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A destruição das universidades paulistas

 

Renato Sabbatini

Como toda comunidade humana com uma missão específica, as universidades públicas paulistas funcionam graças a um delicado e complexo equilíbrio entre muitos fatores, que são responsáveis pela sua integridade e eficiência, e pelo cumprimento dos objetivos fundamentais do ensino, da pesquisa e dos serviços que ela presta à sociedade.

Essa missão agora está correndo seríssimo perigo, pois alguns dos pilares fundamentais que mantém esse equilíbrio começaram a ruir. A USP, a UNICAMP e a UNESP, paradigmas da excelência e da produtividade no ensino superior em nível nacional e até internacional, estão passando por um momento muito difícil, que poderá ficar ainda pior, ameaçando uma das maiores conquistas do povo paulista.

Quais são as ameaças surgindo no horizonte? Uma delas é a já conhecida crise orçamentária. As universidades paulistas ganharam a autonomia financeira e administrativa há um certo tempo, mas ao mesmo tempo são dependentes do financiamento do governo estadual, através de uma porcentagem fixa do ICMS. Nos últimos três anos, esse valor caiu quase 10%, embora as universidades tenham aumentado muito sua produtividade e o número de vagas (principalmente em cursos noturnos), ao mesmo tempo conseguindo diminuir o número de funcionários e docentes. A Lei Kandir (isenção de impostos estaduais para exportação) afetou uma parte significativa do faturamento das  universidades, sem que tenha havido até agora uma compensação, como tinha sido prometido. A guerra fiscal entre os estados, e especialmente a mudança de regimes de taxação comercial e industrial pode afetar ainda muito mais seriamente a fonte de dinheiro das universidades. O governador Mário Covas declarou recentemente que nosso estado poderá perder até 10 bilhões de reais por ano de impostos. Se isso ocorrer, será um golpe absolutamente mortal nas universidades. Elas terão que encolher seus serviços entre 20 a 50%, prejudicando irreversivelmente suas atividades.

Agora gostaria de chamar a atenção do público para um outro fator extremamente ameaçador, que está provocando muito pessimismo no seio das universidades. Refiro-me ao rombo previdenciário dos servidores do estado de São Paulo, que vai repercutir terrivelmente sobre o salário dos docentes e outros servidores da universidade. Para financiar esse rombo e conseguir montar um fundo previdenciário, o que é urgente e importante, o governo enviou uma proposta para a Assembléia Legislativa que é um verdadeiro assalto à integridade salarial dos servidores, impondo descontos de até 25%, dependendo da faixa salarial (e os professores, por estarem naturalmente em uma faixa mais alta, serão os mais prejudicados). Para o leitor ter uma idéia, somando todos os descontos em folha, um pesquisador em início de carreira, em tempo integral, com mestrado, doutorado e pós-doutorado no exterior, altamente capacitado, depois de 15 anos de estudos superiores, ficará com um líquido em torno de R$ 1.100 por mês, a mesma coisa que um servidor de nível médio, com apenas o segundo grau! É um achatamento salarial violento, e uma total inversão do princípio da remuneração proporcional à capacidade e ao mérito.

O resultado de tudo isso está sendo multiplamente perverso para as universidades. Primeiro, em virtude da crise orçamentária, todas as contratações de novos docentes estão suspensas, até mesmo em substituição a aposentados ou demissionários. Em segundo, mesmo que fosse possível a contratação, as universidades não conseguirão atrair mais nenhum jovem talentoso, pois não há como competir com o mercado de trabalho externo com um salário tão baixo, principalmente aquele das universidades particulares, que estão atrás de docentes com bom currículo.  Terceiro, os docentes mais experientes, no meio da carreira, com currículos altamente valorizados pelas empresas, possivelmente pedirão demissão e se afastarão da universidade, sem possibilidade de serem substituídos.

Será uma catástrofe sem precedentes. Cairá muito a qualidade do ensino e um grande número de linhas de pesquisa será paralisado irreversivelmente. Alguns departamentos menores ficarão tão desfalcados, que perderão a capacidade de manter ensino e pesquisa, tendo que ser fundidos com outros. Além disso, o corpo docente terá uma idade média cada vez maior, passando apenas a ter professores em cargos mais altos, e sofrendo muito com a falta de infusão de “sangue novo”, que é essencial para a permanente renovação que caracteriza a universidade.

Que soluções existem? Os sindicatos estão em pé de guerra, tentando bloquear a aprovação das novas regras. Mas isso não resolve o assunto: o rombo continuará, sangrando os recursos das universidades de forma crescente (atualmente os servidores aposentados continuam na folha de pagamentos, recebendo salários integrais até o fim da vida, na categoria de “inativos”: já representam 18% do orçamento da UNICAMP). Existiria alguma saída? O mais racional seria aumentar o salário de todos, para que o líquido no final do mês ficasse mais ou menos igual ao de hoje. Mas de onde tirar os recursos para isso? Outra solução seria acabar com a aposentadoria integral, mas essa seria uma traição aos servidores, que consideraram esse benefício como um fator importante para decidir-se pela carreira universitária.

Mais um vez, os erros e desmandos do governo no passado estão sendo pagos com o bolso dos servidores. Assim é fácil, mas infelizmente dessa vez as conseqüências serão destruidoras, se o atual rumo das coisas não for corrigido. Uma delas, inevitável, ao meu ver, é que a UNICAMP, a USP e a UNESP terão que cobrir 25% a 30% de seus custos cobrando taxas escolares dos alunos, e deixando, portanto, de serem universidades públicas e gratuitas...


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 27/8/99 .

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