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Vulcões e o clima terrestre

 

Renato Sabbatini

A espantosa série de erupções vulcânicas na Indonésia e nas Filipinas no final do século tem preocupado os cientistas com a possibilidade de alterações no clima terrestre. A última delas acabou de ocorrer no Monte Mayon, nas Filipinas. Embora não tão forte quando a do Pinatubo, em 1991, que claramente provocou uma redução de um grau na temperatura média global, os cientistas acham que ele também vai ter um efeito observável.

É muito interessante como eventos fundamentais da história da humanidade têm sido influenciados pelo clima mais frio causado pelas cinzas e aerossol lançados pelos vulcões na atmosfera. Estamos muito mais a mercê das forças aleatórias da Natureza do que os sociólogos gostariam de admitir. Forças econômicas e sociais muitas vezes dependem das forças geológicas e climáticas!

A força dos vulcões é impressionante. Os vulcanólogos usam um Índice de Explosividade Vulcânica (VEI) para medir a força de uma erupção. Na maior delas, o Monte Tambora, na Sumatra, teve em 1815 um VEI de 7, com a classificação de "supercolossal" (o máximo é 8, "megacolossal"), ou dez vezes maior do que a mais famosa erupção do Monte Cracatoa, em 1883 (VEI de 6). O vulcão lançou cerca de 150 quilômetros cúbicos de cinza na troposfera, e matou cerca de 92 mil pessoas, também a maior mortalidade conhecida. A coluna de cinza e fumaça atingiu 40 km de altura. Nos últimos 10 mil anos, apenas quatro erupções vulcânicas receberam um VEI igual a 7, e apenas 36 receberam um VEI de 6 (classificação de "colossal"). Uma erupção megacolossal acontece apenas a cada 100 mil anos anos. A última desse tipo ocorreu 75 mil anos atrás, no Monte Toba.

A incidência de erupções vulcânicas parece ter aumentado no século 20. Das dez erupções mais destrutivas da história, metade ocorreu neste século: Santa Maria (Guatemala) e Monte Pelee (Martinica), em 1902, Monte Santa Helena (EUA, 1980), Nevado del Ruiz (Colômbia, 1985) e Pinatubo (Filipinas, 1991), com um total de 60 mil mortos. Por que? Não se sabe exatamente. É comum na história essa proximidade temporal entre enormes erupções. Provavelmente elas refletem um movimento maciço de colisão entre duas placas tectônicas, que dura uma década (um infinitésimo de tempo, em termos geológicos, mas com enormes repercussões sobre a vida na Terra, como veremos mais adiante).

A Indonésia é um imenso celeiro de 76 vulcões ativos. Eles fazem parte do Arco de Sundra, uma linha de 3 mil km de vulcões que vai da Sumatra até o Mar de Banda, e que corresponde ao ponto de atrito entre as placas tectônicas da Austrália e da Eurásia. A Indonésia detém o recorde mundial de maior número de erupções (mais de 1,1 mil), que produziram fatalidades, geraram tsunamis (ondas gigantescas), fluxos e domos de lava, e arruinaram terra arável.

Como as erupções vulcânicas esfriam a temperatura global? O dióxido de enxofre presente nos gases da erupção reagem com água na estratosfera e formam gotas de ácido sulfúrico (aerossol). Essas gotas refletem a luz do sol e diminuem a temperatura na superfície da Terra e contribuem para aumentar o "buraco" de ozônio. O efeito de resfriamento dura entre um a dois invernos.

A erupção de 1815 do Tambora, por exemplo, lançou 2 bilhões de toneladas de aerossol sulfúrico, e provocou o "Ano Sem Verão" na Europa e na América do Norte, com uma queda média de temperatura de 3 graus Celsius, e nevascas em junho. As cataratas de Niágara congelaram totalmente no inverno daquele ano, bem como a maioria dos lagos e rios no hemisfério norte. Juntamente com o Tambora, outras erupções ocorreram na mesma época, como o Soufriére, no Caribe, em 1812, e o Monte Mayon, nas Filipinas, em 1814. O clima mais frio do que o normal causou enormes perdas nas colheitas e gerou muita fome e desgraça. Na Irlanda, a queda na colheita de batata entre 1813 e 1815 matou mais de 100 mil pessoas, e foi o prenúncio da Grande Fome, que iria ocorrer em 1845 a 1849, e que matou mais de 1 milhão de irlandeses, levando 1,5 milhão a mais a emigrar para outros países.

A maior erupção vulcânica dos últimos dois milhões de anos também ocorreu na Indonésia, no Monte Toba, há 75 mil anos. Estima-se que gerou um bilhão de toneladas de ácido sulfúrico e 2,8 mil km cúbicos de magma. A cratera resultante tem até hoje as dimensões de 100 por 30 km! A temperatura média da Terra deve ter diminuído de mais de 9 graus, contribuindo para a Era Glacial, quando a calota polar chegou a cobrir todo o norte dos atuais Estados Unidos. Imaginem só o efeito que deve ter causado sobre a vida na Terra.

É claro que podem existir muitas outras causas para o periódico esfriamento terrestre. Por exemplo, o cientista John Eddy descobriu em 1970 que há uma correlação entre as manchas solares terrestres e os ciclos de temperatura. Entre 1645 e 1715 ocorreu na Terra um fenômeno chamado "Pequena Era Glacial", que foi desastrosa para a história européia. Ela coincidiu com o Mínimo de Maunder, um período de baixa atividade solar, que diminuiu o calor solar em cerca de 0,25%.

Até mesmo a religião pode ser influenciada. A belíssima igreja de Santa Maria Maggiore, em Roma, foi construída no ponto onde caiu neve no dia 5 de agosto de 440 (normalmente um dia de intenso verão naquela parte da Itália). Isso foi considerado um milagre, pois o papa Sisto III teria sonhado que a Virgem Maria o ordenara a construir uma igreja nesse ponto e data exatos! É possível que tenha sido uma das Pequenas Eras Glaciais que afetam o planeta a cada mil anos, em média (que, coincidentemente, é o intervalo entre erupções de escala 7).

Mas não deixa de ser fascinante que os mais aterradores espetáculos da força na natureza, os vulcões, restritos a pontos muito pequenos da superfície terrestre, tenham essa capacidade de influenciar os eventos climáticos, e, conseqüentemente, humanos.

Para Saber Mais

Cutler, A.: The Little Ice Age: When global cooling gripped the world. http://www.vehiclechoice.org/climate/cutler.html

Volcano World: http://volcano.und.nodak.edu/vw.html

Mayon Volcano May Cool World Temperatures Again. Yahoo! News, 7/3/2000. http://dailynews.yahoo.com/h/nm/20000307/sc/environment_volcanoes_2.html


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,  10/3/2000.

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