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Profissões que desaparecem

 

Renato Sabbatini

Os economistas gostam de dizer que um dos motivos da atual crise de desemprego em todo o mundo é o progresso tecnológico, que em muitos setores elimina empregos com uma velocidade muito grande. Todos nós conhecemos exemplos disso: cobradores de ônibus são substituídos por catracas eletrônicas, operários por robôs, peões por ordenhadeiras mecânicas, engenheiros por linhas de produção automatizadas, e assim por diante.

A penetração da alta tecnologia nos países em desenvolvimento é particularmente desastrosa quanto ao impacto sobre os empregos, pois geralmente eles têm populações muito maiores do que o tamanho da economia pode suportar. Na India, que já tem quase um bilhão de habitantes, esse é um assunto muito importante. Lembro-me que há alguns anos atrás, quando surgiram as primeiras máquinas fotocopiadoras, a Xerox foi impedida pelo governo indiano de vender suas copiadoras mais sofisticadas, capazes de colecionar automaticamente as folhas copiadas, sob a alegação de que tiraria o emprego de milhares de pessoas que faziam essa tarefa manualmente! Uma máquina copiadora chegava a sustentar quatro empregos, enquanto que hoje uma única pessoa pode operar várias máquinas ao mesmo tempo, devido ao grau de automação.

Esquema da prensa de Gutenberg
 

Evidentemente, essa é uma tendência irreversível desde o início da humanidade, e há pouco o que possamos fazer para reverter o progreso tecnológico. Uma das maiores invenções da história, o simples arado, já foi capaz de tirar o emprego de milhões de trabalhadores rurais. O trator e as colhedeiras automáticas tiraram outros milhões, e assim por diante. Há dois séculos atrás, 98% da população trabalhava no campo, hoje são apenas 2%, que através da automação são capazes de sustentar com comida os 98% restantes!

Ao pensar sobre esses assuntos, tive a idéia de procurar dados históricos sobre as profissões que desapareceram ao longo da história da produção de livros. Até 1450, quando Johannes Gutenberg inventou a imprensa de tipos móveis (e de forma impressionante, toda a tecnologia associada a ela: a prensa, a tinta, os tipos, a liga metálica para fazê-los, a metodologia, etc.), todos os livros tinham que ser produzidos à mão, ou seja, copiados um a um por trabalhadores especializados chamados copistas. Na Idade Média, essa tradição foi mantida principalmente pelos monges de ordens religiosas, que tinham muito tempo disponível para isso. Uma Bíblia chegava a demorar dois anos para ser copiada, dependendo do luxo de detalhes e ilustrações. Com a invenção da imprensa, a mesma Bíblia demorava alguns dias para ser impressa, e milhares de cópias muito mais baratas inundaram o mercado. Apenas 30 anos depois do início de sua operação comercial, 8 milhões de livros haviam sido impressos, 10 vezes mais do que todos os livros produzidos manualmente pelos copistas nos cinco séculos anteriores. Cinqüenta anos depois, ou seja, em 1500, haviam impressoras em mais de 60 cidades na Alemanha, e nos anos seguintes, elas se alastraram com enorme velocidade por todos os países europeus. Em menos de 10 anos os copistas foram extintos definitivamente como profissão.

Foto de um linotipo
 

Embora o sistema de Gutenberg fosse um processo formidável de replicação barata do conhecimento, ele também era bastante intensivo com relação à mão de obra. A composição do livro, a impressão das folhas, etc., eram processos manuais e muito trabalhosos. Logo a indústria de publicação empregava centenas de milhares de profissionais especializados, que cresceram continuamente e existiram pelos próximos 400 anos quase sem mudanças. Mas em 1886, uma outra revolução ocorreu. O americano Ottmar Mergenthaler desenvolveu um equipamento operado por um motor, chamado linotipo, que utilizava um teclado para compor os tipos automaticamente. No final daquele século também foram desenvolvidas as primeiras impressoras automáticas de alta velocidade, as quais, entre outras coisas, permitiram o aparecimento dos jornais diários e das revistas populares. Em pouco tempo, ocorria outro ciclo de destruição acelerada de profissões ligadas a essa indústria, que nunca mais voltariam, como o entintador (o sujeito que era encarregado de espalhar tinta de impressão com uma brocha especial sobre os tipos metálicos).
 


Tipos compostos no linotipo
 

Os métodos mecânicos de reprodução tipográfica continuaram sem muitas alterações por mais 80 anos. Por exemplo, até o início da década dos 80s, Campinas ainda tinha vários linotipos operando em gráficas. No entanto, a onda do progresso é inexorável, e o computador, o offset e o xerox acabaram por predominar na produção de publicações impressas. O velho linotipista, o profissional encarregado de compor as matrizes tipográficas, desapareceu. Na redação dos jornais, como no Correio Popular, os jornalistas são os responsáveis primários pela digitação dos textos. Os copidésques e os revisores, os profissionais que eram encarregados de corrigir os erros de redação e de composição, desapareceram também, substituídos por softwares de computador. Em 1978 assistí, na Alemanha, o país que mais contribuiu para o progresso tecnológico da imprensa, à última greve dos linotipistas, que, inconformados com a onda de desemprego que os ameaçava, queriam prioridade na admissão aos novos empregos gerados pela computadorização das redações e das gráficas. Desnecessário dizer que a greve nunca obteve seus objetivos…

Impressora Off-Set de 1902

O que o futuro nos reserva? Será que Marx tinha razão, ou seja, o nível de desemprego gerado pela tecnologia será incompatível com a própria sustentação das economias capitalistas? Na indústria gráfica outra revolução se avizinha, que promete reduzir em muito a necessidade do papel e da tinta, e provocando nova substituição de empregos e extinção de profissões: são as publicações eletrônicas, produzidas e disseminadas à velocidade da luz pela Internet. Isso já está começando a ocorrer, embora estejamos ainda na infância dessa nova tecnologia. O próprio conceito de reprodução gráfica será eliminado! Átomos serão substituidos por bits, e a impressão em papel, se desejada, será de responsabilidade do leitor.

Não há dúvidas que que a noosfera nunca mais será a mesma!
 

Para Saber Mais



Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 17/9/1999 .

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