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Superstições de Ano Novo

 

Renato Sabbatini

 

Chupe sete sementes de romã e guarde-as na carteira. Você ganhará bastante dinheiro no ano que está começando !

 Essa e outras inofensivas superstições de Ano Novo são uma prova de que a mente humana é uma máquina lógica imperfeita. Infelizmente, nosso cérebro não evoluiu biologicamente por milhões de anos com o objetivo de perceber e entender as relações entre causa e efeito. Essa capacidade surgiu somente depois da evolução da linguagem e do seu uso como uma ferramenta de representação simbólica do mundo. Assim sendo, nossa psique é constantemente vítima de enganos, levando-nos a acreditar em coisas que o método cientifico facilmente comprova como sendo falsas. Ele é a nossa única garantia de que podemos chegar ao que se convencionou chamar de "verdade". Ele é o conjunto de normas, premissas e procedimentos que os cientistas utilizam sistematicamente para descobrir novos conhecimentos.

Como funciona o método científico ? Um dos grandes problemas que nossa sociedade enfrente atualmente é que a maioria do público não tem uma idéia muito clara a respeito. Uma das conseqüências graves desse desconhecimento é que se abrem as portas para a aceitação da pseudociência e do esoterismo mascarado como ciência.

Para explicar melhor, vou dar um exemplo. Uma das armadilhas mais comuns em que a mente humana cai, é chamada de efeito "propter hoc". Esse nome vem de uma frase em latim: "Post hoc ergo propter hoc", e que sigifica "se algo acontece depois disso, então é devido a isso". É como se fosse uma relação causa-efeito que parece existir devido à proximidade temporal entre dois eventos, mas que, na realidade, não têm conexão entre si. Um exemplo em medicina é dado por uma frase aparentemente brincalhona, mas que tem implicações bastante sérias: "Se uma gripe não for tratada, ela dura uma semana, se for tratada, dura apenas sete dias". Essa é uma fonte muito comum de erros científicos em medicina. O médico trata uma doença com um medicamento, e ela desaparece depois de um certo tempo. Ele (e o paciente) ficam então convencidos de que o medicamento foi efetivo, quando o que aconteceu pode ter sido o desaparecimento espontâneo dos sintomas ou da própria doença, que aconteceriam independentemente do medicamento ter sido ministrado.

Então, como o cientista consegue discriminar entre um efeito "propter hoc" e uma relação causa-efeito real ?. Isso é fundamental para todos os aspectos do conhecimento científico. Sem um método que consiga discriminar entre ambos, não teríamos descoberto milhares de coisas úteis, como por exemplo, os antibióticos.

O segredo do método científico é simples: através da experimentação, tenta-se repetir muitas vezes o evento que se supõe ser a causa, e se observa quantas vezes ocorre o que se supõe ser o efeito. Ao mesmo tempo, tenta-se manter constantes ou eliminar todas as demais variáveis e fatores que poderiam interferir ou causar variações nessa relação. Tomando novamente o exemplo do medicamento antigripal: o cientista dividiria uma população de 100 pessoas com gripe em dois grupos. Para as pessoas de um dos grupos ele ministraria o medicamento sob investigação, enquanto que para o outro grupo ele daria um placebo. Ambos os grupos seriam formados de pessoas as mais parecidas possiveis em termos de sexo, faixa etária, faixa socioeconômica, história médica, raça e até genética. Qualquer outro tipo de tratamento para a gripe seria suspenso. Tanto os pacientes quanto os médicos não deveriam saber previamente se estão tomando o medicamento ativo ou o placebo. Posteriormente, a melhora dos sintomas seria analisada e comparada entre os dois grupos. Se o medicamento ativo for realmente eficaz, isso seria facilmente observado, utilizando técnicas de análise probabilistica desenvolvidas nos últimos cem anos.

Para testar se é verdadeira a "simpatia" das sementes de romã, seguiríamos um procedimento semelhante. Poderiamos observar ao longo de 1998 dois grupos de pessoas, as mais parecidas possiveis entre si: as que seguiram a simpatia e as que não seguiram. Entre as variáveis coletadas, anotaríamos quanto dinheiro as pessoas ganharam a mais do que o normal (promoções no trabalho, loteria, doações, vendas, etc.). Depois analizaríamos se houve realmente uma diferença entre os dois grupos. Alguém tem alguma dúvida sobre o resultado que iria dar ?

Como disse muito bem o grande cientista e divulgador Carl Sagan, falecido no ano passado, o método científico é a única luz que é capaz de nos guiar através da escuridão da ignorância.

O filósofo Karl Popper, também falecido em 1996, tem uma frase muito bonita, que mostra como funciona o método científico:

"A diferença entre uma ameba e Einstein é que, embora ambos aprendam através da tentativa e do erro, a ameba não gosta de errar, ao passo que Einstein fica intrigado pelo erro. Conscientemente, ele investiga os seus erros, com a esperança de aprender através da descoberta e da sua eliminação."


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 4/1/98.

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