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Ciência e a integridade jornalística

 

Renato Sabbatini

 

"Atualmente a mídia praticamente substituiu as escolas, colégios e a universidade como a principal fonte de informação para o grande público. Mas a irresponsabilidade da mídia com respeito às informações científicas e dos fenômenos paranormais é um problema mundial. A mídia têm distorcido seriamente a ciência, particularmente ao apresentar pseudociência como se fosse ciência genuína"

 Esta pungente e devastadora declaração de Paul Kurtz, presidente do Comitê Americano para a Investigação Científica de Alegações de Paranormais (CSICOP), foi feita durante a criação, em maio passado, de um Conselho para a Integridade da Mídia, nos EUA. O Conselho inclui cientistas de grande prestígio, tais como Stephen Jay Gould (biólogo de Harvard e divulgador científico), Gerard Piel (ex-presidente da Associação Americana para o Progresso da Ciência), Glenn Seaborg e Leon Lederman (nobelistas de Química e de Física); e foi motivado pela crescente preocupação da comunidade científica com o que John Horgan, editor da revista Scientific American caracterizou em um livro recente como sendo "O Fim da Ciência".

 Porque a ciência estaria correndo perigo ? Horgan, Kurtz e outros luminares defensores do método científico, como o grande Carl Sagan, alegam que está havendo uma invasão maciça de pseudociência nas mídias tradicionais (imprensa, TV, etc.) e até na Internet, e que isso está corroendo seriamente a confiança do público nos valores da ciência que fundamentam a sociedade moderna. Chega a ser irônico que isto esteja acontecendo em um período de extraordinário progresso tecnológico e científico, como nunca houve na história da humanidade. Parece incompreensível que um programador de computadores, que trabalha com chips complexíssimos, derivados da aplicação do método cientifico e de um volume gigantesco de descobertas da física, da química, da matematica, da informática, etc., acumuladas ao longo deste século, é a mesma pessoa que acredita em astrologia, iridologia, aromaterapia, cristais, duendes, anjos, e criacionismo e outras sandices do gênero.

 Mas é isso que está acontecendo de forma significativa, e infelizmente os jornalistas e editores não hesitam em comprometer sua própria integridade e a de seus órgãos de comunicação social ao fazerem reportagens constantes com "alternativos" e "esotéricos", dando credibilidade aos mesmos por meio de uma linguagem sensacionalista e acrítica. Pode-se observar facilmente o aumento sensível do espaço dado aos temas pseudocientíficos e esotéricos, que convivem promiscuamente lado a lado, em coloridas seções permanentes, numa verdadeira intoxicação de coisas totalmente inventadas pelos seus criadores (já notaram como os "anjos do dia" têm versões diferentes e totalmente conflitantes, conforme o "especialista" que os anuncia ?).

 O pior em todas essas matérias é que a mídia fornece um palanque privilegiado para os místicos e esotéricos, sem dar chance de manifestação contrária aos céticos, cientistas e professores. Ao invés de cumprir seu papel social de informação e de educação sadia do público, a mídia parece investir exatamente na desinformação, no engano e na demagogia barata contida na frase "é o que o público gosta"…

 Recentemente, houve um forte protesto da comunidade científica nos EUA contra a rede NBC de televisão, que transmitiu em horário nobre um programa chamado "As Misteriosas Origens do Homem", que promovia um amontado de pseudociência, pretensamente "descoberta por cientistas idôneos", tais como a origem da civilização há 100 milhões de anos atrás, e a convivência da espécie humana com dinossauros. Desnecessário dizer que a NBC ignorou totalmente o protesto e transmitiu duas reprises do programa, tamanho foi o seu sucesso. Os anunciantes tiveram que brigar por um espaço nos comerciais. Até mesmo o respeitado "Discovery Channel", da TV paga, conhecido pela excelência de seus documentários históricos, geográficos e científicos, entrou nessa, com um programa sobre fantasmas dos castelos ingleses, e sobre "mistérios" e "profecias" (aliás, podem notar que quase todo programa que tem uma dessas palavras no título promove pseudociência).

 Ninguém tem nada contra entretenimento e fantasia. Mas a mídia deveria ser mais responsável e íntegra, marcando claramente o que é ciência e o que é crença sem base científica. Os milhões de crianças e jovens em formação educacional, que também assistem TV e usam em classe a informação contida nos jornais, agradecem penhoradamente….

 


Correio PopularPublicado em: Jornal Correio Popular, Campinas, 17/10/97.

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