Informática Médica

Computadores de Mão: O Futuro da Medicina?

Renato M.E. Sabbatini


Revista Check-Up, Nov/Dez 2002
Veja também: Índice de Artigos de Informática Médica de Renato M.E. Sabbatini


A s tecnologias de informática que se desenvolveram na última década têm um enorme potencial revolucionário para mudar a forma como a medicina é praticada. Entretanto, infelizmente são ainda sub-utilizadas pelos médicos, e um dos motivos principais é a dificuldade de aplicação em seu atarefado e corrido dia-a-dia. Os médicos também costumam alegar que o uso do computador durante a consulta pode interferir no delicado equilíbrio psicológico da relação com o paciente.

O que fazer, então, para aumentar o nível de uso cotidiado dos computadores pelos médicos clínicos? Uma das soluções mais simples e efetivas já está, literalmente, à mão: são os computadores portáteis denominados de "palmtops" (ou seja, cabem na palma da mão). Eles são leves, versáteis, relativamente baratos, e podem ser utilizados virtualmente em qualquer situação e lugar, trazendo os benefícios dos computadores para a beira de leito e para o consultório.

Os primeiros palmtops a serem comercializados surgiram nos EUA, fabricados por uma empresa chamada 3Com. Um sucesso instantâneo entre executivos, o Palm Pilot, como foi denominado, era, em seu modelo inicial, pouco mais do que uma agenda eletrônica mais sofisticada, com um preço bastante salgado. Apesar disso, em menos de três anos foram vendidos mais de 5 milhões de unidades em suas várias versões. Como seria de se esperar, logo surgiram muitos concorrentes, como o Handspring Visor, praticamente idêntico ao Pilot, e modelos de vários fabricantes tradicionais, como a Casio, a HP, a Sony, a Compaq, e outros.

O sucesso do Palm Pilot e de seus imitadores foi devido em grande parte à excelência do design e a amigabilidade do uso. É pequeno, levissimo, e tem toda a sua parte frontal ocupada por uma tela de cristal líquido. Não tem teclado: os caracteres e algarismos são escritos à mão em uma parte da tela, usando uma pena. É facilimo de usar e funciona muito bem, reconhecendo tudo o que você escreve com mais de 90% de acerto, por meio de um software chamado Grafitti. Se você não gostar desse sistema, é possível chamar um pequeno teclado na tela, que pode ser acionado com toques da pena.

Outros pontos excelentes do Pilot são o seu sistema operacional (Palm OS) e a filosofia de sincronização com um computador comum. Utilizando uma pequena base e um "botão de sincronização", todas as informações registradas na agenda são passadas para um banco de dados no computador e vice-versa, mantendo os dois sempre atualizados. Isso facilita a entrada e a importação de dados através do computador, inclusive o carregamento de softwares desenvolvidos especificamente para essa plataforma. A eficiência é muito boa, e já são mais de 20.000 desenvolvedores de software para o Palm OS, apenas nos EUA, que estão aproveitando esse mercado.

Os concorrentes principais do Pilot utilizam o sistema operacional Windows CE, desenvolvido pela omnipresente Microsoft. Ele é maior e mais pesado, e consome muita bateria, mas por ter a capacidade de executar praticamente qualquer programa do Windows, tem conquistado uma fatia considerável do mercado de portáteis. Outro tipo de concorrente que tem entrado fortemente é constituido pelos telefones celulares inteligentes, ou "smart phones". A Nokia, uma das maiores fabricantes de celulares do mundo, foi uma das pioneiras desta linha, ao licenciar o Palm OS para operar em sua nova geração de celulares, que permitem a navegação na Internet, o acoplamento de funções de agenda, etc. Ao invés de carregar agenda eletrônica, celular, pager, etc., um único aparelho portátil dá conta de tudo, com uma interface única e fácil de usar, para alegria dos nossos bolsos e cintos. O Palm OS tem até mesmo uma interface de reconhecimento de voz, como acontece com alguns modelos de agendas eletrônicas e também com aparelhos

Aliás, o casamento final entre as várias tecnologias já foi "oficiado": o Palm VII foi o primeiro modelo a ter acesso por rádio,nos EUA, a um provedor de acesso Internet e correio eletrônico, disponível nas maiores cidades americanas. Isso permite um verdadeiro sonho, a possibilidade de navegar na Web, receber e enviar email, em qualquer lugar, usando uma pequena agenda eletrônica, com alto grau de usabilidade.

Palms para a medicina!

A extrema portabilidade, alta capacidade de armazenamento, grande disponibilidade de softwares, e possibilidade de sincronização dos dados com outros palmtops e com computadores maiores são vantagens significativas para o uso clinico em campo. Ao que tudo indica, o uso de palmtops deverá se generalizar em certas áreas da medicina, devido a essas vantagens, e aquelas áreas da medicina que utilizam muitos cálculos, protocolos complicados e consultas freqüentes a bases de dados, são as melhores candidatas. Nos EUA, por exemplo, é raro o médico de emergências e o intensivista que não utilizem um palmtop.

Entre as aplicações interessantes, existem, por exemplo, diversas bases de dados de apoio a decisão médicas. Uma das melhores e mais conhecidas é o ePocrates, que é uma base de medicamentos.Os livros eletrônicos, embora sejam mais complicados de usar em um Palm, com sua pequena tela, também são uma aplicaçào muito interessante. Atualmente existem modelos de hardware e software (como o Reader da Microsoft, gratuito), que permitem uma visão clarissima e confortável de textos mesmo em PDAs pequenos. O uso de cores, sons e links também ajuda muito essa aceitabilidade. O fato é que o aumento de memória dos PDAs está possibilitando colocar dezenas de livros de referência médica em um único dispositivo. Com 8 Mb de memória, cabem 4 livros grandes, e com 64 Mb, como os computadores de mão mais modernos, pode se colocar ainda mais informação. A biblioteca médica de bolso será uma realidade dentro em breve.

Onde achar software e bases de dados médicas? Existem muitos gratuitos, e outros, pagos. No exterior e no Brasil existem vários sites exclusivamente dedicados ao uso de Palms em medicina (veja as referências abaixo, para fazer uma exploração maior). Para um informata médico, é essencial conhecer o mundo móvel dos computadores de mão, principalmente agora que a sincronização via Internet e modem, usando comunicação de rádio é possível nos modelos mais desenvolvidos. É um futuro fascinante, que recomendo todos conhecerem bem. Eu sou usuário entusiástico do Palm Pilot desde 1999, e confesso que já não viveria sem um. Os estudantes de medicina também estão usando cada vez mais.
 

Mas é útil mesmo?

Diversos trabalhos acadêmicos têm tentado avaliar qual seria o papel, o valor e o impacto desta nova tecnologia para o acesso e entrada de dados de pacientes e o acesso a informações médicas. Em um desses trabalhos, autores americanos avaliaram o uso do Palm Pilot por médicos da unidade de tratamento intensivo (UTI) em um hospital universitário.

Computadores Palm Pilot III foram fornecidos aos 20 médicos e 6 enfermeiros da equipe da UTI, cada um deles instalado com informações de referência médica, agendamentos e números telefônicos de contato. Os usuários tiveram uma sessão de treinamento de apenas uma hora, de introdução ao hardware e software. Vários aplicativos de gerenciamento de dados de pacientes foram avaliados durante o período de estudo. Para se ter uma idéia da utilidade dessas pequenas máquinas na UTI, entre os softwares de aplicação clínica incluidos estavam: equações ácido-básicas, soluções para diálise, substituição de eletrólitos, drogas antiarrítmicas, valores normais de laboratório, dosagem de drogas em insuficiência renal, manual de orientação da UTI, terapia antimicrobiana, sumários de estudos clínicos, protocolo de desmame do ventilador, e calculadores de depuração de creatinina, peso ideal, parâmetros respiratórios, excreção fracional de sódio, taxa de infusão endovenosa de drogas, etc. Todos os programas e dados ocuparam cerca de 2 Mbytes. Os dados dos pacientes eram entrados usando um gabarito personalizado e incluiam dados demográficos, história clinica, diagnósticos, terapias, procedimentos e planejamento do manejo. Os dados eram transferidos entre o pessoal médico usando dispositivo infravermelho.

O resultado principal do estudo foi que a equipe médica achou que os computadores de mão eram muito convenientes, fáceis de usar e úteis para seu trabalho. A comparação entre os livros-texto em papel e eletrônico revelaram uma equivalência quanto à utilidade, dando pontos positivos, no entanto, para a maior portabilidade e capacidade de funções de busca por palavras chave do Palm. O acesso a dados computadorizados dos pacientes melhorou comunicação, particularmente em relação aos pacientes em estadia mais longa. Portanto, a introdução desta tecnologia foi bem recebida, a despeito de diferenças quanto à familiariedade dos usuários com os dispositivos. Usuários de mais idade se beneficiaram mais, e duas condições relacionadas à aceitação destas mudanças tecnológicas foram treinamento adequado e facilidade de entrada dos dados.

Em conclusão, um dos maiores obstáculos ao uso mais intenso dos palmtops em aplicações médicas é que os usuários normalmente não conhecem nem sabem achar e carregar os aplicativos em sua área. Felizmente, esta situação parece estar mudando rapidamente.

Referência Bibliográfica

Handheld Computers in Critical Care. Stephen E. Lapinsky, Jason Weshler, Sangeeta Mehta, Mark Varkul, Dave Hallett, and Thomas E. Stewart. Crit Care 2001; 5 (4): 227-231

 

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Renato M.E. Sabbatini é doutor em ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, e fundador e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, em Campinas, SP. É também editor científico das revistas Informática Médica e Intermedic.
Email: renato@sabbatini.com

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