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Cibermedicina

Renato Sabbatini

Um levantamento recente, feito pela Biblioteca Nacional de Medicina, em Washington, nos EUA, revelou um dado preocupante: o volume de informação publicado nas ciências da saúde está duplicando a cada quatro anos e meio ! Até o final do século, espera-se que este tempo seja reduzido para três anos. Isso é uma loucura. Significa que nenhum profissional de saúde pode aspirar sequer a se manter atualizado em sua subespecialidade. Significa também que ao terminar o curso médico, que tem os mesmos seis anos de duração desde o século XII, boa parte do co-nhecimento alí transmitido ao estudante já está obsoleto.

Conclusão: se não mudarmos radicalmente a forma de acesso à informação, como a geramos, como a distribuimos e como a utilizamos, vamos fatalmente nos afogar nesse maremoto irresistível de informação. Aqui é que entra a Informática. Novas tecnologias, como o armazenamento digital ótico (CD-ROM, videodisco interativo), a multimidia, as redes de computadores, a realidade virtual, os bancos de dados inteligentes, a Inteligência Artificial, as redes neurais, os computadores portáteis, estão permitindo aumentar em até 200 vezes a produtividade de um médico com respeito ao acesso à informação. Tomem, por exemplo, as redes internacionais de comunicação de dados, como a Internet e a Bitnet. Cerca de 15 milhões de computadores, com mais de 90 milhões de usuários, estão ligados às redes, em mais de 140 países. O correio eletrônico, o acesso remoto a computadores e programas, a transferência de imagens, textos e programas entre qualquer um desses computadores ligados a rede, estão revolucionando a ciência em geral.

A Medicina, lentamente, como sempre, está chegando lá. Redes de computadores como estas, permitirão novas formas de disseminação da informação, tais como bibliotecas totalmente informatizadas (os textos completos, mais figuras, disponíveis através da rede ou de CD-ROMs), revistas eletrônicas (você só copia os artigos que quer ler), congressos à distância, discussão de casos clínicos entre médicos separados geograficamente, sistemas inteligentes que ajudam o profissional a localizar e resumir apenas a informação que o interessa, e muito, muito mais. O progresso é rapidissimo, e os médicos estão em estado de choque. Todos reconhecem que sem a Informática, a Medicina não será mais possível.

Entretanto, com o interesse cada vez maior dos médicos em informatizarem seus consultórios, hospitais, laboratórios, etc., está assumindo importância um problema bastante sério, que até hoje não foi resolvido a contento em nosso país. Refiro-me à questão de como os usuários podem ter certeza de que o software que estão comprando tem uma qualidade aceitável. Além de ser necessária a qualidade do ponto de vista da tecnologia de Informática (se o programa funciona bem, não tem erros, tem uma boa interface com o usuário, tem bom desempenho na situação real em que será usado, é de fácil instalação e uso, etc.), existe o problema da adequação e da correção do software do ponto de vista médico, ou seja, se ele usa o conhecimento mais correto e atualizado sobre o tema, se não possui erros conceituais ou de aplicação de fórmulas de cálculo, etc. Infelizmente, o problema é agravado pelo fato de que a maioria dos médicos que os adquirem não tem conhecimento técnico suficiente para testar e selecionar eficientemente, isso admitindo que o programa está disponível para teste ou seus autores deixam claro que metodologia foi aplicada (o que é extremamente raro).

Evidentemente, um programa de computador com deficiências médicas pode ser muito perigoso, dependendo do processo médico onde está inserido. Por exemplo, um programa que faz cálculos hemodinâmicos complexos, que não podem ser checados manualmente pelo médico toda vez que são realizados, pode ter conseqüências drásticas para a saúde do paciente. Nos EUA, as sociedades médicas científicas se preocupam em testar esses softwares médicos específicos, e atribuir um "selo de qualidade", que recomenda sua aquisição pelos associados. Precisaríamos ter um serviço desse tipo no Brasil, também.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 26/05/97.

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