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A ciência pode prever o futuro?

 

Renato Sabbatini

Desde que se distanciou de suas origens comuns aos outros animais, através do desenvolvimento espetacular do cérebro e da inteligência, a espécie humana tornou-se capaz de ultrapassar as limitações e perigos do ambiente e da natureza. Assim, um organismo frágil e quase sem defesas (o "macaco nú" de que fala o zoólogo inglês Desmond Morris em seu famoso best-seller com o mesmo título) conseguiu habitar todos os recantos do planeta, mesmo os mais hostís à vida, e iniciou a sua longa viagem em direção às estrelas, através da exploração espacial tripulada.

Uma propriedade fundamental para a sobrevivência de todos os seres vivos é a capacidade de prever o futuro. Na hierarquia da vida, ela surge já nos protozoários (uma simples ameba, por exemplo), que conseguem prever o futuro com uma razoável facilidade. Com o desenvolvimento do sistema nervoso e sua crescente complexidade na escala animal, até chegar aos primatas, a capacidade de prever o futuro aumenta tremendamente, ao ponto de chegar a algumas capacidades cognitivas que pouquissimos animais têm, como o planejamento. Pensem bem: o planejamento não é uma forma de se prever o futuro, antecipando um conjunto de situações possíveis e as ações que tomaremos frente às mesmas? Um chimpanzé consegue planejar seqüências relativamente simples, como quebrar uma pedra, para transformá-la em uma faca, para cortar um barbante, que prende a porta de uma caixa que o levará a uma banana, Mas não consegue planejar uma simples viagem de compras ao "shopping", por exemplo, e somente o ser humano consegue planejar uma viagem à Marte, com seus bilhões de componentes, participantes, etc.

Parece absurdo que uma ameba consiga prever o futuro? Não é. O aprendizado é a "arma" que todos os animais têm para isso, e se antecipar a ele, evitando situações potencialmente danosas ou procurando situações potencialmente benéficas. Um exemplo: se colocamos um recipiente com um veneno de pouca potência em um ambiente onde existem ratos, o rato ingere o veneno mas não morre. Fica doente, passa mal, e nunca mais chega perto daquele veneno. Com isso, conseguiu predizer o futuro, pois ao identificar o veneno pelo cheiro, não o ingere, pois "sabe" que irá morrer se o fizer…

A ciência e a tecnologia são as ferramentas mais refinadas de previsão do futuro que o ser humano dispõe. O desenvolvimento da civilização moderna, com todas suas conquistas de conhecimento e de artefato, é uma demonstração viva disso. Essas reflexões foram provocadas por duas coisas que aconteceram recentemente e que me maravilharam. A primeira delas é o aniversário de 80 anos da famosa observação astronômica feita em Sobral, no Ceará, durante uma eclipse total do sol. Uma equipe internacional de astrônomos comprovou uma previsão espetacular que o físico alemão Albert Einstein tinha feito alguns anos antes, com base em sua teoria da relatividade (ainda pouco aceita por muitos físicos, na época). Como Einstein tinha chegado à conclusão que massa e energia são interconversiveis e equivalentes, através da famosa equação E=mc2 (energia é igual a massa multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado), a conseqüência é que ondas de energia, como a luz, poderiam ser atraídas gravitacionalmente por grandes massas, como a de uma estrêla. Einstein propôs então uma observação simples: comparar as posições das estrelas distantes que aparecem ao redor do sol, antes e depois dele passar por elas. Se a luz realmente tem massa, como previa Einstein através de sua teoria, então se notaria um ligeiro deslocamento das posições das estrelas nessas duas situações, como se a luz reta das estrelas sofresse um desvio ao passar perto do sol. Se isso não acontecesse, Einstein estaria errado, e a teoria da relatividade teria que ser modificada, pois quem manda é a natureza!

Como a única possibilidade de visualizar estrelas próximas ao intenso brilho do sol só ocorre em uma eclipse total (onde o disco do sol é totalmente tapado pela lua), o Brasil, e mais precisamente o Ceará, entraram para a história da ciência. A luz das estrelas se deslocou exatamente de acordo com a teoria, e Einstein foi glorificado. Querem maneira mais refinada de predizer o futuro?

Outro evento que me impressionou foi um congresso promovido nesta semana na Embrapa, em Campinas, sobre mudanças climáticas globais e suas conseqüências sobre a agropecuária brasileira. Analisando as tendências do "efeito estufa" (aquecimento terrestre global causado pelo acúmulo de gases produzidos por ações humanas), quatro pesquisadores da Embrapa de Pelotas e de Passo Fundo realizaram complexas simulações computacionais baseadas em modelos matemáticos e geofísicos desse efeito. Chegaram à conclusões interessantissimas do que vai ocorrer daqui a vinte anos: a cultura da soja, por exemplo, vai ser beneficiada com um aumento médio da temperatura naquela região, de 4 a 4,5%, pois a colheita vai aumentar em cerca de 20%. Já o milho e o trigo sofrerão uma redução da mesma ordem. Os pesquisadores prevêem também um aumento das doenças das plantas, e sugerem diversas ações, como a sua modificação genética para aumentar a resistência, e o manejo das culturas para contrabalançar o aumento de dióxido de carbono na atmosfera, como plantar espécies que absorvem esse gás em grande quantidade. Essa capacidade de prever o futuro, se antecipar a ele e evitar desastres que afetem nossa espécie é fabulosa, formidável. E tem gente que ainda tem preconceito contra a ciência e suas conquistas…

Portanto, a ciência é a única maneira lógica, aceitável e eficaz que temos de predizer o futuro. As pseudociências e as ciências esotéricas não têm essa capacidade, ao contrário do que dizem os astrólogos e cartomantes, pois elas não tem resultados consistentes.


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 19/6/99 .

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