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Dilemas da Internet

Renato M.E. Sabbatini

Outro dia ouvi o seguinte argumento de um editor de uma revista médica, o qual eu estava tentando convencer a colocá-la disponível na Internet: "Ninguém vai ler minha revista, porque os médicos não usam a Internet".

Realmente, esse senhor tem uma certa razão em sua argumentação. Pouquíssimos médicos brasileiros usam a Internet atualmente. No entanto, ele está se esquecendo de uma coisa: no começo, toda nova tecnologia de comunicação padece do mesmo problema, ou seja, a falta de usuários ! É natural. Vejam, por exemplo, a engraçadissima história do início da televisão no Brasil, contada pelo Fernando Moraes em seu belo livro sobre Assis Chateubriand. O Chatô, como o chamavam, já era, na época (início dos anos 50), um magnata da mídia impressa, capitaneando o primeiro conglomerado de comunicações no Brasil, os Diários Associados. Pois bem, Chatô botou na cabeça que ia trazer a TV para o Brasil. Foi aos EUA, arrematou um lote de equipamentos de transmissão, câmaras de TV, etc., e trouxe tudo para o Brasil. Fundou o primeiro canal brasileiro, a TV Tupí, contratou artistas, diretores, técnicos; e montou toda uma programação noturna (na época era tudo ao vivo, não existia ainda o videoteipe).

Chegando o dia da inauguração solene da primeira transmissão da TV Tupí, com direito a cardeal e governador, alguém se lembrou do detalhe mais importante: não havia nenhum aparelho de TV no Brasil !! Quem iria assistir à programação ? Chatô não se apertou, e fez o único que podia ser feito nessa situação: comprou vários aparelhos em lojas de importados, e os colocou no saguão do prédio dos Associados em São Paulo. Durante semanas, era o único lugar do Brasil onde podia se assistir a magnífica e revolucionária programação da Tupi. Formavam-se filas de pessoas do lado de fora dos Associados, para ver tamanha novidade. Depois, é claro, rapidamente a população começo a comprar aparelhos, e formou-se uma população de telespectadores, necessários para que todo o resto funcionasse (inclusive a propaganda).

A Internet, apesar de todo o oba-oba, ainda está nesse estágio primitivo do começo da TV no Brasil. Estima-se que nos EUA, onde existe o maior número de usuários e um dos maiores usos per capita (a maior é a Austrália), apenas 3 % da população tenha acesso à Internet. No Brasil é menos ainda: temos ínfimos 0,07 % da população. Mesmo nas universidades, quase todas já conectadas à Internet, e onde o acesso à Internet é quase imprescindível, a porcentagem de docentes com acesso à Internet ainda é muito baixa.

A situação está mudando rapidamente, no entanto. À medida em que passarem a existir informações disponíveis apenas través da Internet (como revistas, por exemplo), os usuários serão compelidos em números cada vez maiores a entrar na Internet. Os especialistas em Internet estão fazendo uma projeção de que 60 % da população norte-americana será usuária da Internet na virada do século, ou seja, dentro de 6 anos. Nesse caso, se configura um mercado fabuloso para qualquer tipo de informação em rede. Com esses números, por exemplo, torna-se economicamente mais vantajoso editar uma revista como Veja apenas na rede, praticamente "matando" a edição em papel.

Mas tem o outro lado, também. Se um médico ginecologista, por exemplo, entra na Internet e não acha nada sobre sua especialidade, ele vai ficar frustrado e não vai mais querer perder tempo com a rede. Então, é necessário, simultaneamente, colocar informação. Não seria possível, em nosso exemplo da TV, querer que uma parte significativa da população comprasse TV, para só depois pensar em montar o primeiro canal e oferecer programas, não é mesmo ?

Conclusão: tudo tem que crescer simultaneamente, um puxando o outro: os usuários e os serviços de informação. Uma vez atingida uma massa crítica, o processo deflagra e se auto-mantém, crescendo com força própria. E é exatamente isso que vai acontecer com a Internet, não tenho dúvidas. Os geradores de informação, como o Correio Popular, tem que cumprir o seu papel, acreditando no futuro, e estabelecendo presença na rede Internet, mesmo que o número de leitores on-line seja baixissimo, no começo.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Caderno de Informática, 19/12/95, Campinas
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