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A SBPC e Campinas

 

Renato Sabbatini

A seção de "50 Anos no Correio Popular" desta semana deu uma notícia que foi pouco notada e comemorada no País: a realização da primeira reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Campinas, iniciada em 11 de outubro de 1949. A própria SBPC parece não ter dado muita importância ao aniversário.

A SBPC foi criada em 8 de junho de 1948, por vários cientistas brasileiros, a maioria deles ligado à Academia Brasileira de Ciências e à Universidade de São Paulo. O projeto de fundação da USP, que tinha ocorrido 14 anos antes, teve como um dos seus mais importantes fundamentos a vinda de um número significativo de cientistas e pensadores da Europa. Isso resultou em uma renovação sem precedentes de vários setores da ciência brasileira, a qual manifesta seus efeitos até o presente. Na reunião de fundação da SBPC estavam presentes vários cientistas (jovens, na época), como Jorge Americano, Mauricio Rocha e Silva, José Reis, Gastão Rosenfeld, José Ribeiro do Vale, Francisco J. Maffei, Paulo Sawaya, entre outros. Eram cientistas experimentais, a maior parte da área biológica e médica, e que estavam motivados em defender os interesses da pesquisa brasileira e de "lutar pelo progresso da ciência em nosso País", como afirmaram no manifesto da fundação. Daí resultou o nome da entidade. O desejo de criar a instituição teve também um motivo político, e isso marcou a atuação social da SBPC desde o início: na época, o Governador de São Paulo, Adhemar de Barros, queria acabar com a pesquisa científica no Instituto Butantan (um dos mais importantes centros de pesquisa biomédica, desde a sua fundação pelo médico Vital Brazil, o descobridor dos soros anti-ofídicos) e transformá-lo exclusivamente em um produtor dos tais soros. Para enfrentar essa interferência do governo, os cientistas se organizaram, mas pensaram em algo maior: seguindo o exemplo de duas instituições centenárias, criadas em moldes semelhantes na Inglaterra e nos EUA (A British Association for the Advancement of Science, e a American Association for the Advancement of Science), e que tinham como afiliados a maioria dos cientistas dos dois países.

No ano seguinte à sua fundação, a SBPC realizou então a primeira reunião científica anual, que viria se repetir ininterruptamente até o presente. Campinas agitou-se com essa que foi denominada a "primeira reunião de cientistas na América Latina integrando todos os campos do conhecimento" (com um pouco de exagero, diga-se, tinha pouca gente de outros países, e o tema principal do encontro foi a alimentação, por sugestão da UNESCO, que também tinha sido recém-criada). Foram 104 participantes e 90 trabalhos científicos apresentados. Um começo tímido, mas a partir daí a SBPC não parou mais de crescer. Com o passar dos anos, assumiu cada vez mais um papel relevante na agregação e na ação politica e social dos cientistas brasileiros. Para se ter uma idéia, a 50a. Reunião, em Natal, teve quase 6.000 participantes e 5.000 trabalhos inscritos, através de 58 sociedades co-participantes. Além da primeira reunião, Campinas foi sede do encontro por mais duas vezes, sendo a última em 1982. Aliás, cabe aqui uma observação crítica: só não foi mais vezes porque nossa cidade, embora seja uma gigante no cenário científico nacional, com suas universidades, institutos de pesquisa e empresas de alta tecnologia, sofre muito com a falta de um centro de convenções adequado para abrigar congressos científicos do porte de uma SBPC. O saudoso prefeito Magalhães Teixeira chegou a fazer um projeto nesse sentido, que deve estar esquecido em alguma gaveta por aí, mas que seria extremamente necessário levar adiante.

A SBPC ficou conhecida do público em geral principalmente através de suas lutas a favor da ciência nacional, da anistia e da defesa da livre expressão, nos anos de chumbo dos governos militares. Como a sociedade civil dispunha de poucos canais livres de manifestação que não fossem objeto da repressão e da censura ideológica, a SBPC, por ser um fórum onde participavam pessoas muito importantes e conhecidas (como o atual presidente da República, Prof. Fernando Henrique Cardoso, que era "habitué" e "estrela" de muitas reuniões, que de certa forma serviram como trampolim para sua notoriedade e posterior carreira política), ficou mais ou menos protegida da fúria repressiva dos militares. Já em 1965, um editorial do Prof. Rocha e Silva, publicado na revista oficial da entidade, a "Ciência e Cultura", exigia o retorno dos cientistas exilados por motivo de perseguições políticas.

Curiosamente, estamos vivendo desde o ano passado, com a crise econômica e o corte nos investimentos nos setores educacional e científico, um novo movimento de auto-defesa dos cientistas de São Paulo. Em setembro de 98 vários pesquisadores paulistas criaram o Movimento em Prol da Ciência para o Estado de SP, na sede da SBPC, com seu apoio e da Associação dos Pesquisadores do Estado de SP (APqC). O objetivo do movimento é o de lutar pela solução dos graves problemas que afetam a ciência e a tecnologia paulistas. O ponto interessante é que o movimento recebeu também o apoio do então Secretário Estadual de C&T, Prof. Flávio Fava de Moraes (ex-reitor da USP e ex-diretor científico da FAPESP), e do reitor da USP, Prof. Jacques Marcovitch; ambos, teoricamente, do governo estadual! O círculo histórico se fechou, ao ser lembrado na reunião, pelo Prof. Willi Beçak, diretor do mesmo Instituto Butantan que foi o pivô da criação do SBPC, que foi exatamente de instituições como o Butantan, o Instituto Agronômico de Campinas, o Instituto Biológico, etc. (hoje em grave crise política e orçamentária), que surgiram os líderes científicos e as iniciativas que criaram as universidades paulistas e as entidades científicas, como a SBPC.

Não é preciso declarar aqui como essa defesa é importante para o Brasil. São Paulo tem o maior contingente de cursos de graduação e pós-graduação de alta qualidade do país, e mais de 60% dos recursos de pesquisa são investidos no Estado. É mesmo a "locomotiva" do Brasil, como se dizia antigamente sobre a economia e a indústria de São Paulo.

Nestas cinco décadas de existência, tem sido altamente positiva e corajosa a atitude permanente de defesa da SBPC em pról da ciência brasileira. Há exatamente um ano atrás, a SBPC também lançava a "Carta de Maringá à Nação Brasileira, ao Presidente da República, Deputados Estaduais e Federais, e Senadores". Nela, afirmava que os "cortes lineares do Governo são um golpe de misericórdia no sistema nacional de C&T" […] Esta carta aberta à nação é um manifesto da SBPC pela salvação da ciência e da tecnologia, bases indiscutíveis do processo de inovação do conhecimento e peças fundamentais para o desenvolvimento de uma indústria e de uma agricultura internacionalmente competitivas."
 

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Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 15/10/99 .

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