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 Você gosta de ciência ?

Renato Sabbatini

Se você gosta de ler sobre assuntos científicos e tecnológicos nos jornais e revistas, e de assistir a temas de ciência na TV, está em boa companhia: mais de 70% da população urbana do Brasil também gosta. É um número muito significativo, e mais ainda se soubermos que 31% dos brasileiros dizem se interessar muito, e que 20% dos adultos (cerca de 10 milhões de pessoas) estudam ou trabalham em alguma área relacionada às ciências.

Estes e outros dados fazem parte de uma pesquisa de opinião realizada em 1987 pelo respeitado Instituto Gallup para o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), e que foi publicada em um volume intitulado "O Que o Brasileiro Pensa de Ciência e Tecnologia ? (A Imagem da Ciência e da Tecnologia junto à População Brasileira", cheio de informações interessantes e surpreendentes. Desde então, nenhuma outra pesquisa do gênero foi realizada, mas nada nos leva a duvidar de que a situação tenha mudado (minha impressão é que o interesse do povo pela ciência tem até aumentado). Uma das perguntas feitas pela Gallup foi se os órgãos de comunicaçãp noticiam satisfatoriamente ou deveriam dar mais notícias sobre novas descobertas cientificas e tecnológicas. A resposta foi que a maioria das pessoas (também 70% em média) considera insuficiente. A porcentagem é maior entre as pessoas com instrução superior (71%) e entre os que se interessam por ciência (76%). A conclusão da Gallup é que "esses números mostram a existência de uma grande demanda potencial pelo jornalismo científico e pelas revistas de popularização das ciências em geral, inclusive mostrando a necessidade de ser empreendido um grande trabalho de divulgação científica […] Apesar do grande interesse manifestado, os dados indicam que os resultados do avanço científico e tecnológico estão distantes da vida diária das pessoas".

Recentemente participei de uma banca de doutorado na Escola de Comunicações e Artes da USP, em São Paulo, na qual a Dra. Fabíola de Oliveira, jornalista científica filiada ao INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e ex-presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, defendeu brilhantemente uma tese sobre a divulgação pública de ciência e tecnologia pelos órgãos de comunicação social do governo federal. Segundo a Dra. Fabíola, que conhece bem a história e os bastidores da politica do setor, de lá para cá "não foram realizados esforços significativos no sentido de contribuir com uma melhoria na quantidade e qualidade da divulgação científica para o público como foi sugerido pela pesquisa (da Gallup) ". É uma pena, pois os empresários da mídia parecem estar perdendo um excelente negócio em termos de objeto de interesse da população.

Tudo isso nos faz estranhar, portanto, a parca e insuficiente cobertura que a mídia de massa dá aos temas da ciência, e o preconceito devotado pelos publicitários e empresas que anunciam nesses mesmos órgãos, que "ciência não vende jornal". Diversas revistas de divulgação científica iniciada por instituições e empresas fecharam em déficit, por causa disso, como, por exemplo a excelente "Ciência Ilustrada", da Editora Abril. Outras, como a "Ciência Hoje", revista maravilhosa editada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), amargam tiragens relativamente pequenas e não encontram apoio entre os anunciantes. Na tevê, tirando os canais transmitidos por assinatura (e o sucesso de canais de documentários, como People & Arts, Discovery, e o Futura, da Globo, demonstra isso), os programas de divulgação científica são raros e, quando existem, transmitidos com baixa freqüência e em horários absurdos, como o "Globo Ciência", ás sete e meia da manhã do sábado.. O publico pagante de canais por assinatura no Brasil ainda é ridiculamente pequeno, no entanto, e as concessionárias da tevê aberta não têm interesse em educar o povo brasileiro, preferindo trasmitir aberrações altamente deseducativas como o Ratinho, Magdalena e Márcia, e programas dominicais fúteis e vazios, como Silvio Santos, Faustão e um interminável número de novelas. Como não respeitam a vontade do povo por temas mais relevantes e educativos, deveriam ser simplesmente obrigadas pelo governo a ter programas educacionais em faixa nobre de horário, e em porcentagem mínima da programação, como ocorre no Japão e na grande maioria dos países europeus.

É inevitável que um dia o povo brasileiro será melhor educado, com níveis mais altos de alfabetização funcional e interesse pelo aprendizado. Se depender da tevê e do rádio, que são os únicos veículos de comunicação social de massa que atingem essa grande maioria dos brasileiros, esse dia nunca chegará. Uma pesquisa nos EUA mostrou que existe uma correlação inversa entre o grau de instrução do telespectador ou ouvinte e o número de horas que ele dedica a assistir tevê e rádio. Com o advento da Internet, esses números sofreram ainda uma queda adicional de 20%, principalmente em algumas faixas etárias específicas.

Está na hora de reagir.

Para Saber Mais

Sabbatini, R.M.E.: Ciência na Internet. Correio Popular, Caderno de Informática, p.2, 30/6/98.


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 26/6/98.

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