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A Caixa de Pandora

Renato Sabbatini

Recentemente, um plebiscito nacional na Suiça resolveu proibir o uso de biotecnologia e de engenharia genética em todo o território nacional, ou por qualquer empresa de capital suiço, para fins de produção de novos medicamentos, modificação genética de plantas ou animais, inclusive para agricultura. A decisão foi revertida, posteriormente, pois é uma loucura, um verdadeiro ato de suicídio econômico. Os instigadores da campanha, liderada com sucesso pelos "partidos verdes", aparentemente se esqueceram que uma parte considerável do bem-estar social, econômico e político excepcional de que gozam os suiços é devida às indústrias farmacêuticas e de alimentos (o famoso trinômio suiço: leite, chocolate, medicamentos).  Considerando que o futuro da indústria farmacêutica passa inevitavelmente por essas tecnologias, fica ainda mais incompreensível alguém ser contra o progresso nesta área.

Mas; existem sérios problemas éticos e morais nessa área, é evidente. O ser humano está aprendendo a brincar de Deus, interferindo seriamente, pela primeira vez, no patrimônio da criação e da evolução, algo que se julgava fora do alcance do engenho humano, pela sua complexidade. A situação nos faz lembrar o famoso mito grego de Pandora, que abriu uma caixinha e libertou todos os demônios que afligem a humanidade desde então.

Qual foi a caixa de Pandora da engenharia genética aplicada ao ser humano ?

Do ponto de vista da história da ciência, a caixinha foi aberta quando fomos capazes de entender o código genético, ou seja, como as nossas células codificam os genes através do DNA, e expressam esse código através da produção de proteínas. Essa descoberta foi feita pelos cientistas ingleses James Watson e Francis Crick, na década dos 70s.

Do ponto de vista do impacto junto ao público em geral,  no entanto, a caixinha foi aberta com a divulgação maciça do fato científico mais importante de 1997, a clonagem de uma ovelha a partir de uma célula somática adulta, anunciada em julho por um grupo de cientistas da Escócia. A aplicabilidade da técnica desenvolvida por eles para a clonagem era imediata para qualquer tipo de vertebrado superior, e, de fato, até macacos já foram clonados da mesma maneira, chegando bem perto do ser humano.

Como era de se esperar, a reação geral foi de horror perante essa possibilidade. O próprio d numerosos riscos envolvidos nessa tentativa, portanto o progresso em direção à clonagem humana se encontra efetivamente bloqueada, pelo menos nos Estados Unidos.

Um dos argumentos utilizados pelos que condenam qualquer tentativa de clonagem, à parte dos problemas morais, é que a tecnologia ainda é muito difícil. Antes de ter dado certo a clonagem da ovelha Dolly, foram feitas 277 tentativas, todas resultando na morte de algum embrião ou feto, em diferentes estágios de desenvolvimento. Causa repulsa e condenação (até do ponto de vista criminal) que alguém queira fazer isso com embriões e fetos humanos.

Com a condenação geral à clonagem, existe um grande perigo, no entanto. Reações reflexas e exageradas desse tipo pelos líderes políticos e pelos legisladores quase sempre carrega problemas de várias naturezas, que muitas vezes podem ser mais difíceis de corrigir que o problema original. Muitos cientistas que trabalham com engenharia genética e de fertizilização assistida com seres humanos ficaram alarmados com a possibilidade de pesquisas legítimas e de interesse médico sejam bloqueadas pela lei contra a clonagem. O ponto-chave seria proibir apenas a clonagem com finalidade de produzir bebês, e não as outras aplicações que esta tecnologia tem. Clonar DNA e material genético (não o genoma inteiro) é prática corrente em muitos laboratórios de pesquisa e de análise clínica (para identificação criminal, investigações de paternidade, produção de "kits" de diagnóstico de doenças genéticas, e muitissimas outras aplicações úteis e necessárias). Legisladores apressados no estado da Flórida, por exemplo, queriam passar uma lei tornando a clonagem de DNA um crime. A lei foi retirada depois que seus autores foram alertados que a pesquisa biomédica no estado seria bloqueada praticamente da noite para o dia.

O presidente Clinton propôs outro mecanismo, já que seria difícil e danoso bloquear o caminho inevitável do progresso. Ele apelou ao Congresso que aprovasse uma moratória de cinco anos em todos os experimentos de "clonagem por transferência de núcleos somáticos", como é o nome da técnica usada com a Dolly. O estado da Califórnia foi o primeiro a adotar essa sugestão, também em janeiro (parece que lá os legisladores agem mais rapidamente do que aqui.... O nosso Congresso deve estar ocupado com assuntos mais importantes).

Qualquer que seja a evolução futura de tudo isso, é inegável constatarmos que não há mais volta possível. Eventualmente, como aconteceu com as técnicas de "bebê de proveta", os métodos de clonagem passarão a ser altamente confiáveis, sem necessidade de desperdiçar centenas de óvulos fertilizados. Será uma técnica comum, dominada facilmente até por estudantes, e será amplamente disseminada,  até mesmo em países pobres. As eventuais moratórias decretadas expirarão, a o campo será regulamentado por leis semelhantes às que regem a indústria farmacêutica.

E aqui há um ponto forte de reflexão: como seria a clonagem humana em uma país como o nosso, no qual nào se consegue controlar nem a falsificaç&ati Jornal Correio Popular, Campinas, 31/7/98.

Autor: Email: renato@sabbatini.com

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