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Computação emocional

Renato Sabbatini

Computadores são estúpidos.

Esta é uma afirmação freqüente dos usuários de computadores, que muitas vezes ficam frustrados e irritados com alguns tipos de respostas dadas por eles. Quem já não falou um palavrão ou teve vontade de jogar o computador pela janela ao receber uma daquelas famosas mensagens de erro "Error: Abort, Retry or Cancel?", justamente na hora em que estava gravando em disquete um trabalho de horas e horas… Até o termo "abortar" tem conotações emocionais inadequadas para a mensagem que os projetistas do software tinham a intenção de comunicar.

Está acontecendo uma coisa muito interessante: estamos passando cada vez mais tempo de nossas vidas interagindo e dialogando com uma máquina que nos auxilia em muitas tarefas extremamente inteligentes, até mais tempo do que com nossos companheiros ou filhos. Muitos softwares atuais já incorporam mecanismos semi-inteligentes. Por exemplo, os programas do Microsoft Office 97 tem aquele famoso "Clip-It", um bonequinho em forma de clipe, que "sente" o que usuário está tentando fazer quando cometeu um erro, e oferece ajuda específica. O programa Word detecta automaticamente certos erros ortográficos e os corrige à medida que se escreve.

No entanto, embora essas interfaces sejam um pouco melhores do que o infame "Abort or Retry" dos tempos do DOS, elas ainda deixam muito a desejar com relação ao aspecto emocional. Eu, por exemplo, detesto as interferências do Mr. Clip-It, e "desliguei-o" de todos meus programas. Da mesma forma, prefiro eu mesmo comandar a revisão ortográfica dos meus textos, porque algumas da correções tentadas pelo Word são cretinas e até erradas (por exemplo, o meu programa tem a mania de achar que quando uso a palavra "an" em inglês, na realidade eu estou querendo usar "na", e a modifica sem pedir licença ! Muito irritante).

Um dos motivos dos computadores serem julgados estúpidos é justamente porque eles não tem qualquer capacidade de interação em nivel emocional. Um cachorrinho de poucos meses de idade é mais inteligente do que um computador nesse sentido. Mesmo sem conhecer a linguagem verbal humana, ele é incrivelmente proficiente em reconhecer quando estamos alegres, tristes, carinhosos ou irritados, e reagir de acordo com cada estado emocional.

Os psicólogos sabem que o aprendizado, a inteligência, e até a razão são muito dependentes da emoção. Somente somos capazes de aprender quando há motivação, ou seja, emoção. Pessoas que por motivos patológicos (como os psicopatas, tipificados pelo "maniaco do parque") são incapazes de sentir emoção se transformam em monstros. Um neurologista radicado nos Estados Unidos, Antonio Damásio, escreveu um livro belíssimo, "O Erro de Descartes", em que ele mostra de forma inequívoca que René Descartes (filósofo francês do século XVII) estava errado ao afirmar que as emoções e a razão eram incompatíveis; coisa que muita gente pensa até hoje.

Então, podemos concluir que um computador será verdadeiramente inteligente apenas quando for capaz de interagir e se comunicar em nível emocional com o usuário. Ele terá que sentir o estado emocional do usuário, interpretar o que ele significa no contexto da interação, e reagir de acordo, seja em nível racional, seja em nível emocional (inclusive "sintetizando" emoções que sejam compreensíveis para o ser humano).

Já existe toda uma linha de pesquisa da ciência da computação no sentido de estudar essas coisas. No Media Lab do MIT, a Profa. Rosalind Picard, por exemplo, dirige um grupo de "Affective Computing" (computação afetiva), com projetos sensacionais (veja http://affect.www.medialab.mit.edu)

Os sistemas construídos pelo grupo da Profa. Picard tem alguns sensores que detectam o nível emocional do usuário e são capazes de determinar com grande acurácia (mais de 90 %) se ele está irritado, feliz, frustrado, etc. Em seguida, reagem "racionalmente" e "emocionalmente" conforme o estado emocional do usuário (por exemplo, o computador pode tentar aplacar a irritação do usuário usando mensagens mais gentis, pedindo calma, e até reagindo emocionalmente também, se for o caso). Diversos estudos mostram que as pessoas são incapazes de distingüir emoções reais de emoçòes simuladas !

As aplicações estudadas pelo Mídia Lab são fantásticas. Incluem instrumentos musicais que sentem o nivel emocional do intérprete, por exemplo. Ou um "professor afetivo", que modifica as lições por computador de acordo com a reação emocional do aluno. No próximo artigo eu conto mais.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 22/9/98.

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