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Clonando o passado

 

Renato Sabbatini

Uma das notícias cientificas mais espetaculares do ano foi a descoberta de um mamute congelado na Sibéria, com uma idade estimada de 47.000 anos. Os seus descobridores levaram o enorme pedaço de permafrost (solo permanentemente congelado, típico das terras próximas aos pólos) pesando 24 toneladas, por meio de um helicóptero até uma caverna de gelo na cidade de Khatanga, para começar a realizar o descongelamento. Eles acreditam que o pelo e tecidos estejam bem preservados, e o DNA intacto ou amostras de esperma (o espécime, pelo tamanho, é macho) possam ser extraídos e utilizados para clonar geneticamente esse grande mamífero parente do elefante, que se extinguiu completamente há cerca de 8 mil anos atrás.

A hipótese é fascinante e lembra o enredo do filme “Parque dos Dinossauros” ("Jurassic Park"), em que cientistas ficcionais conseguem extrair DNA do sangue de dinossauros no sistema digestivo de mosquitos preservados em âmbar, uma resina vegetal. Teoricamente é possível, mas apenas se o genoma do animal estiver perfeitamente preservado em uma célula espermática, óvulo ou célula somática (ou seja, não reprodutiva). A hipótese mais fácil é encontrar esperma. Um achado de mamute feito em 1988 revelou que algumas células sanguíneas estavam intactas e foi possível extrair DNA, embora degradado. Os espermatozóides seriam utilizados para fecundar óvulos de elefantes africanos (o estudo do DNA mostrou que eles tem 98% de coincidência do genoma com os mamutes, pois são “primos” na escala evolucionária: o mamute tem 56 cromossomas e o elefante, 58). Caso não seja possível recuperar células reprodutivas intactas, o DNA de células somáticas pode ser extraido e inserido em células reprodutivas, usando a mesma técnica usada para clonar a ovelha “Dolly” por cientistas escoceses em 1997.

Muitos biologistas moleculares, no entanto, refutam essa possibilidade. O DNA precisa ser conservado a –22 graus Celsius para não se degradar, e esse não é o caso dos mamutes. Defeitos minúsculos no DNA tornam inviável o crescimento do embrião (para obter a Dolly usando DNA fresquissimo, foram necessárias centenas de tentativas fracassadas, imaginem então usando DNA de 47 mil anos de idade!). No livro que deu origem ao filme “Parque Jurássico”, é apontada uma possibilidade para contornar esse problema: pedaços danificados do DNA do mamute poderão ser reconstruídos com base em seqüências homólogas (iguais ou parecidas) de DNA de elefante, como em um gigantesco quebra-cabeça. A aposta pode dar errado, no entanto, pois existe uma parte do genoma que não é similar entre as duas espécies. Com muita sorte e bastante tempo, no entanto, e talvez o uso de novas tecnologias que ainda não existem, a clonagem de espécies extintas poderá ser uma realidade não muito distante. Isso tem repercurssões extraordinárias na biologia, pois existem muitos animais extintos recentemente, como o pássaro-dodô e o cavalo de Paderewski, que poderiam ser recriados em laboratório. É o homem brincando de Deus, novamente.

O curioso é que tudo isso pode ser verdade, pois ao longo de muitos séculos têm sido descobertas carcaças de mamutes perfeitamente preservadas naquela região. O mamute é um proboscídeo que, originário da África Subsaariana, emigrou lentamente para a Europa, Ásia e a América do Norte (uma espécie estreitamente correlacionada é o mastodonte, que era ainda maior que os enormes mamutes, do tamanho de uma casa pequena). Relatos de viajantes pela Sibéria dizem, inclusive, que caçadores (muito esfomeados, com certeza) se alimentavam freqüentemente da carne de mamutes encontrados aos milhares nas vastas terras siberianas. Aliás, uns dos perigos de se descobrir uma carcaça de mamute é ela ser devorada rapidamente por predadores, como lobos.

Qual foi a causa da extinção dos grandes mamutes e mastodontes? A resposta é que não sabemos. Extinções maciças de poucas espécies correlacionadas em tempos pré-históricos podem ser devidas a vários fatores: alterações climáticas ou da vegetação, epidemias devastadoras e eliminação pela caça exagerada são algumas das hipóteses aventadas. Nenhuma delas é totalmente convincente, no entanto, e faltam provas para consubstanciá-las. No entanto, é impressionante a coincidência entre o espalhamento do ser humano pelo planeta e o desaparecimento de várias espécies animais. Cientistas estudaram, por exemplo, o destino de manadas de mamutes na Ilha de Wrangler, antes e depois da chegada dos seres humanos. Os mamutes existiam lá há centenas de milhares de anos, de acordo com o registro fóssil. Coincidência ou não, duraram pouco mais de 400 anos, mas provavelmente menos que isso! Os proboscídeos têm poucos filhotes, como todo grande mamífero, e uma caçada seletiva aos filhotes (que era o que os caçadores conseguiam matar com suas armas primitivas) seria a chave da extinção tão rápida. Mesmo assim, é difícil explicar porque o elefante moderno coexiste por milhares de anos com populações até mais densas do que na pré-história e não se extingüiu. É um verdadeiro enigma, que o estudo biológico moderno dos mamutes congelados poderá desvendar um dia.
 


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas,  29/10/99.

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