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Poluição, água e o nosso futuro

 

Renato Sabbatini

 

Durante centenas de milhares de anos, a espécie humana conviveu e evoluiu biologicamente em harmonia com os agentes químicos que a natureza produz. Nossos organismos aprenderam lenta e gradativamente a construir defesas contra os agentes químicos danosos, assim como a utilizar aqueles que são benéficos. Com raras exceções, as mudanças de concentração de agentes químicos naturais na água, ar e alimentos, eram lentas o suficiente para permitir a adaptação sem a extinção da espécie.

Não é mais assim. O episódio da contaminação da água de Campinas prova que essa adaptabilidade dos seres vivos está correndo sério perigo. A cada ano, milhares de novas substâncias químicas complexas e não testadas entram no meio ambiente, introduzidas pela humanidade. É como se fosse um animal que sujasse o próprio ninho, uma coisa impensável na natureza. Não há tempo hábil para que os organismos vivos reajam pela evolução, e o resultado é o acúmulo de doenças, a queda das taxas de reprodução, e a extinção de um número incontável de espécies que não podem se defender de outro modo.

O crescimento incontrolável de algas e cianobactérias nas águas do rio Atibaia se denomina eutroficação, e é causado pelo excesso de compostos nitrogenados solúveis no solo e no esgoto não tratado. A maior fonte desses compostos são os fertilizantes sintéticos à base de amônia. E isso é um dilema, pois sem eles, e sem os agrotóxicos organoclorados, outra fonte preocupante de poluição tóxica, seria impossível alimentar todos os seres humanos que vivem neste planeta.

Segundo artigo recente na "Scientific American", 175 milhões de toneladas de fertilizantes nitrogenados são jogados nas terras cultivadas de todo o mundo, por ano, e cerca de metade dessa quantidade é incorporada às plantas comestíveis. Estas plantas fornecem, direta ou indiretamente, 75 % de todo o nitrogênio incorporado em proteínas vegetais consumidas por seres humanos e animais de criação, o que resulta em que cerca de 1/3 da dieta humana depende hoje dos fertilizantes sintéticos.

Onde vão parar os 50 % restantes dos fertilizantes ? Vão contaminar os solos, e, principalmente, uma parte deles, sendo composta de nitratos altamente solúveis, vão contaminar a água subterrânea, os mananciais, lagos, rios, e, em última instância, os próprios mares. Regiões agrícolas ricas, como a de Campinas, apresentam níveis de nitrogênio nas águas muito acima do permitido. Se, além disso, são regiões altamente industrializadas (como também ocorre com Campinas), somam-se outras fontes de poluição danosa para a vida, vinda de efluentes químicos supertóxicos (derivados de petróleo, organoclorados, metais pesados, etc.). Os rios morrem, pois a eutroficação rouba todo o oxigênio das águas, eliminando as formas de vida aquáticas, e os organoclorados liquidam com o que sobra, a curto e a longo prazo. Finalmente, tudo isso vai para a água que bebemos, pois o tratamento químico realizado não consegue eliminar completamente todos os poluentes.

Além de serem cancerígenos (um estudo nos EUA mostrou que mulheres que tinham concentração elevada de organoclorados tinham um risco até seis vezes maior de terem câncer no seio. Nos países industrializados, uma mulher em cada oito irá desenvolver um câncer mamário em sua vida, o que é um índice espantosamente alto para uma doença natural), os organoclorados estão começando a afetar a própria capacidade reprodutiva de nossa espécie. Eles podem estar envolvidos na diminuição de 53 % no número de espermatozóides, e que vem declinando continuamente há várias décadas, assim como numa alarmante tendência de crianças nascerem com o pênis cada vez menor, como foi mostrado em estudos científicos realizados em Taiwan e em Michigan, EUA, em regiões altamente poluídas por dioxina e PCB, dois organoclorados potentíssimos, que são capazes de feminizar um feto na concentração de uma parte por trilhão !). Os organoclorados também causam uma queda nos hormônios masculinos, atrofiando os testículos, e provocando, desse modo, uma queda no libido sexual, e impotência.

A todas essas ameaças, ainda se soma o nível excessivo de certos hormônios, como estrogênio, utilizados indiscriminadamente por criadores de frangos e outros animais, para que eles cresçam mais depressa e atinjam maior massa muscular. Por trás do frango a menos de 2 reais por kg, existe um alto preço que estamos todos pagando.

Existem maneiras científicas de evitar tudo isso ? A resposta é surpreendentemente simples, em muito casos. Em muitos países, agricultores que foram treinados a colocar fertilizantes e agrotóxicos de maneira racional, e que usaram aparelhos para monitorar o nível de nitrogênio e cloro em suas terras, conseguiram diminuir de forma impressionante os efeitos poluidores, sem alterar a produção agrícola. A rotação das culturas, o cultivo de legumes (que fornecem nitrogênio natural ao solo), a conservação do solo (que impede que o nitrogênio escape para os rios pela erosão) e a reciclagem dos resíduos orgânicos que sobram das colheitas, são todos métodos já conhecidos há muito tempo, mas pouco praticados, seja pela falta de conhecimento, seja pela vontade de maximizar os lucros da lavoura.

O Brasil é um dos países que mais desperdiçam fertilizantes e agrotóxicos, colocando-os em quantidade excessiva e de forma não racional. O resultado aí está. Quando acordaremos para o problema ?


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,  7/8/97.

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