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Ficção científica e computadores

Renato M.E. Sabbatini

Adoro ler romances e contos de ficção científica. Eles estimulam a imaginação, e exploram "experimentalmente" como os cenários e tecnologias futuras poderiam influenciar a humanidade e suas instituições e dogmas. Além disso, têm servido muitas vezes para dar idéias interessantes de pesquisa e desenvolvimento para cientistas e engenheiros. Como gênero literário, entretanto, a ficção científica tem sido sistematicamente desprezada pelos críticos e acadêmicos, pelo fato de enfatizar o conteúdo, mais do que a forma. Mesmo assim, existem clássicos da ficção científica, como "1984", de George Orwell, e "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, que já foram incorporados aos melhores e mais influentes livros do século, como os de H.G. Wells e Júlio Verne também o foram, no passado. Muitos desses autores conseguiram ser extremamente acurados em suas profecias, prevendo o desenvolvimento dos antibióticos, das viagens espaciais, dos satélites geoestacionários, da energia nuclear, dor robôs, e assim por diante.

Um tema fascinante na ficção científica é a dos computadores e modernas tecnologias digitais. Dos anos 40 para cá, a maioria dos escritores conseguiu prever corretamente o impacto cada vez maior dos computadores sobre a nossa vida. No clássico "The Moon is a Harsh Mistress" (A Lua é uma Amante Ríspida), do ótimo Robert Heinlein, escrito na década dos 60, os colonizadores lunares, em rebelião contra o governo da Terra, são aconselhados por um computador super-inteligente e falante, exatamente como em "2001: Uma Odisséia no Espaço", de Arthur C. Clarke. Por falar nisso, um tema recorrente é a malignidade dos computadores inteligentes, que em inúmeros romances acabam dominando os seres humanos. O clássico dos clássicos, nessa linha, sem dúvida, é o aterrorizante "I Have a Mouth and Cannot Scream" (Eu Tenho uma Boca e Não Posso Gritar), de Harlan Elis, em que um computador subterrâneo gigantesco, que abarca todo o planeta, elimina todos os seres humanos, menos quatro, aos quais torna imortais, e que tortura todos os dias, ininterruptamente, por séculos, como vingança contra seus criadores. É um dos contos mais fortes e marcantes que já li na vida, tendo sido recebido todos os prêmios possíveis do gênero, inclusive o cobiçado Nebula Award, o prêmio Nobel da ficção científica. Uma outra linha muito comum é a dos computadores e robôs tão inteligentes que se tornam praticamente iguais aos humanos, inclusive quanto às emoções e sentimentos, tais como "The Bicentennial Man" (O Homem Bicentenário), um contm lindíssimo do genial Isaac Asimov.

Entretanto, devo admitir que uma área que os autores de ficção científica falharam quase totalmente em prever é a da revolução dos computadores pessoais. Entre 1940 e 1970, os textos de ficção científica refletiam uma convicção profunda da época, ou seja, a de que os computadores ficariam cada vez maiores e mais complexos. de acordo com uma curva ascendente, de crescimento incontrolável (são vários os romances e contos que falam de computadores do "tamanho de um campo de futebol"... Não passou pela cabeça de praticamente nenhum dos autores que os componentes dos computadores passariam por um processo extremamente rápido de ultraminiaturização, ao ponto de surgir o microcomputador, ou seja, um computador em um único chip. Assim, o que aconteceu é que os computadores ficaram, sim, cada vez mais complexos e poderosos, mas o seu tamanho "encolheu" muito. Hoje (começo de 1996) existem computadores pesando dois quilos e meio, com discos de 2 Gbytes, e 32 Mbytes de memória central, o que seria um computador maior que um campo de futebol, caso a tecnologia das válvulas eletrônicas tivesse sido mantida estática.

Assim, mesmo os grandes gênios da previsão científica-tecnológica em ficção científica não foram capazes de imaginar um computador tão pequeno e barato, que se tornasse um bem eletrodoméstico extremamente comum, neste final de século, sendo usado por crianças, dentro de casa e na escola.

O que prova que a futurologia é um exercício geralmente fútil, por não conseguir incorporar em suas equações os americanos chamam de "breakthrough" , ou seja, um rompimento radical com os paradigmas do passado...


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,
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