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Existe Vida Inteligente no Universo?

 

Renato Sabbatini


Em um polêmico livro lançado recentemente, dois autores americanos, O paleontólogo Peter Ward e o astrônomo Donald Brownlee, propuseram a idéia de que seria mínima a possibilidade de existir vida inteligente semelhante a do ser humano. Em outras palavras, podemos estar sozinhos no Universo!

O argumento parece reforçar o que muitos religiosos afirmam desde a Idade Média, ou seja, que o ser humano é uma criação única de Deus, feito à sua imagem e semelhança, e que não existe em nenhum outro lugar do Universo. Devido a este dogma, a Terra foi colocada no seu centro, e as esferas celestes eram consideradas desabitadas, com exceção dos anjos e das almas boas que tinham merecido a redenção do Céu. Por ter afirmado (entre outras heresias religiosas para a época), que existiria um número infinito de mundos, e, portanto, de outras raças inteligentes e à imagem de Deus no Universo, o frade italiano Giordano Bruno foi queimado vivo pela Inquisição, e Galileu também quase foi parar na fogueira por ter desafiado as imposições do "conhecimento" oficial da Igreja Católica (apesar de que nem Galileu, nem outros cientistas eminentes da época, como Tycho Brahe, Kepler e Newton, saberem que as estrelas eram outros tantos sóis iguais ou maiores do que o nosso.). Antes de morrer, o rebelde Bruno declarou aos juízes: "Talvez o seu medo em me passar esse julgamento seja maior do que o meu de recebê-lo", e isso resume bem o que existe por trás da intolerância e do dogma: simplesmente medo.

Posteriormente, com o desenvolvimento e popularização da astronomia, ficamos sabendo que os planetas são outros mundos, e que eles poderiam teoricamente ter vida (embora até hoje nada tenha sido achado). No século 21 ocorreu o maior choque de todos: a Humanidade tomou conhecimento que o Sol é apenas uma estrela dentre as mais de 100 bilhões da Via Láctea, que esta, por sua vez, é uma galáxia de tamanho médio entre possivelmente alguns trilhões de outras galáxias dispersas em um espaço inimaginavelmente grande. Descobrimos também que uma proporção surpreendente de sistemas estelares têm planetas como o nosso.

Fazendo algumas contas simples, cientistas como Carl Sagan logo chegaram à conclusão que, entre os trilhões de trilhões de planetas possíveis, seria uma impossibilidade matemática que em alguns deles não se tivesse desenvolvido vida inteligente. A espécie humana evoluiu, em alguns bilhões de anos, a partir de organismos extremamente simples, como bactéria unicelulares, adaptados às condições físicas da Terra. As células, por sua vez, parecem ter tido sua origem em aglomerados moleculares orgânicos, mas não vivos, compostos de carbono, hidrog& inteligentes como o homem podem existir.

O problema é que a argumentação desenvolvida pelos autores do livro é extremamente falha, e chega a ser anticientífica. Ao afirmarem que a vida inteligente pode não existir em mais nenhum outro lugar do Universo, devido às condições ímpares do planeta Terra, eles estão violando um princípio fundamental do método científico, que é o seguinte: não podemos nunca fazer ou deixar de fazer uma suposição ou hipótese científica, se não existirem meios de comprovar que ela é falsa. Esse princípio foi proposto pelo grande filósofo Karl Popper, e se denomina "falsificabilidade". Ora, como existem galáxias, estrelas e planetas que estão uma distância tão grande de nós, que nunca será possível saber o que elas contém, não podemos afirmar que a vida inteligente não existe no Universo. Simples, não é? Não podemos sequer fazer afirmações de natureza probabilística, ou seja, que a vida inteligente é extremamente rara, pois mal temos acesso visual aos planetas que nos cercam, quanto mais a estrelas próximas ao Sol, que têm aproximadamente a mesma idade, tamanho e localização relativa no ambiente galáctico.

Os autores se contradizem também quando dizem que estrelas como o Sol são muito raras (menos de 5%), que planetas na exata posição da Terra e com o mesmo tamanho são mais raros ainda (no caso do nosso sistema solar, nem tanto: pouco menos de 10% na mesma posição, e 30% com o mesmo tamanho aproximado). Pois bem, mesmo admitindo até probabilidades mais raras do que essa, sobrariam trilhões de planetas muito semelhantes à Terra, com a mesma idade, etc. Seria bizarro imaginar que nenhum deles conta com vida inteligente& Se o leitor quiser ler um livro recente que apresenta argumentos exatamente contrários ao de Ward e Brownlee, recomendo "Probability 1, Why There Must Be Intelligent Life in the Universe", por Amir D. Aczel (Harcourt Brace, 1998).

O mais irônico do livro é que um dos autores, entrevistado pela revista Veja, admite que terá que pedir desculpas publicamente, se os extraterrestres forem encontrados algum dia& Mas, ao mesmo tempo, critica o projeto SETI, que está gastando 60 milhões de dólares em um modesto programa de detecç ão de vida inteligente através de ondas de rádio recebida do Cosmo. Mas, conclui, admitindo algo com que todos nós certamente concordamos: " Poucas questões filosóficas são tão instigantes e implicações tão profundas quanto aquela relacionada ao nosso papel no universo. Se estamos sós, é surpreendente. Se tivermos companhia lá fora, é mais chocante ainda."
 

Para Saber Mais


Sabbatini, R.M.E.: Contatos. Correio Popular, 25/9/97.
 


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,  17/3/2000.

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