Informática Médica

Usando a Internet Profissionalmente

Renato M.E. Sabbatini


Revista Check-Up
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A Internet é um grande entretenimento? Uma preciosa fonte de informação? Um lugar onde se pode encontrar virtualmente outras pessoas? Tudo isso? Ou será que existe espaço e aplicações mais orientadas para o dia-a-dia do médico, tais como o gerenciamento do consultório, a cobrança dos convênios, o controle financeiro, a folha de pagamento e as compras de suprimentos e equipamentos necessários para o exercicio profissional?

O fato fundamental é que o uso da Internet pelos médicos está aumentando cada vez mais em todo o mundo. Nos EUA, que são o país líder neste aspecto, a maioria dos médicos (97%) já usa internet e nada mais nada menos do que 80% se conectam diariamente à grande rede. Também 42% dos consultados trabalham em clínicas e hospitais que já tem "sites" próprios na Web.

Para o que será que eles estão usando a Internet? No estudo citado, a grande maioria usa para fins de acesso à informação. Cerca de 85% utilizam pelo menos uma aplicação médica via Internet, e os principais usos são busca de informação médica (71%), educação médica continuada (65%) e acesso a protocolos e diretrizes clínicas (50%). Como nos EUA o médico especialista é obrigado a revalidar o seu título através de créditos de educação médica continuada, explica-se as elevadas porcentagens encontradas.

No entanto, apesar de todo esse crescimento, e tirando as três aplicações acima, ainda é pequeno o número de médicos que utilizam a Internet para o gerenciamento profissional. No mesmo estudo da Harris, os médicos americanos consultados identificaram seis serviços como sendo "essenciais" para seu futuro sucesso: geração e acesso a laudos de exames (34%), processamento de faturamento de serviços médicos (35%), informação farmacêutica (34%), compra de produtos e suprimentos médicos (29%), registro médico eletrônico (19%) e comunicação por email com pacientes (29%).

A respeito do uso profissional do email as estatísticas também são interessantes: cerca de 55% dos médicos americanos se comunicam com colegas por email, e 34% se comunicam com a equipe do apoio por este meio. No entanto, apenas 13% usam para se comunicar com pacientes, provavelmente pelo tempo excessivo envolvido nessa atividade, e pelo fato de não serem remunerados por este serviço (alguns planos de saúde já estão pagando consultas de seguimento por email, no entanto).

A telemedicina e a segunda opinião médica à distância também já são aplicações começando a ser mais utilizadas, pois 14% dos médicos consultados admitem que já enviaram pelo menos uma vez informações clínicas sobre seus pacientes através de email. Eles alegam não usar mais este recurso devido a preocupações com privacidade e segurança da informação (39% dos médicos disseram que usariam mais este recurso se tivessem garantia de segurança).

Os pacientes, no entanto, gostariam muito de se relacionar mais com seus médicos via email. Um outro estudo feito, pela empresa Cyber Dialogue ("Cybercitizen Health 2000") em agosto de 2000 revelou que 54% dos usuários adultos da Internet nos EUA (cerca de 41 milhões de pessoas) usam a Web para buscar informações sobre saúde ou comprar produtos de saúde e beleza (4.6 milhões). Cerca de 3.7 milhões de pacientes já enviaram email para seus médicos, mas 33.6 milhões disseram que gostariam de enviar.

Mas e no consultório? Ainda no mesmo estudo da Harris Interactive, citado logo no início deste artigo, 96% dos médicos americanos consultados acham que a Internet tornará a prática médica mais fácil e melhorará a qualidade da atenção de saúde. Cerca de 30% consideram mesmo que as tecnologias baseadas na Internet serão essenciais para a prática médica no futuro, mas que essas mudanças começarão a ocorrer só daqui a dois anos, pelo menos.

Atualmente, muitos consultórios e clínicas já dispõem de softwares para informatização das rotinas clinicas de coleta de dados sobre os pacientes, secretaria, agendamento de consultas e exames, e faturamento de contas de convênios. No entanto, a esmagadora maioria desses softwares é implementada em um microcomputador isolado ou em uma rede local, e não tem nenhum relacionamento via Internet. O envio de dados de faturamento para os planos de saúde e convênios é, na maior parte das vezes, feito através de papel impresso ou preenchido à mão, ou no máximo através de disquetes. Alguns convênios já aceitam os arquivos enviados por correio eletrônico, mas há um problema muito sério para o médico ou clínica que trabalham com um número grande de convênios: não existe padronização entre eles, e cada convênio deseja receber o arquivo digital de um jeito diferente, aumentando a trabalheira, em vez de diminuir e racionalizar.

As tentativas feitas no Brasil para padronizar o envio de informações esbarrou no corporativismo e no egoísmo das empresas. A ABRAMGE (Associação Brasileira de Empresas de Medicina de Grupo), associada à ABRASPE/CIEFAS chegaram a elaborar um padrão para intercâmbio de boletos de faturamento e de emissão de cartão de identificação de pacientes, mas a adoção ficou muito longe da universal. Sem falar que muitas empresas alteraram o padrão para acomodar suas próprias necessidades, o que fez com que ele deixasse de ser padrão! Os hospitais também resistiram muito à adoção universal do padrão, por motivos que só eles sabem. A conseqüência é que sobrou para os desenvolvedores de software o verdadeiro pesadelo de fazer com que eles funcionassem de forma transparente com qualquer tipo de convênio.

Atualmente, existem várias empresas que se dedicam exclusivamente ao processamento de faturas médicas através da Internet, como a Genexis, Infomed, NetSaúde, Policom, e outras. Vários portais médicos na Web, como a ConnectMed e a BiblioMed, procuram diversificar suas fontes de renda através do desenvolvimento de softwares e prestação de serviços nessa área, que eles denominam de "conectividade". A ConnectMed, por exemplo (um dos maiores portais brasileiros profissionais em medicina) adquiriu recentemente a propriedade do conhecido software mineiro Pro-Doctor para a automação de consultórios e o está adaptando para permitir a comunicação direta entre médido e convênio através da Internet. Diversas UNIMEDs também têm projetos nesse sentido.

Informatizando a operação

Teoricamente, a Internet permite implementar qualquer tipo de software a distância, baseado em um servidor centralizado (um computador onde os dados e os programas ficam armazenados para uso). Esse tipo de tecnologia recebe o nome de ASP (Application Service Provider, ou provedor de serviços aplicativos), para o distingüir de ISP (Internet Service Provider, ou provedor de serviços de acesso à Internet).

O esquema do ASP funciona da seguinte maneira: se você quiser alugar um software para informatizar algum aspecto de sua atividade empresarial ou profissional, basta ter um microcomputador relativamente simples, conectado permanentemente à Internet. Usando uma mescla de programas armazenados localmente e programas armazenados no servidor, a empresa que realiza o ASP fornece o acesso a todas as funções normalmente necessárias no consultório, desde o cadastramento de pacientes e o controle da recepção, até o agendamento, o controle financeiro, o controle da folha de pagamentos, do almoxarifado, das compras e pagamentos, e do faturamento médico-hospitalar. Você não precisa ter nenhum software complexo e de difícil manutenção no seu computador, e mais ainda, o software ASP é atualizado constantemente, sem você perceber ou ter necessidade de pedir, pagar e reinstalar.

Há ainda uma vantagem adicional nos ASPs. Por trabalharem conectados à Internet, eles podem ser integrados ao gerenciamento de contas bancárias do médico ("Internet Banking"), à comunicação com outros provedores de serviços de saúde, com os pacientes, e com fontes de informação médica, como bibliografia, educação do paciente, bases de dados de medicamentos, etc.

Uma das aplicações mais interessantes é a atualização on-line das tabelas de preços dos serviços pagos pelos convênios, assim como dos medicamentos a serem receitados (para fins de cálculo do custo de um tratamento, que é uma coisa que poucos médicos realizam para seus pacientes. Com o advento do comércio eletrônico (ou "e-commerce"), também é cada vez mais disseminado essa aplicação da Internet para os médicos (embora muitos ainda tenham medo de confiar os números de seus cartões de créditos para lojas on-line). A coisa começou com a venda de livros, através de livrarias on-line, como a famosa Amazon (www.amazon.com), que traz muitas vantagens, como o catálogo imenso, o preço menor e a entrega rápida. Mas já existem também sites, como Rimed, MercadoMed e MercadoMedico, que vendem de tudo, desde estetoscópios até material descartável para cirurgias e exames, oferecendo uma boa vantagem principalmente para o médico do interior, que pode comparar preços, montar listas de compras, e fazer tudo à distância, sem precisar sair do consultório para satisfazer suas necessidades de material.

Conclusões

Os serviços ASP vão ganhar dos softwares dedicados para a informatização profissional dos médicos? Os preços serão vantajosos? Os problemas de segurança e confidencialidade da Internet serão resolvidos? Os médicos vão usar computadores em cima de suas mesas de atendimento no consultório? A Internet vai se transformar em algo de uso diário e banal? As empresas que estão apostando tudo nesse mercado para sobreviver acham que sim. Claramente, o futuro aponta nessa direção, mas existem ainda muitos fatores que podem complicar a adoção generalizada dessas tecnologias pelos médicos. A confiabilidade das ligações da Internet, e, agora, os problemas de fornecimento de energia elétrica, permitem colocar um ponto de dúvida.

P.S.: Desde que este artigo foi escrito, diversas empresas nele citadas foram compradas ou absorvidas por outras, mostrando, talvez, que o negócio de conectividade na área de saúde é bom, mas que exige parceiros de peso. A Policom e a Infomed foram adquiridas pelo grupo Health Latin America (dono do Bibliomed) e depois fecharam. A NetSaude foi adquirida pelo grupo argentino Salutia, que até 2002 ainda funcionava, assim como o grupo ConnectMed. O grupo Genexis segue ativo, também. As empresas MercadoMedico e MercadoMed desapareceram.

 

Endereços na Internet

Renato M.E. Sabbatini é doutor em ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, e fundador e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, em Campinas, SP. É também editor científico das revistas Informática Médica e Intermedic.
Email: renato@sabbatini.com

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