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Programar é errar

Renato M.E. Sabbatini

O lançamento do Windows 95 no mercado está deixando a Microsoft louca varrida. O motivo é o número de "bugs" (defeitos de funcionamento) achados pelos usuários, quando tentam usá-lo com os programas para DOS ou Windows 3.1. Uma primeira lista, divulgada pela própria Microsoft, tinha cerca de 750 programas com algum tipo de problema. Em algumas listas de discussão da Internet, essa lista já tem mais de 2.500 programas, e cresce diariamente. Isso, apesar de dois anos e meio de beta testes com mais de 400 mil usuários em todo o mundo ! Segundo consta, a Microsoft está recebendo mais de 25 mil telefonemas por dia, nos EUA, e a espera em linha está ultrapassando uma hora de duração. Centenas de milhares de usuários, decepcionados que seus programas favoritos não operam corretamente sob o Windows 95 (ou fazem coisa pior, como alguns programas de duplicação de espaço em disco, que simplesmente apagam arquivos, aleatoriamente !), estão removendo o programa do disco e voltando em massa ao velho e confiável 3.1...

Era algo esperado. O Windows 95 atingiu recordes em termos de tamanho (a melhor maneira de carregá-lo é através da versão em CD-ROM, pois a versão em disquete tem mais de 25 disquetes), complexidade (comenta-se que os programas-fonte do Windows 95 e seus utilitários ultrapassaria 2,5 milhões de linhas) e tempo para desenvolver e comercializar (a Microsoft começou a desenvolve-lo quatro anos atrás e o anunciou formalmente ao mercado três anos atrás). Um sistema operacional multitarefa dessa complexidade e tamanho tem, com certeza, milhares de "bugs". Além disso, como aconteceu com o Windows 3.1, que não funcionava bem em nada menor que um PC 386 com 25 Mhz (uma máquina cara, na época de seu lançamento, que pouca gente tinha), é temerário usar o Windows 95 em algo menos potente do que um PC 486 DX4, com 8 Mbytes de memória RAM. O ideal seria uma máquina com 100 Mhz de velocidade, ou mais, e 12 Mbytes de RAM ou mais. Pouca gente já tem um equipamento dessa envergadura.

Mas, creio que o Windows 95 veio para ficar. O único perigo é não aparecerem programas suficientes especificamente para ele, mas acho que essa é uma possibilidade remota. Mas vale a pena rememorar a história dos sistemas operacionais para computadores, para dar uma idéia ao leitor da demanda crescente por memória e velocidade. Minha história pessoal de usuário de Informática pode servir de exemplo, pois, apesar de não ser tão velho assim (48 anos), conviví com sistemas tão primitivos, a ponto de serem considerados ridículos pelas novas gerações.

Aprendí computação em 1970, em um curso de FORTRAN e MONITOR 1130, na USP de São Carlos. O computador que eu usei nesse curso (e, posteriormente, para vários trabalhos de desenvolvimento na linguagem FORTRAN) era um minicomputador IBM-1130, que foi vendido para várias universidades brasileiras na época, constituindo a espinha dorsal da computação acadêmica no Brasil. O 1130 tinha a espantosa memória de 32 Kbytes, um disco rígido de 2 Mbytes e velocidade de 1 Mhz (!!!). Não tinha disquete (isso ainda não existia), nem unidade de fita, e os programas e dados eram normalmente entrados através de cartões perfurados. No entanto, era utilíssimo, e era uma das melhores relações custo/potência da época. O seu sistema operacional, denominado MONITOR 1130, tinha apenas 2 Kbytes de tamanho, mas era bastante eficiente e potente, tendo cerca de 10 comandos de três letras (por exemplo //XEQ, que se EXeCute, servia para executar um programa). Não tinha "bugs" conhecidos.

Quando, na década dos 70, a IBM lançou a série 360, um computador de grande porte que foi um dos maiores sucessos comerciais de todas as épocas, o sistema operacional já tinha cerca de 100 Kbytes. Diz-se que foram encontrados, relatados e corrigidos mais de 5 mil "bugs", nas suas sucessivas versões... Os IBM-360 eram acometidos periodicamente da mais variada coleção de pragas, como travar subitamente, eliminar arquivos, etc., levando os usuários à loucura. Começava a se manifestar o que chamo "neurose cibernética", ou seja, minha teoria é que quanto maior um programa, mais provável ele ser vítima de sua própria complexidade, manifestando sintomas de "piração" muito difíceis de se diagnosticar e curar, exatamente como acontece com nosso cérebro, que é, seguramente, o computador mais complexo da natureza (cerca de 45 % dos seres humanos tem problemas mentais de alguma natureza, ao longo da vida).

Em seguida, o sistema operacional DOS inaugurou a moda de dar números de versões, pois a cada correção de "bugs" achados em uma versão, a Microsoft liberava uma nova versão, aproveitando para enxertar alguns recursos a mais. Usei sucessivamente o DOS 1.0, 2.0, 3.0, 3.1, 5.0 (não sei porque não usei o 4), o 5.1, o 5.11, o 6, e o 6.2. A cada vez, era necessário passar por todo o penoso ritual de reinstalar o sistema operacional, o que muitas vezes só podia ser feito bem, reformatando-se o disco rígido. Arrrrgh !

Quanto ao Windows 3.1, todo mundo parece ter-se esquecido do malfadado Windows 3.0, que deu dores de cabeça para muita gente. Mesmo agora, depois de muitos anos, e dezenas de milhões de usuários, ele ainda tem vários "bugs" estranhos, que ninguém se preocupou em consertar. Portanto, gente, meu conselho (que vou seguir à risca): esperem mais uns seis meses antes de embarcar no Windows 95 !


Publicado em: Jornal Correio Popular,Caderno de Informática, 12/9/95, Campinas,
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