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Galileu, Pesquisa Pura e Aplicada

 

Renato Sabbatini

Bresser Pereira, o novo ministro de Ciência e Tecnologia (e que também acumula o cargo de presidente do CNPq), declarou em seu discurso de posse que a pesquisa pura deve ser apoiada com dinheiro do poder público, enquanto que a pesquisa tecnológica deve ser realizada essencialmente com dinheiro do setor produtivo (indústria e serviços). Citou a situação dos Estados Unidos, da Alemanha, e de outros países desenvolvidos, onde as estatisticas mostram que existe uma divisão aproximada de responsabilidades desse tipo. A declaração do ministro, desnecessário dizer,  semeou a intranquilidade entre os setores de pesquisa tecnológica na universidade e centros de pesquisa, que, em muitos casos, são extremamente vigorosos e bem sucedidos, como na UNICAMP, no Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo, na Coordenadoria de Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ, no Centro de Tecnologia da UFSC, e em muitos outros lugares.

Lembro-me que quando o ministro de C&T de Collor foi o Prof. Goldemberg, físico reconhecido internacionalmente, professor e ex-reitor da USP,  foi feita uma proposta semelhante à do Prof. Bresser Pereira: a indústria faria desenvolvimento tecnológico, repassando uma parte dos seus recursos para a universidade, que assim precisaria menos do dinheiro do governo. Como todo mundo sabe, o plano não deu em nada, por uma razão muito simples: a maioria das indústrias sediadas no Brasil não tem o menor interesse em fazer pesquisa e desenvolvimento de ponta, pois já trazem todos os projetos prontos das suas matrizes, que ficam no exterior. É assim que elas ganham dinheiro: isso é tão velho quanto a Humanidade. Nós somos apenas um mercado para a venda dos produtos que desenvolvem de forma centralizada nos paises de origem (outro mito da chamada globalização: não existem indústrias multinacionais. Existem indústrias americanas, alemãs, canadenses, italianas, etc., com vendas e produção descentralizadas, mas cujo objetivo é carrear lucros para seus países).

O modelo proposto por esses senhores ministros só parece dar certo em alguns (poucos) setores onde o Brasil tem uma indústria realmente forte e autônoma. Nos demais, teremos ainda que ter uma política de desenvolvimento científico e tecnológico digna do nome, que simplesmente não existe. E que fica cada vez mais difícil de implementar, quando o próprio governo sistematicamente destrói as bases de excelência que tradicionalmente forneceram inteligência e mão-de-obra capacitada para dar os saltos de desenvolvimento que o Brasil foi capaz até hoje: setores de informática, engenharia pesada, telecomunicações, alimentos, energia, etc. A indús do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. É uma biografia dramatizada do físico italiano do século XVII, que comprovou científicamente a verdade do sistema heliocêntrico (a Terra gira em torno do Sol), descobriu os satélites de Júpiter, as fases de Vênus, as montanhas da Lua, e tantas outras coisas. Por causa disso, foi perseguido pela Inquisição da Igreja Católica, obrigado a se retratar  e ficar calado até morrer, apesar de estar certo (a Igreja reconheceu a injustiça apenas 300 anos depois…).

Pois bem, o filme mostra como Galileu, um cientista puro como nenhum outro (afinal, qual é o interesse econômico de se saber que Júpiter tinha quatro satélites como a Lua?), também era apreciadissimo pelos mercadores da próspera nação veneziana e pelos industriais de Florença, pois seu gênio inesgotável, nas horas vagas, produzia tecnologia da mais alta qualidade e que contribuiu fortemente para aumentar o domínio comercial da Itália, tais como o telescópio, novas cartas marítimas (baseadas em seu sistema celeste), foles de fundição de ferro, bombas de água para o sistema hídrico de Pádua, o sistema de pêndulo para relógios, e muitas outras coisas mais. Um cientista renascentista típico. O dinheiro para isso vinha em parte das universidades onde foi professor, na forma de salário, e de verbas do setor produtivo. Os industriais e comerciantes de Florença ainda tentaram salvá-lo das garras da Inquisição, promovendo a sua fuga para outro país, mas ele, idealista e íntegro, recusou.

Como se sentiria o Prof. Galileu Galilei no Brasil de hoje?


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,  16/1/1999.

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