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Catastrofismo cometário 

Renato Sabbatini

 Embora um final de século não tenha absolutamente nenhum significado físico ou astronômico, pois é uma mera convenção cronológica inventada pela civilização ocidental (ou seja, judeus, hindús, islâmicos e chineses não estão passando pelo mesmo pavor…), acumulam-se as previsões catastrofistas, de fim de mundo. É uma equação interessante, típica de ignorantes e supersticiosos: final de século = final de mundo (vide Nostradamus…)., É só ver quantas seitas apocalípticas surgem a cada final de século (e não apenas no nosso), e é impressionante constatar o enorme poder de convencimento de seus gurús, como aconteceu com a seita que cometeu sucídio coletivo em San Diego, EUA.

 Para acirrar os ânimos apocalípticos, nada como aparecer um cometa gigante, bem no finalzinho do século ! A humanidade antiga sempre foi apavorada com cometas, pois eles são imprevisíveis, ao contrário das estrelas (quase fixas, altamente previsíveis), e os planetas (móveis, mas previsíveis). Portanto, cometas sempre foram associados à má sorte, previsões aziagas e coisas do gênero. Naturalmente, os sacerdotes e reis não hesitavam em fazer uso desse medo, para melhor dominar suas ovelhas e súditos, respectivamente…

 Na verdade, um cometa só representa algum perigo real para nós, se estiver em rumo de colisão com a Terra. E será que isso é possível ?

 Em 1982, dois astrônomos ingleses, S. Clube e W. Naper sugeriram a possível existência de cometas gigantes (com núcleos com mais de 50 km de diâmetro), que ocasionalmente seriam arremessados em direção à Terra pela força gravitacional dos planetas Júpiter e Saturno. Os cometas gigantes se originariam de uma "nuvem" esférica contendo trilhões de fragmentos, restantes da criação do sistema solar, chamada Nuvem de Oort. Existe também evidência de que há um outro aglomerado de cometas, chamado Cinto de Kuyper, mais próximo dos planetas solares. Esses cometas, ao se desintegrarem perto do nosso planeta, como aconteceu com o cometa de Levy-Shoemaker (que se chocou com Jupiter), gerariam enorme quantidade de detritos, que poderiam afetar adversamente o nosso clima, como, por exemplo, causando um "inverno cósmico", ao bloquear a luz do sol durante meses ou anos.

 O que aconteceria se um fragmento grande desses supercometas colidisse com a Terra ? Existem evidências cientificas muito fortes de que isso já aconteceu muitas vezes no passado. Um fragmento de cerca de 200 metros de diâmetro, por exemplo, ao cair no mar com uma velocidade de quase 100 mil quilômetros por hora, provocaria uma onda gigante (tsunami) de 100 a 150 metros de altura, que inundaria praticamente todas as regiões costeiras. Uma pesquisa feita por David Crawford, no prestigioso Sandia National Laboratory, nos EUA, mostrou que um cometa com 800 metros de diâmetro explodiria com uma força equivalente a 15 milhões de bombas atômicas iguais a de Hiroshima. Dados como esses têm impressionado os historiadores, que têm procurado registros históricos de acidentes semelhantes. Alexander e Edith Tollman, por exemplo, escreveram um livro sobre a hipótese de que o Dilúvio Universal de que fala a Biblia, provavelmente teria sido um tsunami causado por um impacto, e que inundou toda a Mesopotâmia e parte do Oriente Médio, onde se originaram as primeiras civilizações urbanas, capazes de registrar o evento.

Um cometa gigante, ao se desintegrar, causaria dezenas ou centenas desses impactos ao longo de vários anos, toda vez que a Terra cruzasse de novo a cauda do cometa (Duncan Steel, um colega de Clube e Napier, referiu-se a esse processo como "catastrofismo coerente", sendo a palavra "coerente" derivada da física, e se refere a coisas que acontece de forma sincronizada). O cometa Hale-Bopp, que está chamando tanto a atenção das pessoas (já foi alcunhado de "o cometa do século", depois do fiasco do cometa Halley) parece ser relativamente grande (cerca de 40 km de diâmetro). Portanto, ele causaria um estrago medonho se colidisse com a Terra. Provavelmente quase todas as formas de vida seriam extintas.

O grau de destruição que até mesmo um pequeno meteoróide é capaz de causar, é exemplificado pelo acidente de Tunguska, na Sibéria, em junho de 1908, quando um corpo celeste de apenas 50 ou 70 metros de diâmetro explodiu a cerca de dois quilômetros acima da floresta inabitada, gerando um deslocamento de ar que simplesmente achatou quase 2 mil quilômetros quadrados da floresta ! Se ele tivesse caido perto de um grande centro urbano, como São Petersburgo, a carnificina seria indescritível. Foi calculado que a explosão teve a potência de 10 a 20 megatons (milhões de toneladas de TNT). Pouca gente sabe que houve uma colisão semelhante em Curucá, na Amazônia, perto da fronteira com o Perú, em 13 de agosto de 1930 (não era sexta-feira !), com a força de um megaton. O resultado foi relatado pelo padre missionário italiano Fidele d'Alviano, em carta arquivada na Biblioteca do Vaticano.

Em suma, a não ser que os astrônomos detectem um cometa em rumo de colisão com a Terra nos últimos meses deste século, não há nada a temer !


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 4/5/97 .

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