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Oh, não !

Renato M.E. Sabbatini

Mesmo tendo lidado profissionalmente com computadores nos últimos 20 anos de minha vida, acho que as vezes eles mais atrapalham do que ajudam. Exemplos não faltam, no nosso dia a dia, e acho que todo mundo já foi vítima, uma vez ou outra, de erros provocados por computadores, ou interrupção de seu funcionamento. Embora isso não indique que os computadores sejam pouco confiáveis (normalmente não são), esses "acidentes" tornam-se inevitáveis, em uma sociedade que se informatiza cada vez mais, e onde os computadores são uma presença invisível e constante.

A revista da Associação Americana de Computação (ACM) contou recentemente o divertido caso de um coreano chamado Stephen O, de 25 anos, cujo nome foi rejeitado por dezenas de sistemas de bancos de dados, programados para impedir a entrada de nomes com apenas uma letra (para evitar erros de digitação). Bancos, clubes de vídeo e até o departamento de trânsito mudaram seu nome para Ostephen, O.S. Stephen, Stephen Oo, e outras aberrações, para conseguirem armazenar o nome em seus computadores. Finalmente, cansado de lutar contra o sistema, o rapaz recorreu a um juiz e mudou seu nome para Stephen Oh. Um nome bastante emblemático da surpresa e indignação que sentimos, quando somos "vitimados" por algum computador idiota.

Vejam o caso dos bancos. Há pouco tempo atrás, viajei para São Paulo, e, distraído, esquecí de pegar dinheiro vivo para pagar o pedágio na volta. Tarde da noite, voltando para Campinas, lembrei-me do fato e procurei um daqueles caixas automáticos em São Paulo. Evidentemente (como sempre acontece quando estamos em algum apuro, segundo a consagrada Lei de Murphy), a diabólica maquineta não estava funcionando. Era a terceira vez que isso me acontecia com a mesma agência, por isso fui procurar outra, no endereço mais próximo, gentilmente afixado na porta de vidro (parece que eles adivinham). O leitor já deve ter imaginado o que aconteceu: três outras agências que visitei também estavam com o mesmo problema. Resultado: tive que apelar para o velho e antediluviano recurso de descontar cheque no posto de gasolina. As vezes os erros dos computadores revertem ao nosso favor. É o caso recente de um felizardo norte-americano, que teve 250 milhões de dólares depositados em sua conta, por engano do computador. Estranhamente, isso nunca aconteceu comigo...

A complexidade crescente dos computadores e de seus programas torna a sociedade cada vez mais vulnerável a erros catastróficos provocados por falhas nos sistemas. Recentemente, nos Estados Unidos, quase todo o sistema telefônico da costa leste deixou de funcionar por várias horas, praticamente paralizando a vida de muita gente, devido à um erro de software (programação). Sondas espaciais da NASA perdidas no espaço, sistemas de distribuição de energia interrompidos, e até o novo sistema computadorizado de matrículas da UNICAMP, que entrou em colapso quase total justamente no primeiro dia de aulas, são exemplos de prejuízos causados por erros (humanos) de programação

Esta tem sido uma preocupação constante dos profissionais da Informática, que têm aperfeiçoado técnicas de verificação de programas e métodos para impedir a falha dos computadores. Um deles é a redundância, ou seja, sistemas importantes possuem vários computadores funcionando em paralelo: se um falhar, o outro assume as tarefas. É o caso de aeroportos, hospitais, bancos, etc., que quando informatizam todas as suas atividades, passam a depender totalmente dos computadores. Infelizmente, ainda não existe técnicas seguras capazes de evitar falhas de software, principalmente quando eles são muito complexos. Eles são testados na prática, funcionando. Na maior parte das vezes, o erro cometido na programação é ridículo, e pode ser achado e corrigido facilmente. Há casos, entretanto, de sistemas que custaram milhões de dólares para serem desenvolvidos, e nunca funcionaram corretamente, tendo que ser abandonados.

Moral da história: não confie cegamente em tudo o que sai de um computador (coisa que nós, brasileiros, temos a lamentável tendência de fazer).


Publicado em: Jornal Correio Popular, 28/4/93, Campinas
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