Informática Médica

A Internet na Decisão Médica

Renato M.E. Sabbatini


Revista Check-Up
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Quando confrontado com a necessidade de tomar uma decisão, seja interpretar o resultado de um exame, seja fazer um diagnóstico ou planejar o tratamento de uma doença, o médico muitas vezes necessita de um auxílio externo, que pode ser na forma do uso de uma calculadora, consulta a uma tabela de resultados normais, ou um texto (como o Dicionário de Especialidades Farmacêuticas) que contenha a informação necessária.

Entretanto, graças ao desenvolvimento tecnológico da informática, atualmente existem muitos programas de computador que podem assistir o médico em várias etapas e tarefas relacionadas à tomada de decisão. Esta é uma das áreas mais úteis da aplicação dos computadores na atividade clínica do médico, no entanto é ainda muito pouco utilizada, por desconhecimento do profissional a respeito de sua existência e vantagens, ou por dificuldade de acesso aos softwares que já foram desenvolvidos.

Uma das soluções para esse dilema consiste na integração das fontes do conhecimento nos pontos onde é realizada a assistência de saúde, ou seja, cada vez mais os softwares de apoio  estão sendo embutidos em programas de informatização do consultório, do laboratório ou do hospital, tal como o sistema Kaiser-Permanente, dos EUA, onde se disponibiliza diretamente para o usuário médico diversos algorítmos e guias de prática clínica.

Outra forma muito interessante e cada vez mais usada de resolver o problema de acesso dos médicos às ferramentas de decisão é transportá-las em computadores de mão ("palmtops"), como o Palm Pilot e produtos semelhantes. Um número cada vez maior de "sites" na Internet oferecem gratuitamente uma enorme quantidade de pequenos e utilissimos softwares médicos em uma infinidade de áreas de decisão.

O advento da Internet veio facilitar muito o acesso dos profissionais médicos às ferramentas de apoio à decisão, pois basta ter uma conexão à Internet para poder utilizá-los, de qualquer parte do mundo, e a qualquer momento. Duas tecnologias básicas da Internet permitem ao usuário executar um software on-line: a linguagem Java, que foi especificamente desenvolvida para isso, e os programas localizados nos computadores servidores que interagem com o usuário da Internet através de um formulário.

Uma aplicação bem ilustrativa das possibilidades oferecidas pela linguagem Java é a calculadora médica. Um exemplo simples mostra como funciona o sistema: no site MedCalc 3000 (http://www.calc.med.edu), você encontrará um número muito grande de calculadoras médicas. Escolha a calculadora de Índice de Massa Corpórea. Na tela aparece um formulário, com caixinhas de entrada para você fornecer dois valores: o peso e a altura do paciente. As unidades de medida utilizadas (kg, cm, etc.) também podem ser selecionadas através de um pequeno menu. Em seguida, clique o mouse no botão "Calcular", na tela, e pronto, aparece em uma terceira caixinha o resultado da equação usada para calcular o IMC.

O sistema MedCalc 3000 ainda é um bom exemplo para duas outras formas adicionais de acesso rápido e fácil às calculadoras médicas: os softwares que o compõem estão disponíveis para carregamento em um Palm Pilot, a também para acesso via telefone celular, através de uma tecnologia chamada iMode. Já imaginaram como pode ser útil? O colega está em uma ambulância, atendendo uma emergência médica, e precisa rapidamente fazer um cálculo complexo, sem possibilidade de erro, pois a vida do paciente está em jogo, e por um fio. Simples: ou ele tira do bolso um Palm Pilot carregado com todos os programas de apoio à decisão, ou liga o navegador Internet do seu telefone celular e acessa o programa usando a tecnologia WAP (Wireless Access Protocol, ou Protocolo de Acesso Sem Fio).

Decisões Lógicas

Uma outra modalidade de software de apoio à decisão são os chamados "sistemas especialistas". São programas complexos, que procuram imitar como funciona o raciocínio lógico de um médico quando realiza um diagnóstico ou propõe um tratamento. Sistemas desse tipo começaram a ser desenvolvidos na metade da década dos 70s, e um dos mais famosos, o programa MYCIN, desenvolvido pelo Dr. Ted Shortliffe, da Faculdade de Medicina de Stanford, EUA, virou o exemplo prototípico de todos os que viriam depois. O MYCIN diagnostica bacteremias e meningites bacterianas e propõe a melhor combinação de agentes antimicrobianos para usar no paciente. Desde o aparecimento do MYCIN, milhares de novos sistemas especialistas médicos foram desenvolvidos. No entanto, seu uso tem sido extremamente limitado (menos de 100 encontraram uso rotineiro na prática médica), pois eles não se ajustam bem ao processo da consulta médica. Além disso, são caros, e necessitam ser adquiridos, instalados, o médico precisa fazer um treinamento no seu uso, etc.

É por isso que a disponibilização de programas especialistas através da Internet representa um progresso real, que talvez aumente significativamente o uso desses softwares pelos médicos do mundo todo. Um dos melhores sistemas, nesse sentido, é o Dxplain, desenvolvido na Universidade Harvard pelo Dr. Octo Barnett (). Para usá-lo gratuitamente é necessário registrar-se como entidade educacional ou de pesquisa. O Dxplain é capaz de diagnosticar mais de 1.000 entidades clínicas, usando mais de 9.000 sinais, sintomas e resultados de laboratório, e é totalmente interativo.

O uso de algoritmos clínicos (também chamados de árvores de decisão médica) também tem crescido muito através da Internet. Tipicamente, um sistema desse opera da seguinte maneira: você escolhe a área de diagnóstico e terapia (por exemplo, angina atípica), e o programa vai fazendo algumas perguntas pela Internet, sobre o caso (geralmente são respostas do tipo sim/não). No final, ele diz qual é o diagnóstico mais provável. Um exemplo de várias árvores de decisão desse tipo pode ser encontrado no site MedCalc 3000 (www.calc.med.edu).

Dados Médicos Eletrônicos

Os chamados bancos de dados também podem ser um recurso precioso para o apoio à decisão médica. Um dos mais conhecidos para Palm Pilots é o ePocrates (http://www.epocrates.com) . Ele consiste de duas bases separadas: uma sobre medicamentos (qRX, Clinical Drug Database) e outra sobre doenças infecciosas (qID, Infectious Diseases). A base de dados farmacêuticos é formidável, pois além de proporcionar informação sobre o tratamento de doenças ou condições específicas, ela também permite checar múltiplas interações entre medicamentos prescritos ao paciente, deste modo aumentando muito a qualidade e a segurança da medicina praticada.

Embora o ePocrates seja um produto para computadores de mão, a sua integração com a Internet é perfeita. Em primeiro lugar, a base de dados farmacêuticos é atualizada diariamente, através da Internet. Sincronizando periodicamente o seu Palm Pilot com o computador de mesa ligado à Internet, o médico poderá manter sua base clínica constantemente atualizada. Em segundo lugar, por meio de um serviço chamado DocAlerts, o usuário pode ficar sabendo através do seu endereço de correio eletrônico quando e quais foram as atualizações feitas na base do ePocrates.

Ao que consta, o ePocrates tem sido a "salvação" de muitos médicos em situações de difícil rememoração da diretriz terapêutica necessária, pois, afinal, existem pelo menos mais de 10.000 medicamentos de uso corrente no Brasil, e é impossível lembrar de todos os detalhes de posologia, indicação, contra-indicação, interações, etc. O uso discreto do computador na sala de consulta, através da Internet, ou do Palm Pilot no momento da prescrição preserva a autoridade do médico perante o paciente, acrescentando muitissimo em termos de qualidade e segurança de atenção.

Para quem gostou da idéia de checar interações medicamentosas, existem vários sites na Internet que fazem esse serviço gratuitamente. Um dos melhores é o DrugChecker, do site DrKoop (http://www.drugchecker.com). Uma de suas vantagens principais é poder realizar checagens simultâneas, com várias drogas, e trabalhar tanto com o nome comercial quanto com o nome genérico. Se você não sabe escrever direito o nome do medicamento, tudo bem: o sistema é capaz até de fazer o reconhecimento fonético (pronúncia aproximada)! Infelizmente não existe nenhum "site" nacional deste tipo, e ficamos limitados a usar o nome das substâncias, pois muitas vezes o nome comercial não concide no Brasil e EUA

Conclusões

À medida em que cada vez mais médicos, consultórios, hospitais e clínicas passam a ter acesso permanente à Internet, através das tecnologias ADSL, TV a cabo, etc., o uso da Internet tende a crescer também na área clínica. Certamente os profissionais de saúde valorizam o apoio à tomada de decisão como uma das aplicações mais úteis e de maior impacto em suas atividades do dia-a-dia. Aprender a usá-las bem, e conhecer quais as que estão disponíveis passa a ser uma habilidade fundamental do bom médico.

 

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Renato M.E. Sabbatini é doutor em ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, e fundador e diretor do Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, em Campinas, SP. É também editor científico das revistas Informática Médica e Intermedic.
Email: renato@sabbatini.com

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