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O estádio global

Renato M.E. Sabbatini

Os números são impressionantes. A Copa de 94 será assistida pela TV por uma audiência acumulada de cerca de 31 bilhões de telespectadores de 189 países, a maioria deles em transmissão direta e simultânea. O aparato tecnológico que permite esse recorde de audiência e universalidade é algo espantoso. São centenas de câmaras de TV de última geração, computadores, sistemas de edição, transmissão e recepção de sinais de vídeo, etc.

O astro de todo esse espetáculo, entretanto, chama-se satélite de telecomunicações. Atualmente existem dezenas desses complexos e carissimos "pássaros" tecnológicos, sobrevoando a Terra à uma altura de 35.800 km. São os chamados satélites geosincrônicos, pela razão que a essa altitude, girando em órbita circular a 11.000 km/h, executam exatamente uma rotação a cada 24 horas. Desse modo, ficam estacionários em relação a um ponto fixo na superfície. Assim, se uma estação de TV de São Paulo quiser receber o sinal de uma emissora situada em São Francisco, o feixe de ondas de rádio que carrega o sinal de TV é enviado para um desses satélites, que esteja visivel simultaneamente a partir das duas cidades, e é retransmitido pelo mesmo, percorrendo assim cerca de 80.000 km, ou quatro vezes a distância entre o Brasil e a China. Isso é muito mais barato, rápido e eficiente do que transmitir o sinal através de uma cadeia de torres de retransmissão, situada a cerca de 80 km uma da outra, que é a única maneira, além do satélite, de evitar o efeito da curvatura da Terra sobre os raios de transmissão.

O mais interessante é que a idéia de aproveitar um satélite geosincrônico para telecomunicações partiu de um escritor de ficção científica, o inglês Arthur Clarke, na década dos 40, quando nem se pensava na corrida espacial ou na TV global. Foi uma dessas idéias tipo "ovo de Colombo", cuja viabilidade teórica foi comprovada pelo próprio Clarke (ele é físico, de formação) e aproveitada assim que surgiram as tecnologias de miniaturização e lançamento de cargas a altas altitudes por foguetes de múltiplos estágios. O primeiro satélite geosincrônico de telecomunicações em operação comercial foi lançado em 1965 pelo consórcio Intelsat. Assim, a Copa de 1974 já`pode ser transmitida para 140 paises, dando início a era verdadeiramente milagrosa das comunicações em âmbito global.

Toda essa tecnologia vai progredir muito ainda. Os custos de transmissão via satélite são muito altos, pois é carissimo lançar um satélite pesado a tamanha altitude. O número e a potência dos canais são limitados, pois a distância é grande e os retransmissores a bordo dos satélites são fracos (cerca de 20 watts), porque dependem de ineficientes painéis de energia solar. O INPE (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial), em São José dos Campos ficou famoso internacionalmente, ao propor recentemente um sistema alternativo, chamado de ECO-8, que consta de oito satélites em órbita equatorial baixa (cerca de 300 km). Como eles não são geostacionários, o número de oito permite que o Brasil esteja sempre visível por um deles. O sistema custa um décimo dos geostacionários, e transmite com potência 100 vezes maior, o que permitirá captar suas emissões com uma antena parabólica doméstica de apenas 40 cm de diâmetro.

As repercussões sociais, econômicas e políticas dessa globalização são imensas. Foi um sociólogo canadense, Marshall McLuhan, o primeiro a explorá-las intelectualmente, consagrando em um de seus livros a expressão "aldeia global". Segundo ele, em 99 % da história da Humanidade as comunicações instantâneas entre pessoas se limitavam às de seu ambiente mais imediato, não maior do que a aldeia em que viviam. Com o surgimento da TV internacional, o mundo todo ficou reduzido, conceitualmente, ao mesmo tamanho dessa aldeia. Por anologia, portanto (e se o Dr MacLuhan permitir, lá do lugarzinho do céu onde ele certamente está acompanhando as transmissões da Copa), o que estamos vendo hoje é o verdadeiro estádio global.


Publicado em: Jornal Correio Popular, Caderno Especial da Copa 94, Campinas, 12/7/94.
Autor: sabbatin@nib.unicamp.br

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