desses e reconhece automaticamente se é o dono dela (ou outra pessoa autorizada) que a está pegando, ao entrar em comunicação com o relógio Swatch no pulso. Se não for, aciona um alarme.

Segundo o Prof. Hawley, cada vez mais no futuro os computadores tenderão a se espalhar por todos os objetos do nosso cotidiano. Com o preço cada vez mais barato dos chips, teremos microprocessadores de 20 centavos embutidos em embalagens de pizzas (para elas comunicarem ao forno qual é a temperatura e a duração do aquecimento ideais…), eletrodomésticos, automóveis, roupas, jóias, relógios, e até em nossos corpos (implantes). As coisas passarão a "pensar" (daí o nome do projeto) por nós, facilitando enormemente nossa vida ao assumirem uma série de tarefas que não precisaremos mais realizar. Além disso, como já escrevi aqui uma vez, muitos desses objetos inteligentes estarão conectados à Internet e trocando informações com outros objetos e servidores

O perigo é que elas passem a fazer coisas que nós não queremos que elas faça, tirando o controle de nossas vidas. Por exemplo, uma caixa de pizza inteligente poderá se comunicar com a Internet através da conexão permanente do forno computadorizado e com o seu relógio auto-identificador, criando junto ao fornecedor de pizzas um perfil dos seus interesses culinários, a hora em que você costuma comer, e muitas outras coisas mais, violando o seu direito à privacidade. Outro equipamento, um relógio de pulso capaz de colher periodicamente o eletrocardiograma, a temperatura e o nível de glicose no sangue de quem o usa, transmitindo os dados para um hospital através da Internet, também tem um grande potencial de mau-uso por violação da confidencialidade médica.
 

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Renato M.E. Sabbatini é professor e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas, colunista de ciência do Correio Popular, e colunista de informática do Caderno Cosmo. Email: sabbatin@nib.unicamp.br

Veja também: Índice de todos os artigos anteriores de Informática do Dr. Sabbatini no Correio Popular.



Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 23/7/99.
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