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O reino do software

Renato M.E. Sabbatini

Final de julho é época de um ritual de inverno ao qual os brasileiros amantes da Informática já se acostumaram: visitar a fabulosa Fenasoft, a Feira Nacional do Software, no Parque Anhembi, em São Paulo.

A Fenasoft é feira cheia de superlativos. Este ano, provavelmente, passará para o primeiro lugar do ranking mundial de feiras de Informática, em público; e a segunda em número de expositores (a primeira, até o ano passado, era a CeBIT, realizada em Hannover, na Alemanha). E no países que hoje são os dois maiores produtores de bens de Informática, o Estados Unidos e o Japão, não existe nada nem de longe, sequer comparável à Fenasoft, em tamanho e vitalidade. E notem, isso em um país teoricamente de terceiro mundo, onde o número de computadores por habitante ainda é muito baixo (quatro vezes menor do que na Argentina, só para dar um exemplo com nosso vizinho mais próximo e concorrente), onde a penetração da Informática nos currículos de primeiro e segundo grau ainda é paupérrima (nos EUA, para dar um exemplo, 70 % das escolas usam e dão aulas de computação para seus alunos); e onde o poder aquisitivo médio da população é baixo (um salário mínimo dá para comprar cinco ou seis caixas de disquetes !!). Um espanto. Não é a toa que os jornalistas estrangeiros que vieram visitar a Fenasoft pela primeira vez, ficam mudos, sem conseguir explicar o que estão vendo.

Um milhão de visitantes. Essa é a marca e o recorde prometido por Max Gonçalves, o dinâmico empresário e professor de Informática de Florianópolis (ainda é, e também professor visitante da prestigiosa Universidade de Carolina do Norte) que acreditou, há quinze anos atrás, que uma feira só de software fazia sentido em um país onde a Informática apenas despontava. Foi chamado de louco, evidentemente, e gramou os problemas de infraestrutura do Rio de Janeiro por muitos anos, até se render à evidência de que lugar de feira nacional é em São Paulo, onde estão 40 % do mercado nacional. Saiu do Rio, aliás, por um problema ridículo: dias dias antes de começar a (última) Fenasoft realizado na assim chamada "Cidade Maravilhosa", Max ainda não tinha recebido da Prefeitura o alvará de autorização de uso do RioCentro. Acho que foi quando adquiriu seus cabelos brancos...

Realmente, é difícil de acreditar. Mas é verdade. Eu mesmo, quando escreví, dois anos atrás, em um boletim distribuído em todo o mundo pela Internet, que seria realizada em São Paulo uma feira que esperava 800 mil visitantes, recebí várias cartas de leitores de outros países, apalermados,, que me perguntaram gentilmente se eu não teria colocado um zero a mais... "You surely mean 80 thousand visitors, Dr. Sabbatini !". Mas não era erro não. Foi em 1994 que o mundo descobriu a pujança da Informática brasileira, apesar das estatísticas francamente desfavoráveis a que ocorresse um evento como a Fenasoft, em um país como o nosso. A prestigiosa revista Byte publicou um artigo, escrito por um dos seus mais conhecidos colunistas, e o estilo era, literalmente, "queixo caído".

Isso tudo nos deixa orgulhosos, é claro, mas qual seria a explicação para um fenômeno como esse: uma feira só de software, que atrai um milhão de visitantes, e que, aparentemente, só existe no Brasil ? É realmente muito intrigante. Podem existir muitas explicações, como a inegável genialidade para o marketing bem-feito, de Max Gonçalves e de sua jovem equipe; mas acho que existe uma fascinação tipicamente brasileira em relação ao software. Explico: como país produtor de hardware, estamos bem colocados (a décima maior indústria do mundo), mas nitidamente este não é o nosso forte. A reserva de Informática não adiantou grande coisa com relação à capacitação nacional nessa área. Não conseguimos montar um dos esteios principais de uma indústria autônoma, que é a microeletrônica (domínio de todos os ciclos de produção de massa de chips eletrônicos para computadores), por indecisão governamental e empresarial. Das indústrias montadoras que surgiram sob o manto protetor da reserva, pouquissimas sobreviveram com tecnologia própria. A grande maioria passou a ser mero representante de grandes indústrias multinacionais, como a HP, a IBM, etc., ou desmontou seus departamentos de pesquisa e desenvolvimento, passando a comprar projetos no exterior.

Resta, portanto, o objetivo principal da Informática, que é o que fazer com esses maravilhosos computadores. Quase todo mundo (exceto os muito jovens) viveu o tempo onde a preocupação principal de quem ia comprar um micro, era saber qual a melhor máquina, como conseguir o máximo de configuração com um mínimo de dinheiro, qual era a diferença entre diversos modelos e gerações (XT, AT, etc.) e assim por diante. Hoje essa preocupação não existe mais. Com a queda dos preços e a rápida obsolescência dos equipamentos, quem quer comprar geralmente escolhe um 486, se for pessoa física, ou Pentium ou uma rede, se for pessoa jurídica. A marca deixou de ser importante (aliás, a maioria dos computadores simplesmente não tem marca nenhuma...)

O software, não. Está sempre evoluindo, cada vez mais poderoso. Com a multimídia e o Windows, explodiram as aplicações, uma competindo com a outra para tornar os computadores cada vez mais poderosos, mais diversificados, e mais gostosos de usar. Escolher e usar software passou a ser um prazer estético e uma fonte de satisfação para muita gente. Computação é hobby, no Brasil, para milhões de pessoas (nos outros países costuma ser apenas ferramenta de trabalho).

Falta apenas virarmos grandes produtores de software, também...


Publicado em: Jornal Correio Popular, Caderno de Informática, 18/7/95, Campinas,
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