Indice de Artigos

Corações à distância

Renato M.E. Sabbatini

O fantástico progresso tecnológico da eletrônica e da informática nas últimas décadas afetou todos os setores da sociedade. A medicina não foi exceção. A partir da invenção do tomógrafo computadorizado na década dos 70s, por Godfrey Hounsfield e Allan Cormack (que, por isso, ganharam o prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1979, os únicos engenheiros que conseguiram essa façanha, até hoje), até o desenvolvimento da telemedicina, pelos cientistas da NASA, aconteceu um impressionante aumento nos produtos biomédicos em que entram a informática, as telecomunicações e a microeletrônica.

Um bom exemplo é a tecnologia que atende pelo nome de “monitoração cardíaca transtelefônica”. Atrás desse nome complicado, uma idéia muito simples, que vou exemplificar com alguns casos reais. O Sr. Daniel, de 65 anos de idade, já passou por uma cirurgia de pontes de safena, e tem uma cardiopatia (doença cardíaca) instável. Já perdeu a conta do número de vezes que teve que ir ao médico fazer um eletrocardiograma de controle. Além do alto custo, para ele e para a sua seguradora médica, existe o desconforto causado pelo deslocamento, o calor, a fila de espera, a tensão do exame, etc. Depois que passou a usar a monitoração pelo telefone, nada disso o perturba mais. Usando um cardiobip, aparelho eletrônico pouco maior do que um maço de cigarros, várias vezes por semana o Sr. Daniel pressiona um botão e recolhe alguns segundos do seu eletrocardiograma, que é armazenado na memória eletrônica do cardiobip. Em seguida, telefona para uma central de atendimento, se identifica, encosta o aparelhinho no bocal do telefone e pressiona outro botão, enviando o eletro pelo telefone. Em questão de poucos minutos, recebe pela mesma ligação uma orientação do médico de plantão, que analisou seu ECG e dá recomendações. Caso o Sr. Daniel tenha o azar de estar infartando, o médico envia imediatamente uma UTI móvel para ir buscá-lo (ambulância ou helicóptero).

Estudos científicos demonstraram que a mortalidade de pacientes que fazem a monitoração transtelefônica depois de se recuperaram de um infarto do miocárdio, é quase 50 % menor do que a de outros pacientes. O custo: o aluguel do equipamento e o direito de uso da central custam apenas R$ 50 por mês, e a isso se acresce o custo das chamadas telefônicas (locais ou interurbanas, dependendo de sua localização e da central). Muito pouco para salvar uma vida.

Outra aplicação interessante: o Dr. Agamenon, um conhecido dentista do interior de Pernambuco alugou um cardiobip para poder realizar um eletro de todos os seus pacientes que precisam passar por uma anestesia mais extensa. Os medicamentos usados na anestesia local, como a xilocaína, podem ter efeitos deletérios em pacientes cardíacos, e até levar a um acidente anestésico. Com isso, o dentista consegue uma maior segurança para seus pacientes. Em quantos dentistas o leitor já foi, na vida, e quantos fizeram um eletro antes de uma cirurgia ? O Dr. Agamenon é obrigado a pagar um DDD para São Paulo (onde fica a central), para cada monitoração, mas ele acha que vale a pena.

O cardiobipe é um dos vários tipos de telemedicina, e demostra de forma espetacular os seus benefícios. Uma empresa de São Paulo, a Telecárdio (http://www.telecardio.com.br), que realiza serviços de monitoração cardíaca transtelefônica, publicou recentemente em um congresso odontológico os resultados de cerca de 2,5 mil monitorações feitas pelos quase 400 dentistas com que trabalha. Cerca de 15 % das chamadas tinham alguma anormalidade, e 72 cirurgias foram adiadas, porque o paciente estava com distúrbios cardíacos funcionais sérios o bastante. Em um caso, o paciente estava tendo um infarto na cadeira do dentista !

Na Itália, em Israel, na Inglaterra, na Grécia, no Canadá, e em outros países onde a telemedicina se enraizou profundamente, existem centenas de milhares de pessoas sendo beneficiadas por mais este avanço da informática médica. Na Itália, por exemplo, localidades isoladas no alto dos Apeninos ou em ilhotas do Adriático, podem enviar eletrocardiogramas e radiografias para hospitais universitários de grandes cidades. Um estudo em Perúgia mostrou que cerca de 25 % das teleconsultas, como são chamadas, resultaram em uma mudança de diagnóstico ou tratamento pelo médico que enviava os dados, em em 13 % das teleconsultas, causou a remoção do paciente para um centro mais avançado. Imaginem só o quanto aumentou a qualidade da medicina praticada.

O Brasil, por suas dimensões continentais, seria um campo fértil para a aplicação rotineira da telemedicina. Seria um meio, por exemplo, de levar a competência de um Dr. Adib Jatene ao interior do agreste paraibano, a partir de uma teleconsulta com o InCor. Estamos apenas começando nesse terreno.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 3/9/96.
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
WWW: http://home.nib.unicamp.br/~sabbatin Jornal: cpopular@cpopular.com.br

Copyright © 1996 Correio Popular, Campinas, Brazil