Indice de Artigos

Um pioneiro da Informática

Renato M.E. Sabbatini

Konrad Zuse, um dos pioneiros da ciência da computação, morreu aos 85 anos de idade, no dia 18 de dezembro passado. No Brasil, pouca gente ouviu falar dele, mas as suas conquistas foram tão impressionantes (e tão pouco reconhecidas pela história "oficial" da Informática), que vale a pena falar um pouco sobre esse homem genial.

Zuse inventou, produziu e fez funcionar o primeiro computador digital binário de programa armazenado da história. Isso não é pouco, pois o que a maioria dos historiadores americanos considera como sendo o primeiro computador a funcionar, o ENIAC, inventado na Escola de Engenharia da Universidade de Pensilvânia, nos EUA, usava o sistema decimal e não tinha programa armazenado em memória (a programação era realizada com milhares de conectores, fios e seletores giratórios). Acontece que Zuse conseguiu fazer funcionar o seu primeiro computador em 1941, enquanto que o ENIAC realizou as suas primeiras computações somente em 1947, seis anos depois ! No entanto, Zuse permaneceu desconhecido fora da Alemanha por muitos anos, por causa da II Guerra Mundial. O reconhecimento mundial ao seu pioneirismo veio somente nos anos sessenta.

Zuse nasceu em Berlim, em 1910, e estudou engenharia mecânica. Chateado com os aborrecidos cálculos matemáticos repetitivos que tinha que fazer, começou a imaginar uma calculadora automática que fizesse esse trabalho, e em 1937, aos 27 anos, construiu seu primeiro computador, o Z1, na sala de estar da casa dos seus pais, com a ajuda de alguns amigos e de seus irmãos. O Z1 era um computador eletromecânico (usava relés ao invés de válvulas eletrônicas, como o ENIAC), mas já utilizava conceitos revolucionários, como o uso integral do sistema binário. Não funcionou muito bem, por isso Zuse continuou a trabalhar em versões sucessivas, até chegar ao Z3, que funcionou corretamente pela primeira vez em 21 de maio de 1941, poucos dias após o ataque de Pearl Harbor e a entrada dos EUA na guerra contra o Japão e a Alemanha.

A essa altura, a máquina já era muito complicada, e Zuse precisava de financiamento. Recorreu aos generais alemães, que estavam plenamente convencidos que iriam dominar o mundo sem a ajuda de ninguém. Como Zuse mais tarde repetiria, "felizmente os generais foram incapazes de ver qualquer utilidade para o Z3", e computadores digitais nunca foram usados militarmente na Alemanha nazista. Um bombardeio inglês acabou destruindo o galpão onde estava o Z3, e Zuse, com a família, pegou os protótipos que tinham sobrado, e fugiu em um caminhão para o sul da Alemanha, fugindo dos soviéticos. Foi parar em Allgau, uma cidadezinha dos Alpes bávaros, onde terminou de construir o computador. Alí, em 1948, apareceu Eduard Stiefel, um professor da Politécnica de Zurique, Suiça, que, impressionado com o desempenho da máquina, alugou-a por dois anos para o seu instituto, pela soma de 30 mil francos.

Zuse mudou-se então para Neukirchen em 1949 e com esse dinheiro fundou a primeira indústria de computadores alemã, a Zuse KG, que produziu durante vários anos o Z4, uma máquina totalmente eletrônica (cinco anos antes do primeiro computador comercial americano, o UNIVAC). Essa indústria mais tarde foi comprada pela Siemens, que, estupidamente, a desativou. Zuse passou a se dedicar ao ensino acadêmico, onde ficou até morrer, e às suas paixões extra-acadêmicas, como a pintura. Atualmente, sua memória é preservada no Konrad-Zuse Institut fuer Informationstechnik, em Berlim, onde mais de 100 pesquisadores se dedicam à pesquisa e o desenvolvimento avançado nas ciências da computação.

Tudo isso para demonstrar que os pioneiros não americanos da tecnologia, como Santos Dumont, Konrad Zuse, e outros, têm seu papel totalmente ignorado, devido à influência que exercem os historiadores americanos de ciência...


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 2/1/96.
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br

WWW: http://www.nib.unicamp.br/sabbatin.htmJornal:cpopular@cpopular.com.br

Copyright © 1996 Correio Popular, Campinas, Brazil