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O modelo morreu, viva o modelo

Renato M.E. Sabbatini

Como tudo que é baseado em alta tecnologia, o setor de telecomunicações em todo o mundo está em constante evolução e transformação. Devido ao alto impacto dessas tecnologias na vida de todos nós, e ao imenso valor agregado de seus bens e serviços, as tendências de globalização, privatização, etc., passam a ser extremamente importantes. As atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico das telecomunicações sempre foram um elemento fundamental de dominância econômica: daí o grande significado dos 20 anos de atuação do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD) da Telebrás, o gigante estatal de telecomunicações (um patrimônio estimado em quase 30 bilhões de dólares, R$ 1,263 bilhão de gastos com pessoal no primeiro semestre deste ano)

Indubitavelmente, o Sistema Telebrás fez do Brasil um dos países mais avançados do Terceiro Mundo, em matéria de infra-estrutura e conhecimento tecnológico das telecomunicações. O modelo atual teve inicio nos anos do governo militar, quando se considerou de alta importância estratégica dotar o país de um sistema moderno de telecomunicações. O modelo, totalmente estatal e monopolista, se ajustava ao objetivo governamental (também calcado em razões de estratégia geopolítica e militar) de substituir as importações brasileiras, grandemente estimulado pelo Governo Geisel. O CPqD fazia parte dessa estratégia, e assim trabalhou por 15 anos no desenvolvimento de produtos nacionais, tais como sistemas de radiocomunicação, centrais telefônicas, componentes eletrônicos, fibras óticas, terminais, sistemas de telemática (integração dos computadores às redes de telecomunicação), etc. A partir de parcerias com universidades e outros centros de pesquisa (dos quais a UNICAMP sempre foi um dos maiores parceiros, não por coincidência, pois foi uma das razões da Telebrás ter escolhido Campinas para sede do CPqD), o Centro adotou uma política vigorosa de transferência das tecnologias desenvolvidas para as indústrias nacionais. É o caso, por exemplo, do desenvolvimento das centrais telefônicas computadorizadas da linha Trópico, que pouquíssimos países conseguiram desenvolver a partir do zero, como foi feito aqui, e que foram repassadas para várias indústrias, com muito sucesso, ou do telefone público por cartão.

Os resultados foram extremamente significativos para o País. Nesses 20 anos, o CPqD registrou 108 patentes e 262 marcas de produtos e serviços, e transferiu 83 produtos para 57 indústrias em mais de 40 linhas tecnológicas. O CPqD, com sua incrível capacitação tecnológica e enorme massa de recursos humanos e materiais, fez bonito, e tornou-se o orgulho do Sistema, nos seus primeiros 15 anos.

No entanto, paradoxalmente, quando os governos democráticos, a partir de Sarney, assumiram o controle do cenário, o modelo começou a fazer água. O discurso empolgado dos governantes, sempre a favor da pesquisa tecnológica nacional, era inversamente proporcional às verbas, cada vez mais minguadas. Primeiro, foi o desvio inominável de recursos do Fundo Nacional de Telecomunicações, cobrado sobre cada conta telefônica, e que era a mais importante fonte de dinheiro para pesquisa, desenvolvimento e infra-estrutura. Os investimentos caíram verticalmente, os salários também, e começou o sofrimento do CPqD. Nessa época, muitos dos excelentes técnicos do Centro debandaram em busca de melhores oportunidades, ou faziam bicos para sobreviver (um amigo meu que era pesquisador do CPqD, por exemplo, consertava aparelhos de videocassete em casa !). Em seguida, com o governo Collor, o modelo vigente de serviços públicos foi duramente atingido. Resultado: o Brasil ficou atrasado, os preços dos telefones subiram a níveis absurdos, o congestionamento do sistema ficou crítico, a qualidade dos serviços caiu muito. Tudo isso prejudica a própria nação e a sua economia. Mais conseqüências negativas para o CPqD. Hoje, ele desenvolve poucos produtos, e se limita a ajudar o STB no que necessita em termos de conhecimento tecnológico, inclusive, como diz a própria propaganda institucional do CPqD, ajudar a escolher equipamento para comprar no exterior (uma forma de tecnologia, segundo eles...).

Com a mudança gradual do modelo, a liberalização e a internacionalização da economia apontavam para outras direções: investimentos estrangeiros, compra de tecnologias mais modernas lá fora, privatização. A tendência continuou no Governo FHC, só que muito mais agressiva (ironicamente, por um presidente que já foi sociólogo de esquerda). O ministro “Serjão” Motta joga duro: fez aprovar pelo Congresso a mudança radical do modelo institucional e a regulamentação legal do Sistema, abriu as portas para a iniciativa privada e estrangeira, pretende aumentar dramaticamente o investimento na infra-estrutura do setor, basicamente usando fundos privados. Tudo em nome da modernização da sociedade e da economia brasileira, tentando se adaptar aos novos ventos internacionais.

A telefonia celular, por exemplo, que é a “menina dos olhos” de todas as empresas de telecomunicação, pelo altíssimo retorno em relação ao investimento em infra-estrutura. O governo está abrindo a famosa banda B (a que está mais “vazia” no congestionado espectro radiomagnético) para exploração privada, bem como o lançamento do primeiro satélite privado de telecomunicações brasileiro, para explorar a banda KU. Como resultado, estima-se que o STB poderá perder mais de US$ 600 milhões de faturamento ! Sem falar na competitividade do sistema estatal, que é baixa, para falar o mínimo, devido à notória ineficiência e altos custos operacionais. Mais perdas, menos dinheiro para pesquisa e desenvolvimento....

Assim, entre outras coisas, o programa do ministério de telecomunicações quer aumentar o número de linhas telefônicas convencionais, de 15 para 40 milhões; as linhas de celulares, de 800 mil para 18 milhões, e os telefones públicos, de 500 mil para 1,3 milhão. Onde fica o CPqD em tudo isso ? Será uma briga de gigantes, onde menino não entra. Só a Nynex, uma das grandes empresas americanas, promete investir mais de US$ 1,5 bilhão para tentar ganhar a fatia mais apetitosa, São Paulo, Rio e Minas. GTE, Alcatel, MCI, AT&T e outras, prometem entrar para valer, para abocanhar essa expansão até onde der, e estão tratando o mercado brasileiro como um dos alvos de seus investimentos no mundo, para os próximos anos. Difícil competir, embora a Telebrás tenha vantagens importantíssimas (uma delas é ser “dona” de praticamente 99 % da infra-estrutura de cabos, antenas e satélites do sistema brasileiro, e conhecer como ninguém esse território).

Minha opinião é que a Telebrás e suas coligadas, se desejam competir de igual para igual com as operadoras estrangeiras, vão ter que continuar investindo em tecnologia, e deveriam reforçar o CPqD e seu modelo de pesquisa de tecnologias de ponta. Dominar bem, hoje, as tecnologias que serão usadas daqui a 10 anos, é fundamental, e isso o CPqD poderia fazer, deixando de lado, como já fez, o desenvolvimento de produtos que já viraram rotina. Redes digitais com gigabits de capacidade, “guarda-chuvas” de satélites de baixa altitude, integração com redes globais, como a Internet, sistemas ultraportáteis e globais de telefonia celular, tudo isso carece de investigação e conhecimento no Brasil. O CPqD, devidamente reabilitado pelo Sistema, poderia assumir o papel. Um novo modelo é necessário, frente aos novos desafios, e o STB está lutando para encontrá-lo. Há dificuldades. Para citar uma, o valor da Telebrás no mercado acionário é a metade do que realmente vale. Isso reflete os riscos da privatização, que pode levar à destruição insensata, se não se tiver cautela, de um modelo, que se já não funciona de acordo com as novas modas da economia global, pelo menos é a única coisa que temos funcionando em matéria de telecomunicações, até o momento.

De qualquer forma, e apesar dos problemas, meus parabéns ao CPqD, e a sua brilhante e digna trajetória no panorama da tecnologia brasileira.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
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