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Saúde é informação

Renato Sabbatini

Boa informação é requisito essencial para se ter boa saúde. Com esse mote, a Organização Mundial da Saúde, o órgão oficial da ONU na área deveria ter suplementado o seu já famoso programa "Saúde para Todos no Ano 2000". Meta, aliás, que infelizmente não se concretizou, por vários motivos, um dos quais foi o de falta de investimentos sociais nos países menos desenvolvidos.
 
Existe uma relação direta entre nível educacional e o status de saúde de uma população. Por exemplo, a incidência de complicações na gravidez, parto e pós-parto é mais do que o triplo nas mulheres com até o curso primário do que nas mulheres com curso universitário. É claro que uma parte dessa diferença pode ser atribuída à falta de dinheiro (também existe uma forte correlação entre nível sócio-econômico e nível educacional), ou de alimentação adequada, ou de falta de condições sanitárias e de moradia adequadas. Entretanto, diversos levantamentos médicos e sociológicos mostram sem sombra de dúvida, que a ignorância da mulher pouco educada a respeito de seu próprio corpo e da necessidade de exames pré-natais periódicos, cuidados preventivos, auto-detecção prematura de problemas, etc., é um fator muito importante. No Brasil, cerca de um terço a metade das mulheres de baixo nível educacional não fazem qualquer controle pré-natal, apesar dele estar amplamente disponível em boa parte da rede pública de saúde (SUS). Indagadas por ocasião do parto, declaram que "não sabiam" que era necessário. O mesmo se aplica no parto e no período perinatal imediato. Muitas mães fazem o parto com "curiosas" das redondezas (tão pobres e ignorantes quanto elas), adotam práticas tradicionais ou supersticiosas deletérias (colocar materiais estranhos no coto do umbigo do bebê, por exemplo), ou não procuram o médico em caso de infecções puerperais (encaradas como problemas área deixa a desejar. Na Internet, cerca de 60% dos usuários usam a rede para procurar regularmente informações sobre saúde. Aliás, a Internet é uma verdadeira revolução nesse sentido. Uma TV ou rádio oferecem (quando oferecem) programas em horas e datas determinadas, e o usuário não pode selecionar o tema. Na Internet, a informação é abundantíssima, e pode ser acessada por demanda.

No entanto, nossa TV e rádio abertos, com as exceções de praxe (emissoras educativas e universitárias) são paupérrimas quanto à programas voltados à saúde. Na Europa, o modelo é diferente: os programas de saúde são muitos, e quase sempre veiculados no horário nobre. Na Alemanha, onde morei por vários anos, os canais mais assistidos pela população, como o ZDF (Zweites Deutches Fernsehen, ou Segunda Televisão Alemã), e a mais assistida, tem programas interessantíssimos voltados à forte demanda da população alemã por temas de medicina e saúde.

Muitas emissoras alegam que programas voltados à saúde, apesar do interesse da população, dão IBOPE muito baixo, e que elas têm dificuldades de atrair anunciantes, pois existem limites éticos rígidos à propaganda especializada na área médica. Os remédios são o produto mais consumido pela população, e as indústrias farmacêuticas têm muito dinheiro para anunciar, mas é proibido fazer anúncios em veículos de massa sobre medicamentos que necessitam receita médica. Apenas medicamentos sem necessidade de receita (que no jargão da indústria são chamados de OTC, ou "Over The Counter", ou seja, vendas de balcão) podem ser propagandeados (vitaminas, analgésicos, tônicos, etc.: lembrem-se das propagandas famosas e antigas do Biotônico Fontoura, Óleo de Fígado de Bacalhau Scott, Regulador Gesteira, Pílulas do Dr. Ross, e as mais modernas, como Vitasay, Doril ("tomou Doril, a dor sumiu..."), Gelol. A fabricante desses três últimos gasta um dos maiores orçamentos de publicidade em TV do País, e certamente deve ter um excelente retorno desse investimento. Os laboratórios adorariam poder fazer publicidade de medicamentos "barra pesada", como Viagra, Xenical, etc., mas o Conselho Federal de Medicina não permite, pois pode induzir à automedicação, com sérias conseqüências negativas para a saúde da população. Além disso, como a indústria farmacêutica é inteiramente dirigida para os aspectos curativos da doença, e não para sua prevenção, a propaganda acabaria "educando" erradamente o consumidor.

Um aspecto final a respeito da informação sobre saúde é que existem muitas iniciativas espetaculares, mas que são pouco conhecidas pela população. O Ministério da Saúde, por exemplo, tem um excelente grupo de promoção de informação em saúde, que desenvolveu mais de 60 fitas de vídeo e centenas de clipes para rádio, além de muito material impresso, para distribuição em postos de saúde e escolas secundárias. Os clipes de rádio, por exemplo, são muit iniciando-se já no ensino fundamental. Mas é o aprendizado informal, através de jornais, revistas, rádio e TV (e agora, a Internet), que fornece a maior parte das informações que as pessoas recebem sobre temas de saúde, em complementação ao pouco que é passado na educação formal. Essa informação é fundamental, pois torna possível a assim chamada "decisão bem-informada", ou "consentimento bem-informado", tais como saber quando procurar um profissional de saúde, decidir vacinar os filhos, seguir hábitos saudáveis e abandonar hábitos deletérios para saúde (como parar de fumar), concordar com um tratamento médico prescrito, obedecer rigorosamente uma receita médica, etc. Especialmente no mundo complexo da medicina de hoje, e do caráter falível dos seus profissionais (que não são perfeitos), é imprescindível que as pessoas participem nas decisões médicas sobre sua própria saúde, sabendo, inclusive, discriminar quando a conduta do profissional pode estar errada, falha ou omissa. Todo mundo conhece, ou já passou por situações em que uma decisão pessoal, baseada em conhecimento adquirido espontaneamente sobre saúde, reverteu ou evitou um possível erro médico ou negligência. Felizmente, são episódios raros, mas, como diz o ditado, "o seguro morreu de velho".

Apesar disso tudo, o conhecimento dos leigos sobre problemas de saúde é ainda muito baixo. São espantosos os mitos, os preconceitos e o nível de ignorância sobre as coisas mais elementares do funcionamento do corpo humano na saúde e na doença, até mesmo em pessoas de suposto nível superior. O motivo principal é que até recentemente o acesso do público em geral a essas informações, principalmente em nível de consulta (resposta a perguntas), era muito difícil.

A Internet chegou para revolucionar profundamente esse quadro, por três motivos: primeiro, a informação disponível é simplesmente gigantesca. Existem mais de 25 mil sites médicos e de saúde no mundo, o que eqüivale a uma biblioteca de 400 ou 500 mil páginas. Segundo, achar informação sobre qualquer coisa na Internet é muito fácil e rápido, graças aos catálogos on-line e os famosos "mecanismos de busca", que permitem localizar documentos relevantes em questão de segundos, apenas digitando-se algumas palavras que o descrevam de forma até coloquial (por exemplo, "novos tratamentos do câncer de mama"). Este recurso funciona espetacularmente bem na busca de doenças raras, que geralmente são pouco conhecidas até pelos próprios médicos ("Mal de Takyassu", "Síndrome da Mão Alheia", "PNET"). Anteriormente, os meios tradicionais para achar informação sobre coisas como essas estava totalmente fora do alcance do paciente médio. Hoje, qualquer um é capaz de localizá-la em segundos. E, finalmente, é quase que universalmente gratuito, o que vai contra o modelo tradicional de comercialização do conhecimento e abre um fabuloso espaço para que as pessoas carentes de recursos financeiros possam aprender sem gastar nada.

Outro grande diferencial da Internet é a sua interatividade, ou seja, as pessoas podem dialogar através desse meio, como o fazem através questões de pacientes pela Internet. O mais antigo, em funcionamento desde 1996, é operado pelo Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, através do Hospital Virtual Brasileiro (http://www.hospvirt.org.br) e das várias revistas eletrônicas para leigos que fazem parte dele, como Saúde & Vida On-Line, Cérebro & Mente e NutriWeb  São centenas de emails por semana, vindos de todos os estados brasileiros, e de muitos países. Um corpo de médicos e outros profissionais de saúde responde gratuitamente algumas das perguntas enviadas, e as melhores respostas são colocadas na Internet, também.

Pois bem. Uma coisa que tem me surpreendido muito (eu sou um dos profissionais que responde a muitas questões toda semana) é o enorme interesse da população por temas de saúde, e como essa carência é pouco atendida pelos meios tradicionais (inclusive os próprios médicos que atendem o paciente).

Eu não tenho dúvida, portanto que a Internet terá cada vez mais um impacto grande nas práticas da saúde. E, mais uma vez, veremos que é verdadeira a equação informação = saúde.

Para Saber Mais


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 3/11/2000 e 17/11/2000.
Autor: Email: renato@sabbatini.com

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