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A ciência das pesquisas eleitorais

 

Renato Sabbatini


Acho que os políticos deveriam deixar de ser hipócritas. Eles deveriam solicitar ao TSE que proibisse totalmente toda e qualquer pesquisa eleitoral antes das eleições. É a única alternativa que faz sentido, pois em toda eleição ocorre a mesmissima coisa: os candidatos que perderam "culpam" as pesquisas eleitorais, levantam suspeitas em relação à sua lisura, reclamam que o comportamento do leitor foi influenciado, etc. Se na eleição seguinte os mesmos candidatam ganham, o comportamento muda completamente. Ou seja: as pesquisas "erram" ou "acertam" de acordo com o humor do candidato e os resultados da eleição... Garanto que se fosse a Marta Suplicy a ganhar por 0,4 % de vantagem do Covas, ela não estaria se queixando de ter sido prejudicada pelos institutos de pesquisa. Chega a ser patético.

Os institutos de opinião pública, como o IBOPE, Gallup, etc., assi m como a imprensa, deveriam esclarecer a população e os políticos como elas funcionam, e qual a sua base metodológica. Todos têm que entender o seguinte: a pesquisa eleitoral, por ter base amostral (em outras palavras, utiliza um subconjunto menor de eleitores, para poder estimar, ou predizer, os resultados na população total), é sempre probabilística: nunca acerta totalmente ou erra totalmente. A disparidade entre a predição e o resultado é uma medida de erro, que é variável, mas nunca igual a zero. Desde este ponto de vista, então, poderíamos dizer que todas as pesquisas erram (se somos pessimistas) ou todas as pesquisas acertam (se somos otimistas) !

As pesquisas são feitas da seguinte maneira: os pesquisadores selecionam ao acaso um número de pessoas a serem entrevistadas. Esse conjunto constitui a amostra que servirá de base para a pesquisa. O número de participantes em geral fica entre 2 a 5 mil pessoas (tamanho da amostra). Isso pode parecer pouco, mas não é. Toda estimativa estatística se baseia na chamada "lei dos grandes números", ou seja, a fidedignidade de uma previsão aumenta proporcionalmente ao tamanho da amostra. Só que ela se estabiliza a partir de do ponto em que um certo número de participantes é atingido. Não adianta nada ter uma amostra de 2 milhões, se uma amostra de 2 mil consegue aproximadamente as mesmas margens de erro. Vai custar muito mais, e não vai melhorar a acurácia preditiva. E essa margem de erro dificilmente é melhor do que 5%. Quando os institutos apregoam que sua margem de erro é de 2% estão trabalhando com uma situação ideal, teórica. No entanto, eles, por si só, já explicariam a diferença aleatória entre Covas e Suplicy na corrida final pelo segundo turno da governadoria de São Paulo.

A im geográfica, etc., que reflita fidedignamente a distribuição dos mesmos fatores na população em geral, e que poderiam ter influência sobre o comportamento do voto. Isso se denomina de "estratificação da amostra" no jargão estatístico. Uma boa estratificação e um tamanho suficiente da amostra são os dois fatores fundamentais para a confiabilidade e o grau de erro de uma pesquisa eleitoral.

Outra coisa: nào existe metodologia capaz de medir a mudança súbita do comportamento dos eleitores, o qual depende, às vezes, de coisas aparentemente pouco importantes e de última hora. Todo mundo deve se lembrar de como o PT ganhou várias prefeituras importantes em 1985, inclusive em São Paulo (Erundina) e Campinas (Bittar), devido à repressão sangrenta dos operários da Companhia Siderúrgica Nacional. Ou de como Lula foi prejudicado às vésperas das eleições presidenciais de 1990, devido ao seqüestro do empresário Abílio Diniz. Por a culpa nas pesquisas eleitorais e nos institutos que a realizam é a mesma coisa que os antigos reis faziam: mandavam matar o mensageiro quando não gostavam da notícia...

É inútil fazer o que o deputado José Dirceu, do PT, está apregoando: uma investigação das empresas de pesquisa eleitoral. Pura perda de tempo. Elas são as principais interessadas em que suas pesquisas dêem resultados o mais acurados possível, pois assim continuarão no mercado, e terão sucesso em vender seus servíços nas próximas eleições (é bom lembrar que esta é a maneira que elas ganham dinheiro: elas não fazem pesquisa por esporte). Achar que uma empresa do porte de um IBOPE se vendeu por uns trocados para favorecer o voto útil para este ou aquele candidato é de uma ingenuidade atroz.

As pesquisas são ao mesmo tempo um mal necessário e uma garantia do processo democrático. Todas as nações democráticas do mundo têm pesquisas eleitorais, e os institutos que as realizam são independentes, geralmente empresas, e que dominam técnicas apuradíssimas de pesquisa estatística. Elas influenciam, sim, o comportamento do eleitor, mas não poderia ser diferente, assim como existem muitos outros fatores que influenciam. Querer um "comportamento puro", intocável, como se o eleitor vivesse dentro de uma caixa preta é uma sandice, que só alguns políticos que não entendem nada da ciência estatística são capazes de fomentar.


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 9/10/98 .

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