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A universidade e o futuro

Renato Sabbatini

De quatro em quatro anos, Campinas acompanha o processo de troca de reitor naquela que é a "sua" universidade, uma das mais importantes do país e da América Latina. O interesse se justifica. O reitor é uma figura poderosa e influente na nossa estrutura universitária atual, bastante centralizadora, apesar dos grandes esforços feitos no sentido de desburocratizar, agilizar e descentralizar um pouco mais a intrincada "máquina" que é uma universidade com 20 mil alunos.

O que acontece é que a universidade é uma das instituições mais estáveis, monolíticas e resistentes à mudança que se conhece. Um levantamento recente feito na Europa, mostrou que apenas duas instituições resistiram intactas e de forma contínua aos últimos 700 ou 800 anos: a Igreja Católica e as universidades !

Realmente, se observarmos bem, a maneira quase feudal com que a universidade funciona não é muito diferente da do tempo de Galileu. Tirando um computador aqui e outro acolá, as aulas continuam sendo dadas da mesma maneira, a estrutura do poder acadêmico pouco mudou, bem como a relação professor-aluno e a destes com o conhecimento.

A grande pergunta é a seguinte: até que ponto esta estrutura e filosofia continuam sendo adequadas ? Devemos realmente mudá-la de forma radical ?

Existe algo no horizonte que mostra que os paradigmas em que universidade se baseia estão prestes a mudar. Este algo chama-se tecnologia, Internet, educação à distância, e outras coisas que mal conseguimos imaginar, espreitando no futuro. No Brasil, se chama ainda "universidade particular" e a mudança do arcabouço institucional montado pelo MEC para credenciar e avaliar o produto dessa universidade, os profissionais por ela formados.

Que o ensino vai mudar dramaticamente nas próximas décadas com o auxílio da tecnologia, poucos duvidam. Grandes universidades americanas estão se preparando para ministrar uma parcela considerável dos seus cursos através da Internet. O processo de instrução, que até agora é centrado na figura do professor como "válvula e guardião" do conhecimento que é repassado para os seus alunos, está mudando, tocado pelo impacto da tecnologia, para uma maior independência e autonomia do aprendiz (e não mais aluno), centrado na construção do conhecimento por ele próprio. O professor, de tiranete de classe, vai passar a ser o que Lauro de Oliveira Lima, um dos mais preclaros filósofos brasileiros da educação disse muito bem: "o professor não ensina, o professor ajuda o aluno a aprender".

Bonito ! Mas as conseqüências políticas, sociais, econômicas e educacionais de uma mudança radical no modelo da universidade estão sendo encaradas seriamente por poucos, ainda, e essa falha de posicionamento pode atemorizar ainda mais os professores e alunos, que costumam ficar sempre na defensiva em matéria de mudanças reais. Fala-se muito da Internet, infra-estrutura de informática, etc., mas ainda precisamos colocar o "dedo na ferida".

O nosso futuro reitor precisará montar um projeto ambicioso e eficiente para UNICAMP do século 21 (afinal, ele ainda estará dirigindo a universidade quando virarmos a folhinha do século). Devem ser contemplados alguns pontos importantes, tais como a inserção concreta da Universidade no contexto das novas tecnologias de ensino à distância, teleconferências e outras mídias culturais e educacionais emergentes, tomando-se medidas para dotar a instituição de uma boa infra-estrutura para isso. Uma das idéias mais revolucionárias e excitantes é fazer com que a UNICAMP se transforme, através dessas tecnologias, em uma universidade em nível nacional. Com isso, aquele rapaz de Teresina poderá fazer um curso de pós-graduação em economia na UNICAMP; o professor secundário na fronteira do Mato Grosso poderá se aperfeiçoar em sua área, etc., sem precisarem sair de suas cidades. Mais adiante, a UNICAMP poderá até se tornar uma poderosa universidade mundial, oferecendo centenas de cursos em vários idiomas, e captando uma quantidade enorme de recursos com isso.

Para chegar a isso, a UNICAMP precisa se movimentar rapidamente no sentido de reciclar os seus professores nas novas tecnologias, e colocar recursos significativos à disposição daqueles que apresentarem projetos meritórios. Mas isso não é tudo. Ë preciso também valorizar, através de incentivos institucionais, o ensino à distância, que não deve ser discriminados em relação aos cursos presenciais. Nessa área, com tantas oportunidades para a glória e o fracasso, é preciso avançar com serenidade, cautela e bom senso. Mas é preciso avançar, não ficar parado. A capacitação das pessoas é o caminho mais correto e seguro. Todos os especialistas dizem que é muito mais dificil montar um bom curso à distância, e esse exercício vai ser ótimo para aumentar a preocupação dos docentes com o nível de qualidade de seus cursos.

O MEC já deu um passo à frente, ao regulamentar de forma altamente elogiosa os cursos à distância na nova Lei de Diretrizes e Bases. Com o potencial de ganho imenso que esse tipo de educação assegura, as universidades particulares do país vão explodir na área, e já estão fazendo investimentos gigantescos. Sem contar o que estão planejando os fortíssimos provedores de informação, como a Rede Globo, a Abril, etc. Se a universidade pública não se mexer logo e se colocar na vanguarda dessas inovações, vai perder o bonde de forma catastrófica. É o que esperamos que o futuro reitor da UNICAMP seja capaz de enxergar, e de liderar a Universidade rumo à esta revolução que se avizinha.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 03/04/98.

Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br

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