Informática Médica

Um Computador Médico

Renato M.E. Sabbatini


Revista Check-Up No. 11
Veja também: Índice de Artigos de Informática Médica de Renato M.E. Sabbatini


 
A possibilidade de integração total das informações de apoio ao médico já é realidade. Você gostaria de integrar, em um único computador, todas as aplicações e fontes de dados que um médico necessita no dia-a-dia de seu trabalho clínico, como, por exemplo, imagens médicas, livros, revistas, cursos, fontes de referência, prontuários dos pacientes, resultados de exames, acesso à Internet e muito mais? Os sistemas para informatização de clínicas e hospitais que existem atualmente são muito deficientes nesse sentido, e o que acontece é que, às vezes, o computador acaba atrapalhando, em vez de ajudar, pois ele nunca tem toda a informação de que o médico necessita, sem ter que levantar da cadeira para procurar. Pois bem, a resposta definitiva ao problema de integração total de informações de apoio ao clínico já existe, científica e comercialmente, e se denomina Estação Médica de Trabalho (Medical Workstation, em inglês). Diversos hospitais americanos, europeus e japoneses já dispõem desse fantástico recurso, e algumas empresas de informática médica já estão começando a oferecer produtos nessa linha. A Estação Médica de Trabalho é, segundo a definição do Dr. Charles Safran, especialista em informática médica da famosa Universidade Harvard, de Boston, "um dispositivo que possibilita ao profissional de saúde acessar dados, funções e conhecimentos, mesmo que estejam dispersos em uma rede de computadores, de forma transparente, como se estivessem na mesma máquina". A forma de acesso é ditada pela tarefa médica a ser realizada, e não pela função de software, organização de dados ou localização, ou seja, sua operação é totalmente transparente para o usuário, mesmo que envolva dezenas de programas e bases de dados diferentes.

A Estação Médica de Trabalho pode integrar diversos tipos de informação:

registro médico (cadastro dos pacientes de uma ou mais instituições, prontuário clínico, informações sobre cobertura por seguros, etc.);
• imagens médicas (radiografias, tomografias, sonografias, angiografias, etc.);
• sinais biológicos e monitoração vital (ECG, EEG, pressão arterial, gasometria, etc.);
• livros médicos eletrônicos, em texto completo, ou em versão multimídia, na forma de CD-ROMs ou videodiscos;
• acesso a bases remotas de dados , como a MEDLINE (referências bibliográficas em medicina);
• software de apoio à decisão (programas inteligentes para apoio ao diagnóstico, prognóstico e conduta);
• software de intercomunicação (correio eletrônico, Internet, WWW, telnet, etc.);
• software para trabalhos em grupos e colaboração a distância (workgroups, videoconferência, etc.).
As Estações Médicas de Trabalho surgiram muito recentemente, em virtude da queda de preço das chamadas estações gráficas de alto desempenho (computadores tipo RISC, Pentium ou Macintosh de alta velocidade e capacidade; tipicamente com monitores de vídeo de super-resolução, memórias de 32 Mbytes ou mais, grande capacidade de disco, velocidades acima de 400 Mhz, etc.). O software operacional desses computadores é baseado em janelas (Windows ou equivalente) e multimídia, uso do mouse, etc. (o que em computação se chama GUI, ou Graphical User Interface). A integração completa de fontes de dados é conseguida através de discos locais de grande capacidade, CD-ROMs, e, principalmente, pela integração às redes de área local e ampla, como a Internet.

A Estação Médica de Trabalho foi projetada para ser usada diretamente pelo profissional de saúde, em seu dia-a-dia, e proporcionar apoio direto à documentação e decisão médica. Existe uma dificuldade de implementação grande em uma organização clínica que já é computadorizada, total ou parcialmente, pois existem então numerosos softwares já em operação (informatização do hospital, equipamentos de laboratório clínico, aquisição de imagens e sinais biológicos, etc.). Assim, é problemático encontrar um programa integrador que consiga reconhecer todos os formatos de bancos de dados, estabelecer comunicação com outros programas, etc. Por isso, é muito importante a adoção de padrões universais de intercâmbio de dados, tarefa essa que é regulamentada por organizações internacionais, como a ISO, mas que ainda não se completou em medicina. Exemplos de padrões desse tipo são o Health Level 7 (HL-7) para bancos de dados, o DICOM, para imagens médicas, o SNOMED e o UMLS, para nomenclatura e codificação, etc.

Internets particulares

O principal padrão de integração de informação em vários formatos (multimídia) que surgiu nos últimos anos foi o da World Wide Web (WWW), que é chamado de hipertexto (HTTP). Portanto, não é de se espantar que cada vez mais os projetos da Estação Médica de Trabalho utilizem esse paradigma para agregação e integração da informação que discutimos anteriormente. Surgiu então um novo conceito: a Intranet, termo usado para caracterizar uma rede local de computadores (ou seja, restritos a uma determinada área, prédio ou instituição) que utiliza a mesma tecnologia desenvolvida para a Internet.

Explicando melhor: quando surgiram as primeiras redes locais, foi necessário desenvolver softwares operacionais específicos que possibilitassem a comunicação entre os computadores ligados às mesmas. Esses softwares eram construídos com determinados padrões de sistemas operacionais (o software básico que acompanha todo computador), tais como UNIX, DOS e Windows. Por exemplo, um dos sistemas de rede de maior sucesso para o mundo do DOS foi o NetWare, desenvolvido por uma empresa americana chamada Novell. Com a popularização da Internet, e, principalmente, da WWW, que permite a transmissão e a visualização de informações multimídia (além de texto, também imagens, vídeos e áudio), foram implementadas funções e métodos de acesso desenvolvidos para ela, em redes locais.

A Internet se baseia em um conjunto de padrões abertos (públicos), denominados protocolos. O principal protocolo da Internet se denomina TCP/IP (Transmission Control Protocol/Internet Protocol), e com base nele foram desenvolvidos vários outros, que permitem, por exemplo, a transmissão de correio eletrônico (SMTP e MIME), a transferência de arquivos (FTP), o acesso remoto por terminais (TELNET), o envio de hipertextos e multimídia (HTTP), o bate-papo eletrônico (IRC) e outros mais. A colocação de todos esses protocolos em uma rede local, permite, portanto, a montagem e operação de uma espécie de Internet particular, que é justamente a Intranet.

Quando a rede local se estende a outros pontos distantes geograficamente (o que em computação se chama rede de área ampla), então a Intranet vira uma Extranet. Tanto Intranets quanto Extranets têm seu acesso protegido através de senhas e outros mecanismos de segurança, por não serem públicas, mas é muito comum as Intranets e Extranets serem integradas à Internet. Na área médica, as Intranets e Extranets estão sendo utilizadas cada vez mais para um grande número de aplicações, que vão desde a informatização de clínicas, hospitais, laboratórios, seguradoras médicas, faculdades, bibliotecas, etc., até a implementação de verdadeiros serviços internos de informação, com livros e guias on-line, documentação administrativa, normas e guias, inclusive guias clínicos e consensos, glossários, dicionários, bancos de dados de medicamentos e outros.

Uma das aplicações mais fascinantes das Intranets é a implementação do registro médico multimídia, que um dia irá substituir completamente o atual prontuário dos pacientes em papel. Ele pode incluir tanto as fichas de texto do paciente como imagens , sons (por exemplo, bulhas cardíacas) e sinais (ECG), etc. Conectando-se a Intranet à Internet pública, os médicos credenciados também poderão ter réplicas das Estações Médicas de Trabalho em suas casas ou consultórios, permitindo uma integração real e acesso rápido às informações sobre os pacientes nela contidas. Portanto, a Intranet é o suporte computacional ideal para se interligar as Estações Médicas de Trabalho, o que está sendo realizado em muitos hospitais e instituições médicas dos países mais desenvolvidos.

Computação ubíqua

O próximo passo na tecnologia das Estações Médicas de Trabalho será o da portabilidade, ou seja, elas passarão a ser baseadas em computadores portáteis cada vez menores e mais poderosos. Já existem várias categorias, como os chamados laptops , notebooks, sub-notebooks e palmtops, conforme o tamanho e peso.

Embora essas denominações se mantenham ao longo dos anos, a capacidade, potência e velocidade dos computadores portáteis em cada categoria aumentam vertiginosamente, sem parar. Os palmtops (computadores que cabem na palma da mão), também chamados de PDAs (Personal Digital Assistants), estão na crista da onda nesse aspecto. Existem dois grandes grupos de PDAs. O primeiro grupo é formado por computadores que têm teclado completo e tela pequena, de cristal líquido (preto e branca ou colorida), como o Hewlett-Packard, Cassiopéia, Psion, etc. Geralmente o sistema operacional atualmente utilizado é o Windows CE, um produto da Microsoft que é um Windows 95 simplificado, para uso em computadores com pouca memória e velocidade. Esses computadores podem ter modem para conexão à Internet, e até uma pequena câmera de vídeo, para videoconferência, e podem executar programas típicos do mundo Windows, como uma versão especial dos softwares do MS Office, como processamento de textos, planilhas, agendas eletrônicas, etc.

Portanto, à medida que aumenta sua capacidade, poderão se tornar potenciais Estações Médicas de Trabalho com todas suas características, com a vantagem adicional de acompanhar o médico a todos os lugares em que ele for exercer suas atividades (daí o nome "computação ubíqua", ou seja, em todo lugar). O segundo tipo de palmtop, exemplificado pelo Apple Newton, e, mais recentemente, o Palm Pilot, da empresa 3COM, de fenomenal sucesso em todo o mundo, é bem menor, trabalha com escrita a mão livre usando um estilete eletrônico ao invés de teclado e tem softwares aplicativos embutidos que não têm nada a ver com o mundo do Windows.

Embora esses palmtops também possam ser usados para acessar e-mail via uma antena de rádio (como o Palm Pilot VII), fazer navegação simplificada na Web, etc., eles estão muito longe de ter a capacidade necessária para uma Estação Médica de Trabalho com todas as funcionalidades. Muitos hospitais já utilizam no seu dia-a-dia a computação ubíqua para dar ferramentas mais poderosas de computação aos seus profissionais. Em uma universidade americana, por exemplo, todos os médicos do pronto-socorro carregam um palmtop nos bolsos de seus aventais, e podem utilizar programas de apoio à decisão (por exemplo, cálculos hemodinâmicos pré-programados) , consultas a bases de dados (por exemplo, um dicionário de especialidades farmacêuticas), obras de referência (por exemplo, o livro Medicina Interna do Harrison, em forma eletrônica) e até comunicar-se através de raios infravermelhos com a rede de computadores interna do hospital, para ter acesso aos dados, tanto clínicos quanto administrativos, dos pacientes. Ao passar visita na enfermaria, o médico pode usar o palmtop para colher dados sobre os pacientes internados ou recebidos, para depois carregá-los no computador central. De quebra, o sistema pode funcionar como dublê de pager, capaz de receber mensagens personalizadas e dar acesso contínuo a notícias médicas de interesse do profissional.

Sem dúvida, esse setor da computação continuará a progredir, a se miniaturizar cada vez mais, e podemos esperar que, dentro de muito pouco tempo, existam Estações Médicas de Trabalho miniaturizadas e totalmente portáveis.

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Renato M.E. Sabbatini é doutor em ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, e diretor associado do Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, em Campinas, SP. É também editor científico das revistas Informática Médica e Intermedic.
Email: renato@sabbatini.com

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