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O tira-teima

Renato M.E. Sabbatini

Segundo o escritor Arthur Clarke, "qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistingüivel de magia". Um bom mote, que serve para caracterizar nossa fascinação contemporânea com certos trique-traques computadorizados que realizam coisas difíceis de se acreditar.

O famoso Tira-Teima, por exemplo. Acho que quase todos os leitores devem se lembrar desse recurso gráfico, que foi usado pela primeira vez pela Rede Globo de Televisão, há uns cinco, seis anos atrás. O curioso nome foi dado a um conjunto especial de hardware (equipamento) e software (programa), que foi inventado por um inventivo inventor italiano, e alugado por uma verdadeira fortuna para a Globo, em caráter exclusivo. Apesar de ser muito útil, o Tira-Teima acabou desaparecendo de circulação, depois de numerosos "Fantásticos". Me pergunto até hoje o que aconteceu. O público se cansou ? A tecnologia era enganosa ? O italiano ficou rico ? Entretanto, usando recursos disponíveis a baixo custo, qualquer garoto pode montar em sua casa um Tira-Teima abrasileirado, sem grande dificuldade.

O Tira-Teima funciona da seguinte maneira. Usando duas câmaras de vídeo, uma determinada cena do jogo (por exemplo, um gol) é gravada em fitas, de forma sincronizada. Os quadros sucessivos de cada filmagem são convertidos por um circuito eletrônico especial, chamado de interface de aquisição de vídeo (que você pode comprar no Paraguai ou em Miami pela módica quantia de 300 dólares), e armazenados na memória do computador. Em seguida, um programa matemático reconstrói uma visão tridimensional do campo e dos jogadores, em perspectiva. A posição de cada jogador e os elementos do campo (meta, laterais, marcações, etc.) são demarcados pelo operador da máquina, usando um mouse. A partir daí, qualquer medida pode ser feita sobre a cena, tais como distâncias, ängulos, velocidade da bola, posição exata dos jogadores, etc., com uma precisão de cerca de 20 cm reais, quadro a quadro. Por exemplo, usando o mouse, o operador manda o programa passar uma linha entre dois jogadores, e mede a distância de cada um deles ao gol. Assim, pode determinar se o impedimento existia ou não. O ângulo e a distância de visualização da perspectiva podem ser manipulados pelo operador, levando assim a situações interessantes, como reconstruir a visão que um determinado jogador tinha da jogada, num determinado instante.

O potencial do Tira-Teima é tão fascinante que muitas pessoas chegaram a sugerir que ele deveria ser usado em campo, durante o jogo, para permitir ao juiz resolver dúvidas e documentar situações. Essa proposta resultou em uma enorme polêmica sobre a natureza do futebol, da emoção que provoca, e da falibilidade dos juízes. Entretanto, apesar de todo mundo xingar a progenitora do "referee" na hora em que ele erra um arbitragem, pouca gente saiu em defesa do Tira-Teima on-line ! Estamos vendo exatamente a mesma polêmica com o uso proposto para o videotape na Copa, com a finalidade de decidir situações disciplinares (mas não se o pênalti existiu ou não...). Os puristas do esporte argumentam que esses recursos "tirariam a emoção" do jogo.

De qualquer forma, o Tira-Teima nos faz lembrar da famosa frase de Arthur Clarke, citada no início do artigo. Embora parecesse miraculoso em seus resultados (e isso acontecia por que ninguém fez questão de explicar a simplicidade do processo pelo qual era obtido), o Tira-Teima era aceito pela população sem muita contestação. Falta de curiosidade ou submissão à ciência ?


Publicado em: Jornal Correio Popular, Caderno Especial da Copa 94, Campinas, 16/7/94.
Autor: sabbatin@nib.unicamp.br
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