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Livros inteligentes

Renato M.E. Sabbatini

A medida que a humanidade evolui, tornam-se cada vez mais sérios os problemas gerados pela tecnologia obsoleta da palavra impressa. Só para dar um exemplo: apenas na área médica, são adicionados ao conhecimento mundial cerca de um milhão de palavras por hora, publicadas em mais de 6.000 livros novos por mês, e mais de 25.000 revistas e outros tipos de periódicos. A maior biblioteca médica do mundo (a National Library of Medicine, situada em Washington, nos EUA), tem em seu acervo mais de 650.000 livros médicos, e cerca de 20 milhões de artigos impressos. Para armazenar apenas os títulos e nomes de autores destas obras, é necessário um gigantesco arsenal de computadores, os maiores que são fabricados atualmente. E o pior é que, segundo o que a própria NLM admite, ela não chega a cobrir 50% de tudo que é publicado em Medicina, mundialmente !

O crescimento explosivo do conhecimento impresso gerou muitos problemas, mas o principal deles é que, se este ritmo continuar, acabaremos todos ignorantes... por excesso de saber. Torna-se cada vez mais difícil localizar o conhecimento desejado e manter-se em dia com a evolução do conhecimento, mesmo em áreas extremamente especializadas. O que fazer diante da débâcle do sistema que Herr Gutemberg iniciou, tão inocentemente, 400 anos atrás ?

Um desenvolvimento tecnológico previsto com muito otimismo foi a disseminação maciça dos meios eletrônicos de publicação, tais como redes de computadores, videotexto, videodiscos, etc. Mas porque a mídia eletrônica ainda não "decolou", como merecia ? Evidentemente, porque o livro, a revista e o jornal oferecem ainda muitas vantagens, além de qualidades sensoriais e estéticas que dificilmente são reproduzidas eletronicamente. A impressão é um meio bastante econômico de armazenar e disseminar informação, ainda.

O que precisa mudar, evidentemente, é a "embalagem" da informação eletrônica, ou a forma como ela é distribuída aos usuários. Uma das primeiras idéias sobre como seria o livro do futuro foi proposta há mais 20 anos, por Allan Kay, um cientista norte-americano da Xerox Corporation, que previu o aparecimento, por volta de 1990, do que ele chamou de Dynabook, ou livro dinâmico. O Dynabook seria um computador portátil, de baixo consumo de energia, com o tamanho e aspecto exato de um livro. Ao ser aberto, mostraria duas telas em forma de páginas, onde apareceriam textos e ilustrações, em cores, e com legibilidade perfeita, igual as de um livro impresso. Só que, na realidade, ele representaria milhares ou milhões de livros em um só. Pressionando uma tecla, ou encostando o dedo nas páginas, o leitor provocaria um "virar de páginas" eletrônico, permitindo avançar ou recuar no texto. Uma gigantesca capacidade interna de memória, e pequenos cartuchos removíveis de memória garantiriam uma biblioteca eletrônica inesgotável, à disposição do feliz possuidor de tal maravilha.

A tecnologia de gravação óptica permitiu que essa previsão já esteja se tornando realidade. Hoje é possível comprimir-se 500 milhões de caracteres em um disco de plástico metalizado de 8 cm de diâmetro. Isto dá para armazenar mais de 200 livros de 200 páginas cada um ! Estes discos, que utilizam a mesma tecnologia laser dos CDs de áudio permitem ainda armazenar ilustrações em cores, bem como sons em estéreo (que tal ler um livro sobre óperas de Puccini, no qual trechos de gravações originais de Caruso são tocadas para você pelo livro ?).

Recentemente a empresa japonesa Sony lançou mundialmente o DataDisc, um aparelho pouco maior do que um walkman, que tem uma tela de cristal líquido e um pequeno teclado. Inserindo-se um disquete laser no aparelho tem-se acesso ao texto completo a às ilustrações de um número muito grande de livros. Para ter uma idéia, juntamente com o aparelho, que custa cerca de US$ 500 no exterior, são fornecidos um disco contendo uma enciclopédia com 26 volumes, outro com um dicionário universal de tradução simultânea de 20 idiomas um para o outro, e um terceiro disco com uma enciclopédia de saúde e medicina. Entre as obras já disponíveis para o DataDisc, encontram-se uma edição da Bíblia, as obras completas de Shakespeare, e muitas outras. A forma de uso do DataDisc é exatamente igual à prevista para o Dynabook, com uma vantagem: existe um programa de busca, que permite especificar a palavra ou palavras que queremos achar no texto, em qualquer combinação. Após um tempo muito curto, o DataDisc localiza os trechos exatos do livro ou enciclopédia onde essas palavras podem ser encontradas, e os mostra na tela.

Vemos então que o Dynabook não só seria um livro eletrônico, mas também um livro inteligente. Com um pouco mais de tecnologia, ele poderá até "conversar", "raciocinar" e "argumentar" com o seu leitor, tornando a aquisição do conhecimento uma coisa dinâmica e divertida. Aliás, este era o intuito original de Kay, ao propor o Dynabook: a revolução na sala de aula.

Quem sabe até que, nas bibliotecas do futuro, os livros poderão conversar entre si. Fantástico, não é mesmo ? É só imaginarmos que, se um livro for dotado de capacidade de aprender e armazenar novos conhecimentos, de forma autônoma, o seu dono poderá mandá-lo fazer periodicamente um "estágio" numa biblioteca de boa reputação, onde ele, lado a lado com livros mais especializados e "sabidos", absorverá tudo o que for de futura utilidade para o seu dono...


Publicado em: Jornal Correio Popular, 6/2/92, Campinas
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