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Testando o sistema

Renato Sabbatini

Como era de se esperar, continua intensa a polêmica em torno do já famoso "provão", que será realizado pelo Ministério da Educação com a finalidade de avaliar a qualidade do produto final das universidades brasileiras, ou seja, os alunos recém-formados em diversas carreiras. Em uma manifestação que só pode ser interpretada como corporativista e de auto-defesa, os reitores das universidades públicas se manifestaram contra a medida. Como sempre, o argumento utilizado pelos que se opõem ao provão é o de que seria melhor investir na melhoria da qualidade do ensino, do que adotar um mecanismo perverso, em que se deixaria o aluno completar o curso de má-qualidade e barrá-lo na saída.

Ao meu ver, esse argumento é falacioso. Por mais que se invista na qualidade do ensino (e isso não significa, como se imagina, mais dinheiro, que é o que os reitores querem do governo), sempre haverá uma parcela de estudantes que não têm condições efetivas de exercerem a profissão para a qual foram preparados pela universidade. Existe uma série de razões para isso. A primeira é de que as nossas universidades são espantosamente tolerantes e omissas quanto à avaliação durante o curso. A perversão reside justamente aí, e não na avaliação pós-curso. O vestibular é extremamente rigoroso, mas uma vez que essa barreira é ultrapassada, a aprovação na faculdade está praticamente garantida, a não ser que o sujeito seja um débil mental completo, ou um ausente durante todo o curso. Por motivos políticos, econômicos e corporativistas, a universidade brasileira renunciou voluntariamente a diversos mecanismos que existiam anteriormente, como a média mínima e o jubilamento de alunos repetentes. A culpa dessa verdadeira catástrofe educacional é dos docentes e reitores da universidade, e eles não podem negar essa responsabilidade, atribuindo-a ao governo federal ou estadual.

Mas isso não é tudo. Analisando a experiência das universidades de outros países mais avançados do que o nosso, sabe-se que mesmo com mecanismos rigorosos de avaliação e filtragem, existem alunos incompetentes que escapam, por assim dizer, pelas frestas do sistema. Isso é particularmente perigoso em algumas profissões, como em medicina e em direito, nas quais ainda predomina o profissional liberal, que depois que se forma passa a exercer livremente, sem supervisão superior. Por isso, a maioria dos países instituiu, há muito tempo, o exame de final de curso. Na Alemanha, por exemplo, a própria universidade toma essa iniciativa. Em Medicina, são cerca de 900 questões de múltipla escolha, mais alguns exames orais e práticos, que ocupam quase dois meses. Cerca de 5 % dos alunos são reprovados, apesar da alta qualidade dos cursos médicos alemães ! Nos EUA, assim como no Brasil, os advogados têm que fazer o "exame da orde são feitas de forma incompleta, e depois se reclama que não funcionaram.

 Existem muitas medidas que poderiam ser tomadas pelas próprias universidades para melhorar a qualidade dos egressos. A modernização crescente da sociedade brasileira está exigindo isso. Por incrível que possa parecer, as nossas instituições educacionais não sabem valorizar a qualidade de sua atividade principal, que é o ensino.


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 28/11/96.

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