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A computação doméstica decola

Renato M.E. Sabbatini

A presença do computador no lar é uma coisa relativamente recente, mesmo considerando que os microcomputadores de baixo custo existem há quase 20 anos. Naquela época, a Apple, a Radio Shack, a Commodore e a Sinclair, as fabricantes pioneiras de microcomputadores pessoais, faziam muitos anúncios mostrando os computadores sendo usados por donas de casa para armazenar receitas de cozinha, papais fazendo a declaração de imposto de renda, e crianças aprendendo matemática com o auxílio de softwares educacionais. Em vez de "personal computers", computadores pessoais, os micros eram chamados de "home computers", computadores domésticos, para forçar essa barra.

Esta visão idealizada por parte das indústrias, entretanto, não batia com a realidade do mercado. Embora tenham sido vendidos nos EUA mais de 400 mil máquinas por ano no começo da era da microinformática, a maior parte delas era comprada para fins profissionais, como automação de escritórios, gestão empresarial, aplicações científicas e técnicas, etc. Até uns cinco anos atrás, apenas cerca de 20 % dos lares americanos tinham computadores (hoje se estima algo em torno de 60 %), em grande parte porque eles ainda não tinham muito a oferecer em termos de software aplicativo de interesse, eram difíceis de utilizar, tinham recursos limitados, etc. Os fabricantes foram os primeiros a perceber isso, e rapidamente reorientaram seu marketing para mercados mais promissores. O grande ímpeto à computação doméstica foi dado por três elementos, que atuaram sinergisticamente de lá para cá: a queda dos preços dos equipamentos, o surgimento de interfaces gráficas como o Windows 3.1. de aprendizado e uso muito mais fáceis, e o grande aumento nos recursos dos microcomputadores (velocidade, memória, cor), o que os tornou muito atrativos para o setor de entretenimento. Por cima de tudo isso, houve uma aculturação gradativa da população à Informática, através de sua penetração em todos os aspectos da vida moderna e do ensino.

Somente agora, então, na metade dos anos 90, é que a profecia inicial dos "gurús" da computação pessoal está se concretizando. A multimídia será o recurso que irá consolidar a presença dos computadores na maioria dos lares. Estamos assistindo, atualmente, o início de uma enorme explosão na disseminação de recursos eletrônicos, baseados em CD-ROM, voltados para o mercado de entretenimento, lazer, hobbies, educação e cultura. Nos EUA, já são milhares de títulos de multimídia em CD-ROM lançados anualmente, e mesmo no Brasil, esse mercado também começa a se desenvolver. A Editora Abril lançou seu Almanaque em versão multimídia, que apesar de custar salgados R$ 120, já vendeu mais de 10 mil discos (estima-se que existam mais de 300 mil micros com recursos de multimídia, no país). A primeira revista editada inteiramente em CD-ROM, a Neo Interativa, já está no terceiro número, e está alcançando expressivo sucesso, com mais de 18 mil discos vendidos.

O mercado doméstico está ficando tão promissor, que várias grandes editoras brasileiras estão estabelecendo divisões de multimídia, como a da Editora Abril, com grandes planos. Recentemente, a Abril fez uma primeira tentativa de atingir esse mercado, lançando a revista "Home PC", dedicada aos usuários domésticos. Nesse aspecto, aliás, o Brasil é um verdadeiro fenômeno mundial. Nenhum país, que eu conheça, tem suplementos semanais de Informática em quase todos os jornais de certo porte, como o Correio Popular. O da Folha de São Paulo, o maior e mais antigo (criado em 1983), circulou na última quarta-feira, com mais de 20 páginas somente de anúncios, um recorde impressionante. Isso não existe nem nos EUA. Outro indicador do enorme interesse que a Informática está provocando na população em geral são as feiras, como a Fenasoft, que recebeu este ano mais de 800 mil visitantes, e se transformou no maior evento do gênero do mundo.

Como resultado, os fabricantes brasileiros estão vendendo como nunca, depois do Plano Real. O novo lançamento da IBM, o Aptiva, um PC 486 fabricado na gigantesca unidade fabril da empresa, em Sumaré, perto de Campinas, está saindo tão bem, que praticamente se esgotaram todos os estoques. Apenas um banco, que está oferecendo uma linha de leasing extremamente atrativa para o consumidor, reservou 10 mil unidades junto à IBM. A Microsoft do Brasil foi uma das subsidiárias que mais cresceu no mundo o ano passado, e assim por diante. Com tudo isso, o Brasil está se transformando um laboratório muito interessante do impacto da Informática na sociedade. Será fascinante acompanhar o que acontecerá até o final do século por aqui...


Publicado em: Jornal Correio Popular, Caderno de Informática, 20/12/94, Campinas,
Autor: sabbatin@nib.unicamp.br
Jornal: cpopular@cpopular.com.br