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Sociopatia e o Assassino Serial

 

Renato Sabbatini

A maioria das pessoas não consegue entender como surge uma personalidade criminosa e anti-social, como a de Francisco Pereira, o "maníaco do Parque", estuprador e assassino serial que matou dez mulheres em poucos meses, em São Paulo. Sua advogada e seus pais falam em "doença" e psicopatia, e que Francisco merece respeito e compaixão, ao invés de punição severa. O próprio criminoso alega ter um "lado ruim" que o domina de forma incontrolável e o leva a fazer esses atos, e declarou ser um psicopata para pelo menos uma das vítimas que dele escapou.

Até que ponto ele está falando a verdade ? Em nosso sistema penal atual, a justiça precisa saber com certeza se Francisco foi levado aos seus crimes por um distúrbio mental ou nervoso pelo qual não tem culpa, ou se ele teve livre arbítrio e plena consciência do que estava fazendo e de suas conseqüências.

Francisco exibe muitas das características que a psiquiatria associa ao que se chama de sociopatia, ou distúrbio da personalidade anti-social. O sociopata tem inteligência normal ou acima do normal, exerce um considerável charme pessoal e, em geral, não tem nenhuma ansiedade, depressão, alucinações ou outros sintomas e sinais indicativos de neurose, pensamento irracional ou doença mental. Normalmente são serenos, tranqüilos, têm presença social considerável e boa fluência verbal. Muitas vezes são líderes em sua família ou grupo social, e se distingüem em algo, podendo ser admirados por isso. A grande maioria das pessoas, em contato com o sociopata, é incapaz de imaginar o seu lado "negro", que alguns conseguem esconder com sucesso a maior parte da vida, através de uma vida dupla.

O que há de anormal na personalidade sociopata ? O mais impressionante é a sua total falta de remorso ou de vergonha pelos crimes que pratica, o que levou no passado à designação de "insanidade moral", ou "insanidade sem delírio". O sociopata é um egocêntrico patológico, totalmente auto-centrado e incapaz de qualquer forma de amor ou ligação sentimental com outras pessoas. Manifesta total desprezo pelos outros seres humanos, e tem um déficit grande na capacidade de sentir emoções (uma das teorias mais aceitas é da hipoexcitabilidade emocional). Por causa disso, o sociopata não aprende com a punição, modificando seu comportamento. A atitude dele, ao reconhecer que seu comportamento não é aceito pela sociedade, é escondê-lo, jamais suprimí-lo. O comportamento anti-social é geralmente de natureza impulsiva, e pode assumir diversas formas, desde a irresponsabilidade, a mentira deliberada e o comportamento objecionável (como agressividade e mudanças súbitas de temperamento), até a violência gratuita e radical contra outros seres humanos, como a tortura, o estupro e a morte.

Qual é a causa da sociopatia ? Ela é tratável ? A verdade é que ninguém sabe. Até agora não foram identificadas alterações cerebrais significativas nos sociopatas, a não ser algumas mudanças do eletroencefalograma, que indicam um cérebro imaturo. Existem teorias de que a formação familiar na primeira infância é um determinante importante: forte rejeição, falta de amor, mas principalmente falta de disciplina e punição. Muitos filhos de pais com distúrbios anti-sociais acabam sendo sociopatas.

No entanto, realmente parece haver algo anormal, biologicamente. Desde pequenos, os sociopatas manifestam tendências e comportamentos que são altamente indicativos de como serão quando adultos. A criança sociopática, por exemplo, é imune à punição, e não é afetada pela dor. Nada parece funcionar para modificar seu comportamento: repreensão, surras, castigos, etc. Os pais desistem, normalmente, o que agrava a situação. Além disso, a criança sociopática apresenta uma história de torturar ou matar pequenos animais, pequenos furtos, agressão a coleguinhas de escola ou professores, de desafio aberto à autoridade dos pais e professores, mentiras sistemáticas e irresponsabilidade geral com seus deveres.

O mais assustador é que entre 1 a 4 % da população é sociopata em maior ou menor grau. Praticamente 100 % dos assassinos seriais são sociopatas, e nos casos mais severos, a doença pode evoluir para canibalismo, práticas ritualisticas de morte e tortura, e outras formas bizarras e assustadoras. Não existe cura nem tratamento para a sociopatia. Todos os especialistas são unânimes em reconhecer que é praticamente impossível tratar um sociopata, pois ele não tem ansiedade, e é totalmente imune à punição. Os sociopatas violentos como Francisco precisam ser trancafiados para o resto da vida no manicômio judiciário, para que a sociedade seja preservada de seus atos (o filme "Silêncio dos Inocentes" mostra um sociopata típico nessa situação, o Dr. Hannibal Lecter). Ou então executados por eles, como acontece em muitos países onde existe a pena de morte para crimes hediondos.

Esse dado poderá contribuir para o debate sobre a adoção da pena de morte na sociedade brasileira, que tantos estão pedindo.  


 

Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 14/08/98.

Autor: Email: renato@sabbatini.com


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