Indice de artigos

 

O Dólar, Pseudociência e as Massas

 

Renato Sabbatini

Será que a Economia é uma pseudociência?

Existem dúvidas a respeito. Aparentemente é uma ciência, pois tem curso universitário de graduação e pós-graduação e pesquisadores, como as demais. Tem, também, uma influência desmedida nos destinos das nações e dos povos, podendo jogar na miséria milhões de pessoas em poucos dias com apenas uma canetada. Os outros cientistas invejam tremendamente a Economia: um bioquímico, por exemplo, jamais é convidado para ser Ministro da Fazenda ou do Planejamento (em compensação, no Brasil, economista é convidado até para ser Ministro da Saúde… O Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, um cargo importantíssimo, que era ocupado por um cientista, ex-diretor da FAPESP e ex-reitor da USP, foi substituído recentemente por um deputado e… economista. O Mnistro da Educação é um economista! Já o novo Ministro de Ciência e Tecnologia e presidente de CNPq é ex-executivo de supermercado, e economista, lógico).

Os rumos recentes da economia brasileira colocam bastante dúvidas sobre a solidez da Economia como uma ciência. Usar matemática e computadores para fazer previsões econômicas, aparentemente, é um exercício fútil, uma espécie de masturbação digital. A maldita psicologia das massas bota tudo a perder e estraga os "modelos científicos" dos cientistas econômicos (Newton e Einstein devem dar voltas na sepultura ao ouvir esse termo aplicado à Economia! Se os planetas e as galáxias seguissem as previsões acuradas dos economistas o Universo já teria falido há muito tempo). Mesmo assim, os economistas, impávidos, seguem fazendo macro-experimentos que nem Deus teria coragem de fazer. Têm populações inteiras, economias inteiras (e agora, o mundo inteiro) à sua disposição como cobaias. "Vamos mudar o dólar prá ver no que dá…"  É outro motivo de inveja. Qual o astrônomo que não gostaria de jogar uns planetinhas contra umas estrelas "prá ver no que dá ?"

O saudoso cientista, bioquímico e escritor Isaac Asimov teve um lampejo de gênio quando inventou Hari Seldon, na famosa trilogia "Foundation" (depois virou heptalogia, pois o bom Asimov também gostava de um dinheirinho). Nessa brilhante história de ficção científica, Seldon é um cientista do Império Galáctico, que tem milhões de planetas unificados sob um único governo autocrático, de origem humana, lá pelo ano 10.000 DC. Seldon faz uma descoberta revolucionária, a qual ele denomina de Psico-História. Usando métodos matemáticos e estatísticos, ele é capaz de prever a evolução futura de uma sociedade, os acontecimentos marcantes da história, da política e da economia de civilizações inteiras, em horizontes de mil anos ou mais.

Segundo Seldon (ou melhor dizendo, Asimov), a Psico-História se baseia no efeito estatístico de massas muito grandes de pessoas. Decisões e mudanças de rumos individuais são impossíveis de prever, mas grandes massas de humanidade têm tendências psicológicas médias, que ele conseguia prever com grande acuracidade. Pena que o Asimov nunca tenha contado quais são esses métodos, pois certamente ganharia o Prêmio Nobel de Economia (outra conceito bastante engraçado, na minha opinião. As teorias de metade dos economistas premiados já não devem valer mais nada).

Recentemente, a Folha de São Paulo publicou uma matéria mostrando que 90% das previsões feitas por economistas brasileiros e americanos se revelaram total ou parcialmente erradas. Não conseguiriam errar tanto nem se jogassem uma moeda para o alto. Falando seriamente, então, acho que podemos contestar ou a eficácia da Economia como ciência (pelo menos a macroeconomia, para não sermos injustos), ou a incompetência de seus especialistas. Na realidade, essa falta de acerto é até compreensivel, pois os fenômenos macroecômicos são complexos demais, e dependem de um número muito grande de variáveis, para serem entendidos, modelados e preditos. Falta um pouco de humildade a um cientista econômico quando, como ocorreu outro dia, ele se diz capaz de prever que a taxa de inflação deste ano será de 9,4% Ora, ora…Chega a ser ridícula essa autoconfiança. Seria a mesma coisa predizer que um determinado espermatozóide tem uma chance de 0,08756% de fecundar o óvulo… Nenhum biólogo ou médico digno do seu nome seria capaz de chutar números por aí dessa forma.

Da mesma maneira como acontece com a meteorologia, o comportamento da economia do planeta é um sistema dotado de fortes elementos de caos. Uso a palavra "caos" aqui não no sentido popular, de confusão, descontrole (que, curiosamente, é o que está acontecendo na economia no momento que escrevo), mas sim de sistemas matematicamente complexos, que dependem muito do estado inicial, e que se caracterizam por uma imprevisibilidade intrínseca. Existem muitos outros casos de sistemas caóticos: na física (o turbilhão gerado por um líquido fervendo, por exemplo), na quimica, na biologia, etc. O famoso castelo de cartas é o exemplo máximo de sistemas potencialmente caóticos, dotados de alta instabilidade. Qualquer empurrãozinho itamariano já é o suficiente..,

Quem sabe, no futuro, a matemática será capaz de dar um tratamento aos fenômenos caóticos, e a Psico-História passará a ser uma realidade. Apesar disso, sofro assaltos à minha consciência toda noite por ter votado em um socíólogo (e economista?) para presidente. Talvez seja melhor votar em um físico na próxima eleição.


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,  29/01/1999.

Autor: Email: renato@sabbatini.com

WWW: http://renato.sabbatini.com
Jornal: Email: cpopular@cpopular.com.br
WWW: http://www.cosmo.com.br

Copyright © 1999 Correio Popular, Campinas, Brazil