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O afundamento da plataforma

Renato Sabbatini

A tragédia da plataforma P36 da Petrobrás, que afundou no mar depois de uma série de explosões, revelou para o mundo, de um lado, o risco ambiental e humano envolvido na exploração do petróleo em mares profundos, e de outro, a fantástica capacidade técnica da Petrobrás, a maior empresa brasileira e a décima quarta maior empresa de petróleo do mundo.

Apesar do desastre, a Petrobrás é considerada a mais avançada empresa do mundo nesse tipo de extração de petróleo. Boa parte da tecnologia foi desenvolvida pela empresa, e não tem paralelo no mundo. As plataformas da nova geração de semi-submersíveis para águas profundas da Petrobrás, tipificada pela P36 (que era a maior do mundo, a um custo de 500 milhões de dólares) são capazes de operar poços de petróleo situados a mais de 2.000 metros no fundo do mar, um recorde  mundial absoluto. Isso resulta da conjunção de dois fatores: os maiores campos de reservas brasileiros, como os campos gigantes de Albacora e Roncador, ficam a essas profundidades, e as condições metereológicas e marítimas brasileiras são excepcionalmente benignas. Os outros grandes campos submarinos, como o Golfo do México, o Mar do Norte e o Pacífico (Malásia e Austrália), são sujeitos a tempestades violentíssimas ou furacões em parte do ano, e não podem utilizar as tecnologias desenvolvidas pela Petrobrás.

Isso é uma pena, porque seria uma grande fonte de exportação de tecnologia para o país, revertendo o ciclo que até agora dominou nossa economia, que é a da compra de tecnologias dos paises mais desenvolvidos. A Petrobrás desenvolveu seu conhecimento ímpar nessa área através do Programa de Capacitação Tecnológica em Sistemas de Exploração para Águas Profundas - Procap, que teve início na década dos 70, quando ficou aparente que as reservas brasileiras de petróleo em terra firme eram insuficientes para dar ao Brasil a tão sonhada auto-suficiência em produção. Foi a época do famoso "choque de petróleo", com o aumento brusco de preços pela OPEP (Organização dos Produtores de Petróleo, dominada pelos países árabes), e que abalou profundamente a economia brasileira, até então dependente em mais de 80% da importação de petróleo. Os governantes militares da época resolveram fazer um grande investimento na prospecção do petróleo na plataforma continental submarina (até 200 km da costa brasileira), já que havia indícios que haviam ricas reservas nessa área. Nesse ponto somos iguais a outros paises. como a Austrália.

O ousado investimento do Procap revelou-se acertado. Atualmente a Petrobrás produz cerca de 40 milhões de metros cúbicos de petróleo por dia, dos quais mais de 70%  provém das reservas submarinas, principalmente da bacia de Campos, no estado do Espírito Santo. A exploração submarina implica em custos enormes, e pode demorar entre 4 a 6 anos desde a prospecção (descoberta de jazidas) até o seu aproveitamento econômico pleno. A geração de tecnologia pelo Procap foi fenomenal, assim como o grau de cooperação com empresas e universidades. O programa teve a participação de 27 universidades, 45 empresas de engenharia, 55 indústrias e 3 companhias petroleiras. Gerou 47 patentes nacionais e 13 internacionais, o que corresponde a 20% das concessões desse tipo no Brasil.

O desenvolvimento tecnológico principal que permitiu à Petrobrás a exploração em águas profundas e super-profundas foi a plataforma semi-submersível. Nas águas rasas (até 400 metros), utiliza-se plataformas fixas no fundo do mar através de torres e pilotis, que conferem grande estabilidade e segurança. No entanto, essa solução é inviável em mares profundos (lâminas d'água de 1000 a 3000 metros), e a plataforma é flutuante, sendo ancorada no fundo do mar por meio de cabos de aço. Quatro enormes sapatas ocas de aço funcionam como cascos submersos, dando grande poder de flutuação à plataforma. Os cabos de aço são guinchados a bordo, até obter uma tensão muito grande, que estabiliza a plataforma. O resultado é que, embora ela possa ser usada para perfurar e explorar poços, ela fica muito mais vulnerável a acidentes e movimentos grandes do mar, ao contrário das plataformas fixas.


Campos petrolíferos da bacia de Campos

As plataformas semi-submersíveis deram um grande salto tecnológico e puseram o país na dianteira nessa área. Elas permitiram montar o chamado Sistema de Produção Antecipada (SPA), que foi inaugurado no Campo de Enchova, na Bacia de Campos, em 1977, e que opera a 124 metros de profundidade. Nos anos seguintes a Petrobrás bateu recordes sucessivos, como nos campos de Bonito (189 metros), Marimbá (492 metros, em 1988), Albacora (500 metros) e Marlim Sul (1709 metros). A plataforma acidentada fazia parte do sistema Roncador, que bateu recorde mundial produzindo a 1853 metros desde 1999.

Perfurar o fundo do mar a profundidades como essa é uma verdadeira maravilha tecnológica. É tão complicado que mal conseguimos imaginar o que é envolvido. Entre a superfície da plataforma onde estão os equipamentos de perfuração, e o ponto da crosta terrestre onde se encontra óleo ou gás, pode haver uma distância de 5 quilömetros! A plataforma está a uma altura equivalente a três Picos do Corcovado. Os tubos que carregam as brocas giratórias e que trazem de volta o óleo, são flexíveis, e podem perfurar até em posição horizontal. Uma coluna de lama artificial é injetada continuamente nesses tubos, de forma a lubrificar as brocas e compensar a enorme pressão exercida pela água no fundo do mar. Quando o petróleo irrompe pela primeira vez no poço, os riscos de explodir ("blow-out") e vazar de forma incontrolada para o mar são impressionantes. A tecnologia tem que  "domar" esses riscos para que o ambiente não seja poluido e a empresa não perca seu investimento (ou vidas, como aconteceu).

Foi um infortúnio, cujas causas talvez nunca sejam conhecidas completamente. Mas, devido à enorme importância econômica e estratégica para o Brasil da exploração em águas profundas, certamente o Procap deverá continuar.
 

Para Saber Mais


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 23/3/2001.

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