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Revistas eletrônicas

Renato M.E. Sabbatini

Cinco mil anos atrás, com a invenção da escrita, ocorreu o primeiro grande salto quântico da espécie humana em direção à civilização tecnológica. Saltos quânticos, ou seja, a mudança radical de paradigmas de desenvolvimento cultural, são raros em nossa história. O segundo só veio a ocorrer na metade do século XV, com a invenção da imprensa por tipos móveis, por Gutenberg. A possibilidade de reproduzir milhares de cópias idênticas do mesmo documento levou à criação das primeiras revistas e jornais, um conceito revolucionário. Mas isso se deu de forma bastante gradativa: a primeira revista científica impressa, por exemplo, só foi lançada quase 200 anos depois, na Itália. No entanto, até hoje, essa é a base do portentoso sistema de divulgação na ciência e na tecnologia, com conta com mais de 300 mil revistas em todo o mundo, e que pouco mudou nos últimos três séculos.

Agora, no entanto, tudo isso está para mudar de maneira radical, com o desenvolvimento das redes globais de computadores, como a Internet, principalmente depois da explosão da WWW (World Wide Web), que permite a publicação eletrônica de alta qualidade, com texto, imagens, etc. Por seu intermédio, influenciou-se não somente a forma como as revistas são publicadas, mas também a sua distribuição para o público consumidor. Em conjunto, essas duas novas tecnologias têm um potencial revolucionário muitas vezes maior do que a própria invenção da imprensa. Duas declarações recentes de líderes da indústria de informática dos EUA refletem essa convicção. Segundo Eric Schmidt, pesquisador-chefe da Sun Microsystems, “as tecnologias que ligam pessoas umas às outras, e à informação, serão a força impulsionadora chave da revolução da tecnologia de informação no restante deste século”. A essa opinião, adiciona-se a de Casey Cowell, presidente da US Robotics, de que “o paradigma emergente das redes está mudando a maneira como as pessoas vivem, aprendem e trabalham, de maneiras que antes teriam sido inimagináveis”.

As grandes editoras científicas e comerciais do mundo estão se posicionando para enfrentar essa nova realidade: a de que as revistas científicas, eventualmente, irão desaparecer. As vantagens proporcionadas pelas publicações na rede são tão grandes, que esse futuro parece ser inevitável. A Wiley, por exemplo, colocou todas as suas 160 revistas científicas na Internet, de uma vez. Outras grandes editoras, como Elsevier, William and Wilkins, Addison-Wesley, Marshall, e outras, estão fazendo a mesma coisa, de forma mais gradativa. Mas, a tendência é irreversível: possivelmente dentro de dois ou três anos, teremos praticamente todas as revistas científicas e tecnológicas disponíveis na WWW. A maioria ainda está começando de forma tímida, colocando apenas o índice dos artigos e os resumos dos mesmos, na Internet, gratuitamente. Se o leitor quiser acessar o artigo completo, com textos e imagens, terá que pagar uma assinatura, que pode ser para a revista toda, ou artigo por artigo. Isso, como o leitor percebe, mudará totalmente o modelo econômico de venda de informação, e as editoras já sabem disso.

Essa possibilidade leva a uma outra, ainda mais fascinante: a interligação, através de “links” de hipertexto, de toda essa informação na Net. Vários grupos de pesquisa já estão explorando de forma prática essa possibilidade. Dois desses grupos, por sinal, estão em Campinas: o grupo e*pub, de publicações eletrônicas em medicina e saúde, do Núcleo de Informática Biomédica da Unicamp (endereço da homepage: http://www.epub.org.br) e o grupo bioline, da Fundação “André Tosello” (http://www.bdt.org.br/bioline), de publicações eletrônicas em biologia.

Outro grupo importante é o HighWire Press, da Universidade de Stanford. Eles estão fazendo três ou quatro publicações cientificas de grande influência: a revista Science, da American Association for the Advancement of Science (uma das três mais importantes do mundo), o Journal of Neuroscience, e o Journal of Biological Chemistry (endereço: http://highwire.stanford.edu). O resultado de suas explorações é fascinante. Em um artigo típico do Journal of Neuroscience, por exemplo, as referências bibliográficas ao final, contém “links” para os resumos constantes da base de dados bibliográfica chamada MEDLINE, a maior do mundo (é elaborada desde 1962 pela National Library of Medicina, dos EUA, e contém cerca de 45 milhões de artigos em Medicina e Biologia). O acesso a esta base por essa via é gratuito, através de um outro serviço on-line, denominado Entrez. O Entrez, por sua vez, permite que o leitor “exploda” a sua busca por artigos relevantes, a partir da referência bibliográfica que encontrou no Journal of Neuroscience, permitindo o acesso a 30 outras referências sobre o mesmo assunto que a primeira, depois mais outras 30, e assim por diante.

A National Library of Medicine, por sua vez, está começando a fazer os “links”opostos, ou seja, dar ao leitor a possibilidade de ler o artigo completo on-line, a partir das referências bibliográficas resumidas contidas na base MEDLINE. Isso é só o começo de uma imensa “teia” de interligações, que se estabelecerá daqui a alguns anos como uma ferramenta incrivelmente poderosa à disposição dos estudantes, professores e pesquisadores, através da Internet. Sua própria existência acelerará a morte das publicações convencionais em papel, uma vez que, para as revistas que não entrarem na Internet, será muito difícil sobreviver sem esses “links” (elas serão lidas por um número cada vez mais minguado de leitores !).

O terceiro aspecto da revolução das publicações eletrônicas é a forma como será contabilizada a produção científica dos pesquisadores. Hoje, ela é medida de duas formas: quantos artigos o pesquisador publicou na imprensa científica mundial, e quantas vezes esses trabalhos foram citados pelos outros artigos (ou seja, constaram da sua lista bibliográfica). A primeira dá uma medida da produtividade absoluta, enquanto que a segunda avalia o impacto e a importância do artigo em seu campo científico. A Internet possibilita uma terceira forma: a de contar quantas pessoas acessaram o artigo em um determinado período. É muito fácil, na WWW, implementar contadores e programas estatísticos que fazem essa medida, pois o servidor WWW armazena todos os endereços e arquivos acessados em seus diretórios. Ë possivel, inclusive, fazer essa estatística por hora, dia, semana, mês ou ano, e saber, até, de que partes do mundo ou instituições foram feitos esses acessos !


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 8/10/96.
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br

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