Indice de Artigos
 
 
 


A revolução do emagrecimento

 

Renato Sabbatini

O Xenical, o novo medicamento de combate à obesidade, bateu um recorde mundial: o Brasil é o país que mais vendeu em janeiro, que foi o mês de lançamento  (foram 295 mil unidades vendidas, contra 270 mil na Alemanha, que detinha o recorde anterior). Isso tem algo a dizer sobre o interesse provocado na população brasileira por essa substância, que age inibindo a enzima lipase pancreática. Quando ingerimos gorduras, geralmente as moléculas têm cadeias moleculares longas, que não podem ser absorvidas pela mucosa do intestino. A lipase quebra essas cadeias em moléculas menores. O Xenical (cujo componente tem o nome científico de orlistat), ao inibir essa enzima, provoca uma queda de cerca de 30% na absorção da gordura de cadeias longas, a qual é eliminada nas fezes. Ele é o primeiro de uma linha de medicamentos que visa provocar o emagrecimento sem que o paciente tenha que alterar substancialmente sua dieta alimentar. Cientistas da Unicamp estão investigando uma substância que diminui o excesso de insulina no sangue (o hormônio secretado pelo pâncreas responsável pela entrada da glicose nas células), e que também parece ter um forte e duradouro efeito emagrecedor.

Até a invenção do orlistat, o arsenal de medicamentos de que dispunham os médicos "obesologistas" era restrito e cheio de problemas. Todo mundo conhece os inibidores de apetite (anorexígenos), que são à base de anfetaminas e agem no sistema nervoso, muitas vezes com sérios efeitos colaterais (nervosismo, insônia, tremores, etc.). Nosso cérebro tem dois centros em uma região chamada hipotálamo, que controlam o apetite e a saciedade. Quando ficamos um certo tempo sem comer, o nível de glicose diminui no sangue, provocando uma maior atividade do centro da fome. Ele nos leva a ter a sensaçào de fome, a vontade de comer, e os comportamentos necessários para isso (uma pessoa com um tumor nessa região, por exemplo, fica totalmente anoréxica). Por outro lado, logo depois de comermos, uma série de estímulos provenientes do estômago, do intestino e do próprio nível de alimentos no sangue (glicose e gorduras) ativa o centro da saciedade, levando à inibição da fome e dos comportamentos de comer.

Os medicamentos anorexígenos estimulam o centro da fome, por isso são pouco eficientes na reeducação alimentar de quem precisa diminuir, e, principalmente, manter o peso (apenas 20% das pessoas que fizeram regime continuam com peso igual ou menor dois anos depois). Assim, foi com entusiasmo que os médicos receberam a notícia, há cerca de  um ano atrás, que uma nova substância, a sibutramina, funcionava ativando o centro da saciedade (sendo denominada, por isso, de sacietógena). Ao invés de eliminar a sensação de fome, a sibutramina faz com que a pessoa se sinta saciada com pouca quantidade de comida, o que facilita muito a reeducação alimentar (mudança do comportamento). Uma dose diária de 10 ou 15 mg, combinada com refeições regulares ao longo do dia, é suficiente para provocar uma forte redução da ingestão calórica. Além disso, as pessoas que perdem peso com o auxílio da sibutramina mantém a dieta por mais tempo, e continuam com peso menor, quando comparadas com outros métodos. Ela tem também um efeito termogênico, ou seja, aumenta o metabolismo, consumindo mais calorias. Os medicamentos Plenty (da Medley, empresa farmacêutica de Campinas) e o Reductil são os que têm sibutramina no mercado brasileiro. Eles são tarjados (controlados) e portanto nunca devem ser tomados sem receita médica. A automedicação pode ser perigosa.

Mas há  uma série de precauções que precisam ser tomadas por quem quer emagrecer com o auxílio desses novos medicamentos. Não acredite em tudo o que a imprensa divulga, Com respeito ao Xenical, por exemplo, não se justifica o entusiasmo dos gordinhos e dos que não querem engordar depois de uma lauta feijoada ou suculenta picanha seja alto. Tem muita gente que está tomando o Xenical só quando vai comer demais, por exemplo, como se fosse uma pílula mágica, e acha que está protegida. Ao deixar de absorver somente 30% das gorduras ingeridas, adianta muito pouco se a pessoa não fizer também uma restrição dietética, mantendo o nível de gorduras baixo (carnes magras, poucos laticínios, etc.). Não é de espantar, portanto, que um recente estudo tenha mostrado que as obesos que tomaram Xenical emagreceram em média apenas 2.5 kg do que os não tomaram. A sensação falsa de "proteção" contra comer de tudo pode ter sido o responsável por esse resultado decepcionante.

Outra coisa é a mania que o brasileiro tem de combinar por conta própria vários medicamentos para ver se há um efeito maior e mais rápido. Isso é muito perigoso. Algumas combinações, como Xenical mais Plenty, já estão sendo testadas pelos médicos endocrinologistas, com bons resultados, mas ainda é cedo para dizer se não há problemas em sua interação. Já tomar medicamentos anorexígenos com sacietógenos é proibido: ambos agem na mesma região do sistema nervoso, e seu efeito combinado pode ter conseqüências graves e não se justifica.

Para emagrecer mesmo, nada melhor que o velho e comprovado remédio de fechar a boca e fazer exercícios. O organismo só queima a gordura armazenada quando o balanço calórico (quanto que se ingere e quanto se gasta) é negativo. Quanto maior for essa diferença, mais rápida será a perda de peso. A dieta limita a ingestão calórica, e o exercício é uma maneira natural de aumentar o metabolismo. Os novos remédios simplesmente ajudam o organismo, mas só funcionam efetivamente em combinação com a dieta e o exercício, principalmente para quem tem que perder mais de 10% da massa corporal.
 

Para Saber Mais

 

 


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 6/2/1999.

Autor: Email: renato@sabbatini.com

WWW: http://renato.sabbatini.comJornal:http://www.cpopular.com.br


Copyright © 1999 Correio Popular, Campinas, Brazil