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Informática Médica

A Ciência Nunca Mais Será a Mesma 

Renato M.E. Sabbatini


Revista Reporter Médico 
Veja também: Índice de Artigos de Informática Médica de Renato M.E. Sabbatini


Poucas invenções na história da humanidade tiveram uma importância tão grande e provocaram uma revolução tão extensa quanto a Internet. A ciência em geral, e as ciências biológicas e médicas, em particular, nunca mais serão as mesmas depois do advento da Grande Rede.

E porque? Evidentemente, existem algumas coisas que são aparentes até para leigos, como o maior acesso às informações. A ciência vive e sobrevive essencialmente de informação publicada, portanto é natural que um meio que dá a capacidade para localizar, ler ou publicar informação em uma velocidade maior, e em maior volume, tenha um grande impacto. Outra mudança quantitativa evidente ocorreu na área de intercomunicação entre os cientistas: hoje, o correio eletrônico é usado praticamente por 100% dos pesquisadores, e é o principal (ou quase único!) meio rápido de comunicar-se com os colegas.

Mas todas essas mudanças óbvias nada mais são do que "extensões" de modelos já existentes, e que sempre funcionaram efetivamente, embora com menor velocidade, como as revistas científicas impressas e as bibliotecas, o correio comum, etc. Qualquer cientista na casa dos 50 anos, como é o meu caso, passou por todas essas etapas, e nem frente ao "primitivismo" relativo das comunicações e do acesso à informação de 30 anos atrás, deixou de funcionar. Lembro-me que quando comecei a fazer pesquisas em fisiologia na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em 1965, o único equipamento de cálculo de toda a faculdade era uma calculadora mecânica Monroe imensa, cuja grande (e admirada) capacidade era fazer raízes quadradas, o que era indispensável para as análises estatísticas. Computadores pessoais, calculadoras manuais, aparelhos de fax e de xerox não existiam, só o telex (à velocidade máxima de 15 caracteres por segundo) e fotocopiadoras caríssimas e de péssima qualidade (as teses, apostilas, etc. eram rodadas em mimeógrafo). As revistas chegavam à biblioteca com 3 a 4 meses de atraso, e a comunicação com os colegas era feita exclusivamente por cartas escritas à mão ou em máquina de escrever convencional (não tinham chegado ainda as cômodas IBMs e Olivettis). Não preciso dizer como hoje tudo é bem diferente.

Novos paradigmas

Mas o computador não serve apenas para armazenar dados, evidentemente. Softwares sofisticadissimos são capazes de detectar homologias (segmentos de DNA similares a outros), ou de fazer a previsão da estrutura terciária de enzimas e outras proteínas de interesse biológico e farmacológico. Aliás, esse tipo de aplicação é de vital interesse para a indústria farmacêutica do futuro, pois permitirá testar a viabilidade terapêutica de milhares de configurações moleculares por mês, prevendo seu efeito biológico com base na estrutura 3D e de como ela se ajusta à estrutura de receptores conhecidos. Por esse motivo, a IBM anunciou recentemente o desenvolvimento do computador mais rápido do mundo, que será constituído de um milhão de computadores em paralelo, cada um com a velocidade de um bilhão de operações por segundo, para realizar essas reconstruções tridimensionais de proteínas. A máquina, apelidada de "Blue Gene", custará 100 milhões de dólares e cinco anos para ser construída, e terá a espantosa velocidade de 1 quadrilhão de operações por segundo (um petaflop, como é o nome da unidade).. Espera-se para o ano que vem a finalização do mapeamento do genoma de várias outras espécies, inclusive centenas de bactérias de interesse médico, do camundongo, da mosca-das-frutas, etc. e seria impossível lidar com essa avalanche de informação sem o computador.

Comunidades virtuais da ciência

Outra possibilidade aberta pela Internet é a formação de comunidades virtuais especializadas em ciência. Elas sempre existiram: afinal, a ciência é um processo social, como se costuma afirmar. A rede de influências, o "colégio invisível", a prática de submeter suas idéias e descobertas aos escrutínio dos colegas, a comunicação em eventos coletivos, grandes ou pequenos, a necessidade de aprovação e reconhecimento, o interesse de saber o que está acontecendo de novo em um domínio do conhecimento ou de um grupo d permitindo a formação de grupos virtuais de trabalho, sem que haja a necessidade de deslocamento físico, diminuindo custos e agilizando o trabalho.

O software Microsoft NetMeeting, por exemplo, permite que duas pessoas trabalhem com seus programas Microsoft Office (Word, PowerPoint, etc.), cada um em sua máquina, em um mesmo documento. As alterações e comandos emitidos por um dos usuários e visto imediatamente pelo outro usuário, conectado através da Internet. Usando um canal de voz disponível no NetMeeting, as pessoas podem conversar entre si, e colaborar na redação de um "paper", por exemplo, ou preparação dos slides de uma palestra conjunta, ou analisar dados gráficos e numéricos de uma pesquisa.

O intenso uso de outros recursos simples da Internet, como os grupos de discussão ("mailing lists"), os grupos de notícias ("newsgroups") e os fóruns baseados na Web, permitem montar espaços virtuais onde os cientistas e médicos podem interagir, trocar experiências e informações, etc., sobre assuntos especializados. São centenas de milhares de recursos em diferentes áreas, que facilitam as pessoas se conhecerem e se manterem em contato permanente (as vezes, várias mensagens por dia), de uma forma que nunca foi possível antes, pois trata-se de uma coletividade, e não apenas da forma convencional de comunicação um-a-um. Dessa forma, um cientista ou médico jovem, ainda em formação, tem a oportunidade de conversar on-line com um prêmio Nobel ou um colega muito mais famoso, que poderá ser fonte de idéias, inspirações, e até oportunidades de carreira.

Falando em carreira, são cada vez mais comuns na Internet os sites dedicados à oferta de empregos e de currículos em ciência e medicina. É uma combinação imbatível, pois pode-se procurar o emprego desejado através de palavras-chave, área, local de trabalho, faixa salarial, etc. Mecanismos sofisticados, que filtram as ofertas de emprego para você, de acordo com um conjunto de critérios, enviam semanalmente um sumário de tudo que poderia ser do seu interesse.
 

A Medicina na Rede

Já tive a oportunidade de tratar nessa coluna dos impactos mais espetaculares da Internet na ciência médica quanto ao acesso à informação científica, como as bases bibliográficas (MEDLINE, BIREME), revistas e livros eletrônicos, sites especializados, etc. Atualmente, é impensável fazer uma pesquisa bibliográfica usando os pesados volumes impressos mensalmente do Index Medicus; a alternativa rápida, barata e muito mais eficiente da Internet está disponível para todos.

No entanto, poucos cientistas e médicos estão conscientes da enorme mudança pela qual está passando o paradigma de publicação científica. Atualmente, muitos resumos de trabalhos localizados através da MEDLINE já têm a ligação, ou "link", com a versão publicada eletronicamente em texto completo. Estes papers, por sua vez, na lista de referências bibliográficas, remetem de volta "links" para a base MEDLINE, tornando possível assim a navegação através do universo de informações científicas, e levando à coleta científica, que passou pelas revoluções sucessivas da escrita, da imprensa de Gutemberg, das impressoras rotativas e do linotipo, e finalmente, dos computadores, CD-ROMs e Internet, terá se transformado inteiramente. E, de novo, a ciência nunca mais será a mesma…

 

Recursos na Internet

MEDLINE: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/PubMed

NCBI: http://www.ncbi.nlm.nih.gov

BIREME: http://www.bireme.br

NetMeeting: http://www.microsoft.com/netmeeting

ScieLo: http://www.scielo.br


Renato M.E. Sabbatini é doutor em ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, em Campinas, SP. É também diretor de informática médica da AMB, e editor científico das revistas Informática Médica e Intermedic.
Email: renato@sabbatini.com

Copyright 1999 Renato M.E. Sabbatini
Todos os direitos reservados. Proibida a cópia para fins comerciais.

Publicação na Web: 31/12/1999.

URL: http://www.sabbatini.com/renato/papers/medicoreporter-09.htm